Jornal Correio Braziliense

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Banho só de vez em quando

Não adianta tentar humanizar os bichos de estimação: a higiene deles é mesmo mais espaçada

Entre as pessoas, é de praxe tomar banho diariamente. Já entre os cães, convencionou-se a limpeza semanal. A higiene dos gatos é ainda menos frequente: uma vez ao mês, se muito. Acontece que é da natureza dos pets terem um odor característico e se sujarem. "Recebo muitos clientes na minha rotina que reclamam do cheiro do cão, quando, na verdade, o animal não apresenta nada. Algumas pessoas se esquecem que os bichos têm odores, mesmo aqueles livres de seborreia, otite ou halitose", relata o dermatologista veterinário Gustavo Seixas.

Gustavo faz parte de uma corrente ainda minoritária que acredita que, em se tratando de cães saudáveis, quanto menos banho, melhor. Os cachorros dele vivem no quintal e tomam banho a cada três ou quatro meses, apesar de serem raças propensas a problemas de pele (pastor alemão e chow chow). O veterinário desmente a suposta regra dos banhos semanais. "A maior parte dos pets não precisa de banho com tal periodicidade. Cães que se sujam pouco podem tomar banhos que variam de quinzenais a bimestrais, especialmente os que moram em quintais, onde o cheiro não incomoda tanto", explica.

A higiene semanal trata-se de uma generalização, que pode até ser perigosa em alguns casos, afinal os banhos e as secagens com aparelhos tendem a ressecar os pelos e a pele da mascote. "O problema do excesso de banhos é a remoção da camada lipídica (o sebo), que tem diversas funções para a pele, entre elas a de manter a hidratação e também de evitar a proliferação de microrganismos patogênicos na pelagem", explica Gustavo Seixas. O acúmulo de sebo, em contrapartida, serve de substrato para a multiplicação de bactérias e, especialmente, de fungos (leveduras).

Luísa Dalé, 23 anos, fotógrafa, tem um buldogue francês, o Rubens, de apenas 10 meses. Ele odeia água (comportamento típico da raça) e chega a ficar até um mês sem limpeza. Além de ter pelos curtos, ele só fica dentro de casa, o que o impede de se sujar muito. No caso do buldogue francês, Luísa foi advertida a dar menos banho também por causa das dobras que ele tem na pele, que dificultam a secagem. Como a pelagem é curta, o secador atinge a pele de forma ainda mais forte. O xampu usado é hidratante e tem cheiro de pitanga. "Além de obviamente ser bom para a pele, a hidratação mantém o cheiro bom por mais tempo", explica a dona.

A também dermatologista veterinária Talita Borges afirma que os secadores são mais prejudiciais do que os banhos em si, então, se possível, o melhor é secar o animal naturalmente, ao sol. Coceira é uma das queixas mais relatadas em consultórios veterinários, e uma das principais causas dela ; bem como o estresse ; é a secura da pele. Em situações extremas, o bicho pode até se automutilar na tentativa de se coçar.

Cada caso é um caso, mas cães com alergias, sarnas, condições seborreicas e infecções bacterianas ou fúngicas precisarão, sim, de higiene mais constante ; dois banhos por semana seria o apropriado.
Se o animal tem hábitos que causem maior acúmulo de sujeira, especialmente os de pelo longo, a frequência pode ser aumentada. Algumas raças têm ainda pelos encordoados, lembrando dreadlocks, como o puli e o komodor (ambas raras no Brasil). Para eles, o excesso de banhos é especialmente agressivo, dada a dificuldade de se secarem.

A cadelinha Charlotte raramente fica sem dois banhos por semana. No caso dela, não se trata de exagero, afinal, ela vive em uma chácara. "A gente não pode restringir a felicidade do animal à questão do banho ; ela gosta de se sujar e fica feliz com isso", explica a dona, Fumiko Kanegae, 25 anos, historiadora. "Charlotte nada no tanque da chácara, adora o Lago Paranoá e, sempre que a levo em algum lugar com água, ela pula. Outro dia, foi na Praça dos Cristais", descreve a jovem. Como precaução, o veterinário da cadelinha prescreveu um xampu especial para peles sensíveis. Com isso, ela está sempre limpa e não sofre ressecamento na epiderme.

Perfume pra quê?
A humanização do bicho de estimação leva os donos a colocarem laços, roupas, sapatos e a quererem que os animais estejam sempre cheirosos, mesmo que isso não seja da natureza deles. Para tanto, escolhe-se, muitas vezes, o xampu mais cheiroso em vez de um que atenda as necessidades da raça. Existem xampus hipoalergênicos, para os alérgicos, xampus apropriados para pelos brancos ou escuros etc. O uso de xampu para humanos é prática recorrente e não recomendada. O pH do xampu desenvolvido para pessoas é bem mais baixo que o elaborado para cachorros, ou seja, o xampu para humanos é mais ácido.

É importante lembrar, no entanto, que o olfato do cão é apuradíssimo, muito mais que o nosso, e os cheiros artificiais agradáveis para humanos tendem a ser um incômodo para cães. Portanto, o banho com xampu específico e com um cheiro neutro é mais que o suficiente. Nada de passar perfume, mesmo que ele seja específico para animais. O odor excessivo pode irritar o nariz do pet, ocasionando espirros e, inclusive, atrapalhando na comunicação dele entre os outros animais, feita por meio dos feromônios. No caso de um gato que convive com outros felinos, estar com um cheiro diferente e artificial pode, inclusive, fazer com que ele seja atacado.