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Para muitos, aposentadoria não significa ficar sem fazer nada. Dedicar-se a outra atividade, remunerada ou não, e a realizar sonhos que foram atropelados pela correria do dia a dia não só é possível como necessário



João Eugênio Gonçalves, 77 anos, oftalmologista, é um dos médicos pioneiros de Brasília. Trabalha desde 1957. Considerado por muitos um workaholic (viciado em trabalho), ele não pensa em parar. Ainda faz consultas, cirurgias, frequenta congressos de oftalmologia no Brasil e no exterior ; no ano passado, esteve em Chicago. Também estuda todos os dias: cerca de quatro horas, até 1h da madrugada. "Se eu quero continuar trabalhando, preciso me manter bem informado. Médico não pode estar desatualizado", justifica.

Para ele, aposentar-se sempre esteve fora de cogitação: "Quero morrer em pé, trabalhando. Se eu parar, meu cérebro atrofia". Quando foi obrigado a deixar o emprego no Hospital Materno Infantil de Brasília, o Hmib, com a aposentadoria compulsória, aos 60 anos, ele passou a preencher aquele tempo com atendimentos voluntários no Na Rede Sarah de Hospitais e continuou atendendo em sua clínica no Lago Sul. Segundo ele, permanecerá atuando na medicina enquanto seu corpo e sua mente estiverem bem. E ele acredita que são o trabalho e os estudos que o mantêm assim.

Estudo publicado, no ano passado, pelo centro de pesquisas da Institute of Economics Affairs (IEA), de Londres, na Inglaterra, confirma o que o oftalmologista defende: a aposentadoria levaria a um "drástico declínio da saúde" a médio e longo prazos. De acordo com o trabalho, as pessoas deveriam trabalhar por mais tempo por questões de saúde física e mental.

A pesquisa comparou as pessoas que se aposentaram com a idade mínima necessária com as que continuaram a trabalhar mesmo depois de aptas a saírem de cena. A descoberta foi que há uma pequena melhora na saúde e na qualidade de vida imediatamente após a aposentadoria, mas uma queda significativa no funcionamento do organismo desses indivíduos a longo prazo. Segundo a pesquisa, a aposentadoria pode elevar em 40% as chances de se desenvolver depressão, enquanto aumenta em 60% a possibilidade do aparecimento de um problema físico. O resultados são os mesmos tanto para homens quanto para mulheres.

Se, por um lado, segundo a Organização Mundial de Saúde, a depressão é uma das maiores causas de aposentadoria por invalidez, por outro, aposentar-se pode ter um efeito desastroso para muita gente. É importante se sentir útil. "Cabeça vazia, oficina do diabo", já dizia o ditado. A psiquiatra Célia Petrossi Gallo acredita que o problema da depressão ou a simples tristeza ao aposentar-se acontece, principalmente, com aquelas pessoas que passaram muito tempo com a vida focada em uma atividade só: o trabalho. Por isso, para ela, é importante que todos construam uma base com várias atividades ao longo da vida. "Deve-se ter um vínculo de amizade fora do trabalho, para não se sentir afastada das pessoas quando parar de encontrar os colegas na empresa todos os dias, e ter atividades de lazer fazem parte da prevenção e da promoção da saúde mental. Isso tanto para trabalhadores quanto para aposentados", alerta a médica.

Em média, o brasileiro aposenta-se aos 53 anos. Para os homens, isso significa mais de 20 anos afastado do emprego. Para as mulheres, quase 30, de acordo com os dados do IBGE sobre a expectativa de vida do brasileiro ; de 74,6 para homens e de 78,3 para mulheres. Isso faz com que muitos considerem o Brasil um país de jovens aposentados, já que, aqui, não há idade mínima para a aposentadoria ; homens podem parar de trabalhar após 35 anos de contribuição previdenciária e mulheres, 30 anos.

Em países da Europa, como Alemanha, Holanda, Espanha e Dinamarca, para se aposentar, o trabalhador deve ter, pelo menos, 67 anos. O Reino Unido deve, até 2020, implantar a idade de 68 anos para acompanhar o aumento da longevidade e amenizar os deficits fiscais. Lá, uma pesquisa realizada pela Association of Consulting Actuaries sugere que um em cada quatro trabalhadores se aposentará aos 70 anos em 2028. Mesmo assim, para Adriane Bramante, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, não dá para comparar o Brasil com os países desenvolvidos: "Um aumento na idade da aposentadoria é positivo, mas a idade média da aposentadoria do brasileiro não deve mudar muito nos próximos 16 anos. Ainda nem conseguimos aprovar a idade mínima de 60 anos, há 15 projetos em discussão no Congresso".

Ela se preocupa, principalmente, com o orçamento da Previdência Social ; afinal, segundo o IBGE, em 2025, haverá 52 milhões de idosos no país. Mas também há a discussão levantada pela pesquisa da IEA sobre a saúde mental e física desses jovens aposentados. Alguns deles, porém, aposentam-se e passam a ocupar a agenda livre com atividades que não tinham tempo para praticar quando trabalhavam: academia, escola de línguas, de música, viagens etc. Outros, ressalta Adriane, resolvem se dedicar a outra profissão. "Se pensarmos pelo lado produtivo, um trabalhador com 53 anos de idade está no auge da vida profissional. A experiência nos mostra que os trabalhadores se aposentam e continuam a trabalhar, fazendo do benefício da Previdência Social uma segunda renda", analisa.

