Luiz Claudio Modesto Pereira é neurocirurgião da Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (SESDF), doutor em ciências da saúde pela Universidade de Brasília (UnB), especializado em neurocirurgia funcional e membro de diversas sociedades médicas, como a Sociedade Internacional de Movimentos Anormais e a Sociedade Internacional para Estudo da Dor. Ele explica que os neurônios, além de se comunicarem por meio de substâncias químicas, são células elétricas, ou seja, produzem impulsos elétricos. "O cérebro é como um computador que tem vários circuitos. Esses circuitos são especializados e independentes, embora interligados entre si", compara.
A partir do quadro clínico e de exames de imagens, os médicos são capazes de detectar qual circuito está com problemas. Os especialistas, então, implantam microeletrodos no local em que o estímulo será mais proveitoso ao tratamento. Os eletrodos são ligados a um marca-passo. Dentro de cada aparelho, há vários componentes: gerador de estímulos elétricos, transmissores e receptores de ondas eletromagnéticas e chips de processamento de informações. Tudo isso em uma caixinha de até 3cm.
O efeito dos estímulos elétricos no corpo é similar ao de um medicamento. Um paciente com Parkinson, por exemplo, tem baixos níveis de dopamina no cérebro. Se ele toma o remédio, a substância é aumentada artificialmente e os sintomas melhoram. O mesmo ocorre quando o aparelho de estimulação elétrica é ligado. "O paciente volta a tremer quando o efeito do comprimido passa. Ou quando o estímulo cessa", compara o médico. "A vantagem é que pode haver um efeito sinérgico ou somatório entre o medicamento oral e a estimulação", acrescenta.
Há outros benefícios do procedimento em comparação com a abordagem medicamentosa. Por exemplo, os estímulos têm o poder de proporcionar alívio a pacientes em estágios avançados. A doença permanecerá seu curso, mas os sintomas poderão "estacionar" nas fases iniciais. Isso é particularmente relevante no caso de doenças degenerativas, como o Parkinson.
Jarbas Abreu Junior, 59 anos, descobriu que tinha Parkinson aos 43. Antes disso, havia recebido um diagnóstico de "tremores essenciais familiares". "Esse é um termo para dizer que o sintoma não tinha explicação, devia ser de família", explica. À época militar da Aeronáutica, ele achou melhor passar a realizar atividades civis. Foi aí que veio o diagnóstico oficial. No começo do tratamento, os medicamentos o ajudaram a voltar a escrever, da noite para o dia, em suas próprias palavras. "Foi quase como um milagre", lembra. "Fui fazer um texto manuscrito e mostrei para minha mulher, chorando."
Com o tempo, porém, o remédio perdeu o efeito. As doses foram elevada ao limite, mas causavam efeitos colaterais. Em julho do ano passado, Jarbas passou pela neuromodulação. "Quis fazer em função das câimbras ; elas me tiravam o apoio das pernas e me faziam cair no chão, inerte", descreve. A essa altura, outros comprometimentos incomodavam Jarbas: dificuldade de articular palavras, de escrever e de realizar movimentos mais detalhados com as mãos. Era preciso procurar uma alternativa.
Os tremores pararam imediatamente após a cirurgia. "Não digo que foi uma melhora de 100%, porque isso seria impossível. Mas 95% dos sintomas eu não sinto mais", comemora. "É como se voltasse ao estágio zero da doença." Jarbas ainda tem certa dificuldade para falar, tremores localizados e esporádicos, mas os sintomas mais fortes se foram.
Candidatos ao procedimento
Em 1985, Nilta corria maratonas. Um dia, torceu o pé enquanto se exercitava e foi ao hospital. Foi informada de que precisaria de cirurgia e gesso. "Nessa primeira cirurgia, o médico fez uma ;barbeiragem; e ;torceu; meu nervo", conta. O gesso que colocaram estava muito apertado e fazia Nilta sentir dor o tempo inteiro. Novas cirurgias foram feitas, no intuito de corrigir o erro médico do primeiro procedimento. Porém, quanto mais os médicos mexiam, mais os nervos da perna de Nilta doíam.
A dor transformou-se em crônica e se expandiu. Todo o nervo tibial posterior esquerdo, que vai do joelho ao tornozelo da perna esquerda, estava comprometido. A perna acabou ficando com fibrose e, consequentemente, mais e mais dolorida. Na última intervenção cirúrgica pré-neuromodulação, Nilta precisou tirar um enxerto das costas para criar uma espécie de acolchoamento do nervo ; algo como colocar mais pele para protegê-lo, uma vez que, para ela, era como se ele estivesse, literalmente, à flor da pele.
Em 2002, finalmente, os problemas pareciam ter chegado ao fim. Com o implante do neuroestimulador (uma bomba de infusão de morfina), a dor não sumiu, mas melhorou significativamente. "O médico optou por colocar mais um aparelho, então fiquei usando dois", detalha Nilta. Voltando de uma viagem de navio, Nilta cometeu um erro fatal para pacientes com marca-passo: atravessou um detector de metais. "Os dois deram um ;tilt;, como se estivessem operando no máximo", descreve. Por conta do episódio, Nilta teve um descontrole urinário e precisou usar fraldas por meses.
Os dois marca-passos defeituosos foram substituídos por uma bomba de morfina. Todos os dias, ela libera 1ml de morfina no corpo dela. A capacidade de armazenamento do aparelho é de 40ml, o que dá quase um mês e meio entre uma abastecida e outra. Além da bomba de morfina, ela continua com medicamentos analgésicos. Hidroterapia e fisioterapia também entram na lista de tratamentos obrigatórios. "Não acabou completamente com a dor, mas melhorou muito. Foi a melhor coisa que tentei", diz Nilta.
As doenças a seguir já tiveram o tratamento via estimulação elétrica aprovado:
Dor após múltiplas cirurgias de coluna
Dor crônica, especialmente dor neuropática
Tremor severo incapacitante
Doença de Parkinson idiopática em estado moderado ou avançado
Distonia generalizada
Transtorno obsessivo compulsivo severo e incontrolável
Transtorno depressivo grave intratável
Epilepsia não controlada por medicações ou por cirurgia de ressecção
Paralisia respiratória por lesões da medula espinal, até abaixo do nível C4
Síndrome de Tourette
Leia a íntegra da matéria na edição impressa