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O poder das lágrimas

Por tristeza, felicidade, medo, raiva... Não importa o motivo por que choramos, uma coisa é certa: o choro sempre estará presente em nossas vidas

Primeira forma de comunicação do ser humano com o mundo, o choro começa a ser exercitado pelo homem já a partir do nascimento, quando as glândulas lacrimais ainda estão sendo desenvolvidas. Mesmo assim, os sons emitidos pelo recém-nascido bastam para avisar a quem está ao redor de que algo não vai bem numa fase da vida em que ele ainda não consegue verbalizar as próprias necessidades. Com o passar dos anos, o ato de chorar ganha novos contextos e significados. Porém, uma característica parece se manter inalterada. O choro é uma forma de expressão, seja de tristeza, seja de alegria, raiva, dor, culpa, emoção.

De acordo com o psicólogo Luciano da Costa Espírito Santo, o choro é um fenômeno inespecífico do ponto de vista psicológico, uma vez que ele pode representar sentimentos variados. Além disso, o ato de chorar nem sempre significa alívio de sofrimentos ou traz algum outro benefício para quem chora. "O choro também pode ser usado como estratégia de interação social, produzindo simpatia ou atenção por parte dos interlocutores daquele que chora", completa Espírito Santo, diretor do curso de psicologia da Universidade Católica de Brasília.

Um estudo publicado no fim de 2008, resultado de uma parceria de psicólogos pesquisadores da Universidade do sul da Flórida, nos EUA, e da Universidade de Tilburg, na Holanda, também concluiu que nem sempre o choro tem um efeito catártico. Embora a maioria dos participantes tenha afirmado que se sentiu melhor depois de chorar, um terço do total relatou não ter sentido qualquer diferença ; alguns até disseram que o humor piorou. Os pesquisadores observaram ainda que quem recebeu apoio enquanto chorava tinha maior probabilidade de notar alguma melhora depois da experiência.

Embora os benefícios de chorar ainda não estejam claros, há quem não imagine abrir mão do hábito. "Não devemos pensar que chorar é algo negativo, mas uma importante pausa para organizar os pensamentos antes de resolver impasses", acredita a estudante Brena Nascimento, 23 anos, que se assume "chorona" e diz ter "baixa tolerância a frustrações". "Fui criada por pessoas que valorizam muito os sentimentos, que sempre me falaram da importância de demonstrar o que se sente e que, se tivesse vontade, podia sim chorar."

As sessões de choro, no entanto, são preferencialmente reservadas ; ninguém precisa ficar sabendo. "Quando a mente falava ;aguenta firme, dá pra chorar só quando estiver em casa, embaixo da coberta;, as glândulas lacrimais produziram lágrimas suficientes para três atrizes de novela mexicana. Foi bastante embaraçoso", diz, lembrando-se de um episódio recente. Ao mesmo tempo, Brena afirma que costuma chorar mais de alegria e acredita que o choro pode ser um remédio quando, depois dele, consegue-se mudar a atitude ou traduzir sentimentos em palavras.

O estudante de medicina Washington Chagas, de 30 anos, não tem problema em admitir que a sensibilidade não é algo exclusivo das mulheres. "Eu sou muito sensível a fatos, saudade, perdas, filmes; Choro principalmente por saudade do meu filho, que mora com a minha mãe em Anápolis, mas também acontece quando ouço algumas histórias de pacientes." Ele não acha que as lágrimas tenham algum papel além de demonstrar o que está sentindo na hora e admite que também já chorou em público. "Uma vez, numa festa surpresa de aniversário que eu realmente não estava esperando. Também teve uma vez em que meu filho me mandou uma mensagem que me emocionou muito e eu precisei sair no meio da aula. Ele falou sobre uma vez em que eu tirei a minha camisa para dar a ele porque ele estava com frio. Já havia passado dois anos, achei que ele nem se lembrasse mais", enumera. Apesar de ver como uma qualidade o fato de ser tão sensível, Washington acha que chorar em público com frequência passa uma impressão de fraqueza.

O ator Junior Ferris, 27 anos, também admite chorar com facilidade, ouvindo música ou vendo filmes. Ele faz parte da escola de samba Unidos da Vila Planalto e Lago Sul e afirma ter derramado muitas lágrimas de alegria pela conquista do campeonato do grupo de acesso no ano passado. "Já quando precisa chorar no palco, tenho mais dificuldade, não gosto de ativar memórias pessoais."

