Por Ricardo Teixeira
A adaptação do nosso corpo ao frio envolve mecanismos neurológicos, que influenciam nosso sistema endocrinológico e vascular, mas é claro que também envolve mecanismos comportamentais, como tirar do armário aquele cobertor que só usamos algumas vezes no ano.
Vários fatores determinam a regulação do frio em um determinado indivíduo: idade, sexo, preparo físico, quantidade de gordura corporal. Até mesmo o tipo de personalidade do indivíduo pode influenciar: extrovertidos reagem mais ao desconforto do frio com maior aumento da pressão arterial e secreção de noradrenalina. Doenças sistêmicas e medicações também podem afetar a resposta individual ao frio.
Do ponto de vista de desempenho físico, o frio prejudica a função muscular em exercícios dinâmicos. Já em exercícios estáticos (isométricos), o frio não influencia tanto, e ao contrário, pode até aumentar a resistência muscular. Um recente estudo revelou associação entre o frio e a capacidade de equilíbrio, possivelmente por reduzir a eficiência de nossas ;antenas; que regulam nosso balanço. E o nosso cérebro?
Sabemos que tanto o frio como o calor exagerados podem influenciar negativamente nossas habilidades mentais, e um balanço geral dos estudos existentes sugere que o frio tende a atrapalhar mais. Entretanto, alguns estudos também nos mostram que o frio leve / moderado pode melhorar nosso desempenho intelectual.
Duas principais teorias explicam o efeito do frio sobre nossas habilidades cognitivas. A primeira é a do ;efeito distração; que o desconforto associado ao frio pode causar, ao desviar nossa atenção da tarefa que estamos efetuando. A outra teoria defende a idéia de que o frio leve / moderado deixa-nos mais acordados, e o maior estado de vigília permite um melhor desempenho do nosso cérebro.
Evidências neurofisiológicas apóiam essa hipótese, ao mostrar que a atividade elétrica cerebral no frio leve / moderado é mais ;esperta;. O frio pode reduzir nosso nível de vigília, nossa concentração e memória de curto prazo, entre outras funções cognitivas, especialmente em temperaturas abaixo de 10o C. No caso de hipotermia, ou seja, em situações de frio extremo em que a temperatura corporal chega a níveis inferiores a 35o C, pode-se observar sintomas de confusão mental e redução da vigília. O efeito do inverno sobre nosso comportamento também pode ter uma parcela de contribuição do fator luminosidade.
Em países muito ao sul ou muito ao norte, o inverno vem acompanhado de pouca luz por conta de dias muito curtos, fenômeno que é bem reconhecido como fator que aumenta a freqüência de sintomas depressivos nessa estação. E depressão é igual a cérebro menos eficiente. Há evidências também que as concentrações dos hormônios da tiróide estão reduzidas em invernos rigorosos. E hormônios da tiróide são combustíveis importantes para o cérebro.
Até o momento, a melhor dica para nosso cérebro curtir o frio com boa performance é a de nos agasalharmos bem para não ficarmos distraídos com o desconforto do frio. No ambiente de trabalho, o ar condicionado simulando uma câmara frigorífica pode ser um fator de distração. Viver o inverno sem ficarmos lembrando que está frio pode até deixar o cérebro mais ligado. Um cafezinho vai muito bem também.
* Dr Ricardo é doutor em neurologia pela Unicamp e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília.