Jornal Correio Braziliense

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Para aquecer a alma

O chá é uma bebida ritualística e de muitas nuances. Para aproveitá-la ao máximo, reserve tempo para apreciação e não descuide dos utensílios



"O brasileiro ainda não toma chá por prazer." É o que afirma a especialista em chás Carla Saueressig. Segundo ela, o escolhido de todos os dias é o café; quando as pessoas acordam se sentindo mal, doentes, optam pelo chá. "O consumo de mate, que não é um chá, e, sim, uma infusão, é grande, pois é uma erva nossa, mas o mercado dele aumenta muito menos do que o de café, que só cresce. Não temos a cultura de apreciar o chá, as pessoas acham que está muito relacionado a climas mais frios. Mas a Índia, por exemplo, é um país quente e um dos maiores consumidores do mundo", conta.

Segundo a sommelier de chás Juliana Rochet, o consumo de chá pelos brasileiros está muito ligado à saúde e ao emagrecimento. Existem estudos que comprovam os benefícios da bebida. Faz bem para o coração, o fígado e o intestino, e tem muitos antioxidantes. "O verde, por exemplo, se popularizou pela característica de ajudar a purificar o corpo depois de um excesso, para ajudar nas dietas. Essa busca pela saúde pode ser uma porta de entrada para começar a apreciar e a sentir prazer em consumir o chá", afirma Juliana.

A bebida tem compostos que acalmam, o que combina com o caráter acolhedor da degustação. "É um momento de pausa, de prazer %u2014 é interessante ritualizar um pouco o instante e extrair dele o relaxamento, a partilha. Não acho que o chá deva ser pensado em oposição ao café. É um outro tipo de bebida, tem uma proposta mais associada ao momento de prazer e à aproximação", explica a sommelier.

O publicitário Walisson de Oliveira, 26 anos, era um dos que acreditava que chá era coisa de doente, um conselho de vó para curar todos os males. Sob a influência de uma amiga, o publicitário conheceu uma casa especializada e resolveu provar. "Descobri que eu não sabia nada de chá. Quanto mais informações eu tinha, mais eu queria provar e acabei inserindo o chá na minha rotina", conta. Walisson costumava tomar suco no café da manhã, mas descobriu que a bebida era responsável pelo refluxo que sentia e decidiu investir de vez no chá. "Agora, tomo todos os dias, tenho uma caixa com mais de 10 tipos diferentes e, nos dias frios, tomo também no trabalho. Tomar chá acabou se tornando um ritual diário. Espero a água esquentar, o tempo de infusão correto e me sinto mais relaxado."

Os chás preferidos do publicitário são o verde com flores de jasmim, que é bom para a digestão, e o branco com flores e especiarias, que aumenta ainda mais a sensação de relaxamento. E, ao contrário do que se acredita, que o chá gelado é mais consumido pelos jovens, Walisson explica que não gosta muito da opção. "Às vezes, em dias muito quentes, é difícil tomar o chá quente, é quase uma sauna interna. Aí eu tomo o chá gelado. Mas não é muito do meu gosto, prefiro a opção quentinha", afirma.

A xícara perfeita

É possível comprar o chá em saquinhos e as folhas a granel. "O de saquinho pode vir com muitas outras partes da planta, como o caule e os talos, e o saquinho, muitas vezes, é trabalhado com cloro, que muda o sabor e pode ser cancerígeno. Eu recomendo sempre que as pessoas abram os saquinhos e olhem o que tem dentro. O ideal é optar pelas folhas a granel, que têm maior qualidade", afirma Carla Saueressig. As folhas soltas evoluem com a água quente, se soltam, abrem e liberam melhor seu sabor. A dica é usar um infusor grande, que dê espaço para as folhas se abrirem e terem maior contato com a água. "As folhas soltas ainda podem ser usadas para fazer mais de um chá, enquanto os saquinhos devem ser descartados a cada uso", acrescenta Juliana Rochet.

É importante que a água não esteja muito quente. O ponto é aquele em que o líquido começa a borbulhar antes de alcançar a fervura, entre 70;C e 80;C. Se esquentar demais, espere esfriar. A água muito quente pode queimar as folhas e prejudicar o sabor. O tempo de infusão também faz diferença. Se as folhas ficam imersas além da conta, a bebida fica amarga. A maioria dos chás traz o tempo de infusão na embalagem, mas a regra geral é de um minuto para o chá branco, dois a três para o verde, três a quatro para o oolong e, no máximo, cinco minutos para o preto. Quanto ao açúcar, ele mascara o sabor, mas não é totalmente proibido %u2014 vai do gosto de cada um.

Não é preciso investir em muitas peças para se iniciar no ritual de chá. É interessante comprar um bom bule, e o ideal é que seja de porcelana. Materiais mais porosos podem absorver o sabor de outras bebidas. A porcelana garante que o recipiente preserve os sabores do chá. Se você já tem um bule de outro material, a dica é usá-lo para preparar apenas um tipo de bebida. O infusor correto deve levar em consideração a quantidade de chá a ser preparada. Os de redinha são melhores, pois deixam bastante espaço para que as folhas se abram e a água circule. "Se o infusor é pequeno, as folhas não têm espaço para se hidratar e se expandir, e o chá não fica com o sabor esperado", explica Carla. A chaleira pode ser elétrica ou convencional, mas é importante não usá-la para aquecer outras bebidas além da água. Até a gordura do leite pode ficar nas paredes do recipiente e interferir no sabor do chá.

O chá fica melhor quando tomado quente (o sabor e as propriedades sobressaem), mas nada impede de experimentar a opção gelada. "Se o chá for bem preparado, ele conserva o sabor", garante Juliana. A dica é deixar as folhas em uma jarra com água durante a noite, dentro da geladeira, a fim de dar bastante tempo para as folhas liberarem o sabor. O chá quente pode ser consumido ao esfriar, mas colocar gelo não é muito recomendado, pois pode deixar a bebida aguada.

Como uma bebida complexa, o acompanhamento do chá também merece atenção, passando até por um processo de harmonização que considera as características do alimento e as propriedades do chá. "O chá preto, por ser mais encorpado, combina melhor com comidas mais gordurosas, que levem queijo, ovo, massas. Já o chá verde vai bem com peixe; e o chá branco, por ser levinho, fica melhor com frutas leves ou doces com pouco açúcar", afirma a sommelier.

Saga através dos tempos
A história dos chás é antiga. Diz a lenda que um imperador chinês descansava debaixo de uma árvore com uma tigela de água quente quando algumas folhas caíram no recipiente, criando o chá. Outra história afirma que o imperador tinha um estômago de cristal que o permitia descobrir as propriedades medicinais de várias plantas, e o chá servia como antídoto para as ervas tóxicas. Embora sejam narrativas fantasiosas, não resta dúvida de que a bebida é milenar.

O cultivo se espalhou pela China, pela Índia, pelo Sri Lanka e pelo Japão %u2014 os monges viajantes descobriram no chá uma forma de se manter acordados durante as meditações e ajudaram a divulgar a novidade. Na época das grandes navegações, os navios portugueses levavam as folhas de chá para a Europa, onde rapidamente a bebida conquistou a preferência dos nobres.

O chá propriamente dito é aquele feito a partir da planta Camellia sinensis. O que diferencia os "tipos" é o grau de oxidação das folhas. O chá branco, por exemplo, é feito com as folhas mais jovens e não oxidadas. O chá verde é ligeiramente mais oxidado, seguido pelo oolong, até chegar ao máximo da oxidação possível no chá preto. Além dos quatro, existe um tipo mais incomum, que é o chá envelhecido, chamado de pu-erh.

O solo e o clima da região onde a Camellia sinensis foi cultivada, a semente, a manipulação da folha e o processamento %u2014 tudo isso influi no sabor. A combinação desses fatores resulta em mais de 20 mil variações do chá. "Os chineses produzem todos os tipos, mas a maior parte do chá preto é exportada. Os japoneses produzem só o verde, que costuma ter um sabor bem forte de folha ou alga. Já os indianos exportam um chá especial, que é preto e consumido com especiarias e leite. Também temos um pequeno cultivo de chá em São Paulo", explica a sommelier Juliana.

Os chás misturados com frutas, óleos e flores são chamados de blends %u2014 o famoso chá inglês Earl Grey, por exemplo, é uma mistura de chá preto com óleo de bergamota. Já os outros tipos de bebidas conhecidas como chás (erva mate, camomila, erva cidreira, boldo, jasmim, cidreira, limão) são, na verdade, infusões.