De acordo com a professora de psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Magda Vaissman, a maioria dos homens tem dificuldade para chorar por conta da criação. "Eles não são fortes, eles são como as mulheres. O choro é uma manifestação, assim como o riso. E a falta de capacidade de expressar emoções pode acarretar um problema mais sério", defende a especialista. Foi com esse pensamento que o vendedor Júlio Sousa, 23 anos, diz ter crescido. "Nunca fui muito amoroso ou melancólico, mas acho que varia de cada um essa necessidade de chorar. Eu não vejo motivo. Posso ficar sensibilizado, mas não chego a chorar", afirma Sousa, que diz não chorar há anos. "A última vez ainda era criança."

Ainda segundo Magda, para pessoas muito racionais, independentemente do gênero, pode ser mais difícil chorar e é preciso estar atento, pois, se isso se tornar um incômodo para o indivíduo, é recomendável buscar auxílio psicológico. Da mesma forma, ela afirma que o choro fácil, aliado a outros sintomas, como desânimo, fadiga mental e ansiedade, também exige acompanhamento profissional.

A psicóloga Luciana Rizo, professora de pós-gradução da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem uma visão parecida e também considera o choro algo benéfico para o homem. "Chorar faz bem à saúde. A expressão das emoções é algo importante para o ser humano, mas é importante também trabalhar a forma da externalização para que esse processo seja saudável. Liberar a tensão, expressar o que passa em seu mundo interno é importante para o homem. E o choro é uma dessas formas."

Ela acredita ainda que o assunto deve ser tratado com naturalidade desde a infância. "Deixar de expressar as emoções é nocivo ao homem. É uma forma de comunicação importantíssima. Precisamos saber expressar nossos sentimentos e compreender os sentimentos do outro para que possamos construir a empatia, ou seja, entender como o outro se sente e conseguir se colocar no lugar dele." Para Luciana Rizo, se uma criança ouve sempre a frase ;engole o choro;, ela não consegue expressar o que sente, percebe a pouca empatia daquele que profere a frase e entende que não se deve dar atenção ao sentimento do outro. "Ou seja, cria-se um indivíduo com pouca ou nenhuma empatia. O que é extremamente prejudicial para as relações interpessoais dessa pessoa."

De acordo com a especialista, na infância deve-se tomar um cuidado especial em relação à causa do choro. "É preciso se preocupar com a motivação do choro infantil. Em primeiro lugar, tentar entender o que o choro dessa criança quer mostrar, seja dor, seja necessidades básicas ou sentimentos, e criar um diálogo a partir disso para tentar resolver o problema." Há também um segundo fator, em que o choro é usado para manipular o comportamento dos pais. Se, toda vez que a criança chora, o responsável faz o que ela quer, fica aprendido que o choro é a senha para conseguir o que se quer e é criado um ser humano manipulador.

A psicóloga da UFRJ também chama a atenção para os problemas que chorar demais pode causar. "É importante atentar para o excesso de choro, que pode sinalizar algum problema a ser trabalhado, como o estresse, a depressão, a raiva excessiva etc. Caso isso aconteça, é importante procurar um psicólogo para ajudar a pessoa a lidar com esses problemas ou aprender a manejar de forma saudável os sentimentos", afirma.

No caso da estudante Fernanda Moura, 17 anos, o aumento da sensibilidade veio com o estresse da época pré-vestibular e fez com que ela procurasse o acompanhamento de uma psicóloga. "Com a pressão do vestibular, acabei ficando hiper-sensível com tudo. Depois de ver toda a matéria que ainda tem para estudar, fico nervosa. Penso: ;será que eu vou passar?;" Ela conta que chegou a chorar na escola por conta de uma resposta errada no gabarito. "Minhas amigas vieram me consolar, não gosto de chorar na escola", desabafa.

Fernanda está entre as pessoas que se sentem bem depois do choro. "Depois de estar tão triste, acho que é um alívio. Só não gosto de chorar em público, porque costuma ser muito escandaloso quando eu choro." As lágrimas também já escorrem com reportagens na televisão e quando ela está lendo por diversão. "Gosto muito de ler e, quando a história é muito triste, eu me envolvo e choro também."