João Eugênio pretende praticar a mesma profissão até quando corpo não aguentar mais. Apaixonado pelo trabalho e saudável, estar ativo até hoje e na mesma profissão faz dele uma exceção. A esposa, inclusive, já sabe: "Minha primeira paixão é a medicina. A segunda é ela". Quanto ao restante da família, um filho e um neto seguiram a carreira de João Eugênio.



Mais tempo para se dedicar ao que gosta
De olho na necessidade de o aposentado se sentir útil e distraído, atualmente, diversas empresas (como o Hospital Universitário de Brasília e o Banco do Brasil) se adiantam e dão cursos e palestras a funcionários em vias de se aposentar para que arranjem outras atividades que preencham o tempo em que estariam trabalhando. No Paraná, foi criado o Clube dos Desaposentados, que dá cursos ; inclusive on-line ; preparatórios para a aposentadoria. A ideia foi de Armelino Girardi, graduado em administração de empresas, com pós-graduação em recursos humanos, e ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional do Paraná. Autor de livros como Desaposentado: melhor agora e coautor de Agora e sempre a vida é um projeto ; Uma visão ampliada da vida, ele defende que a aposentadoria não é um fim, mas um recomeço. "Apenas o primeiro tempo de uma partida de futebol", compara. "O desaposentado é alguém ativo, que tem sonhos, ideais e está vivo", completa.

Até programas de coaching para aposentados já existem. A ideia é fazer com que essas pessoas descubram outras atividades das quais gostem e nas quais sejam boas ; remuneradas ou não, como profissão ou apenas lazer. Isso varia com a personalidade de cada um. "Alguns nem sabem que querem trabalhar com outra coisa e acabam descobrindo. Outros percebem que só querem curtir a vida, mas, mesmo para isso, é preciso se planejar. É preciso se ocupar", explica o coach Homero Reis.

Para o engenheiro Jurandir Garcia, 50 anos, a trajetória de autoconhecimento começou antes mesmo de ele se aposentar do primeiro e atual emprego, daqui a dois anos. Já se foram mais de 90% do tempo de serviço necessário e a expectativa é grande. Ver os amigos, dia após dia, aposentando-se dá até uma inveja (boa) %u2014 motivo de celebração. É o alívio de não ter aquele compromisso diário, que ele deve realizar daqui a uns dois anos.

A perspectiva de se aposentar se tornou ainda mais interessante desde que Jurandir se mudou com a família para Portugal, há alguns anos. Eles permaneceram no país europeu durante dois anos %u2014 o suficiente para que os interesses do engenheiro se expandissem. Ele, que sempre trabalhou com exatas e redes de computadores, passou a se encantar pelas ciências humanas, em especial, por história. "Ficar lá esse tempo representou uma descoberta das nossas origens. Muita coisa sobre o modo de ser do brasileiro ficou clara para mim ao conhecer o do português. Coisas boas e ruins", conta. Desde que voltou, ele já fez uma pós-graduação em história. Após se aposentar, pretende dar continuidade aos estudos e aprofundar um pouco mais. Quem sabe, fazer um mestrado na área.

Lá, ele também começou não só a apreciar, mas a se dedicar mais à gastronomia, aos vinhos e às viagens. Estar aposentado, ele imagina, vai permitir que ele desenvolva melhor esses conhecimentos ; embora ele já faça um bacalhau em postas com batatas ao murro, tipicamente português, para patrício ou brasileiro nenhum colocar defeito. Com tempo disponível, com um filho e outros parentes morando em Minas Gerais e com uma propriedade rural cuidada por um meeiro (quem cultiva um terreno de outrem, com quem tem de dividir o produto resultante), ele planeja estar sempre em trânsito, viajando daqui para lá e dando atenção a todos. Ele brinca que a mulher ficará morrendo de vontade de se aposentar também.

Para Jurandir, é impossível se imaginar completamente improdutivo tão novo. Não é o que pretende com a aposentadoria. A ideia é trabalhar um pouco menos e com mais liberdade para fazer outras atividades ao mesmo tempo. No trabalho, ele vive resolvendo "pepinos" da empresa, mas, às vezes, percebe que lhe resta pouco tempo para resolver os dele. Ele pensa em fazer, eventualmente, sondagens para empresas, já que tem o know-how de 31 anos para tal, e dar aulas em faculdades ; ocupação nova, mas que garante que fará bem e feliz. "Eu gosto de estar dentro da sala de aula, passar experiências além da parte técnica. Vai ser quase uma troca de ofício." Antes de tudo isso, ele brinca, quer ficar uns três meses à toa: "Quem sabe na França, tomando vinho nacional".

Leia a reportagem completa na edição n; 467 da Revista do Correio.