A forma como reagimos à música não mudou com o surgimento dos discos de vinil de 12 polegadas, os famosos LPs. Manteve-se idêntica com o advento do CD, e não são os tocadores de MP3 que farão a diferença. Contudo, nunca houve um processo de mudança tão intenso no modo de produzir e de comercializar música quanto nos primeiros anos do século 21.
Outrora gigante, a indústria fonográfica sentiu o golpe. A mais-valia musical é contestada ano após ano na tentativa de se encontrar um ponto de equilíbrio entre quem produz arte (o artista) e quem a explora comercialmente (as gravadoras). A outra ponta da relação, os consumidores, mostra-se cada vez mais arredia. "Por que pagar um intermediário?", contestam.
Na oitava reportagem da série "Nosso Tempo", abordamos alguns aspectos dessa sonora revolução. Entre eles, o status do Brasil na rota dos shows internacionais, a ascensão ao estrelato via redes sociais e os artistas que fazem a diferença. Como uma letra inacabada, tudo ainda é dúvida. Mas ninguém deixa de dançar.
Cabeças de rádio
Os adolescentes de hoje manipulam discos de vinil com uma curiosa satisfação. Para quem não acompanhou a transição dos bolachões para as bolachinhas ; e dessas para bytes ;, é inevitável questionar a materialidade do objeto. Puxa, como música ocupava espaço! "As maiores mudanças dos últimos anos: a urgência, a quantidade e a baixa qualidade na audição. Nunca tanta gente ouviu tanta música, o que é ótimo. Acredito que retornamos aos tempos do ;single; e as pessoas estão ouvindo música em qualquer equipamento, ao contrário das gerações anteriores", acredita o jornalista e pesquisador musical Fernando Rosa, conhecido como Senhor F.
"A tecnologia que hoje permite você baixar uma música ou olhar um vídeo no YouTube desmoronou o conceito de álbum. Voltamos aos anos 1950, quando havia os compactos. Não tem mais a ideia do lançamento conceitual, no qual uma faixa se interliga a outra", concorda o professor de estética da comunicação e agitador cultural Cláudio Bull. Para ele, a indústria musical reflete a fragmentação da modernidade, na qual tudo parece mais fácil de conseguir. Ele cita, como exemplo, a quase impossibilidade de "perder" músicas. Tudo fica armazenado e espalhado, não só nos dispositivos tocadores como na nuvem de dados. "Você só precisa baixar tudo outra vez", constata.
A facilidade de gravar e divulgar música, que poderia comprometer a qualidade das obras, tem se mostrado um motor para que novos artistas exponham suas criações. O jornalista Alexandre Matias, editor do blog de cultura pop Trabalho Sujo, acredita que nossa disponibilidade para experimentar sons está muito maior do que há 10 anos. "Nunca se produziu tanta música boa. Nossa crise atual diz respeito mais a filtros do que à produção artística", pondera. "Isso (o acesso fácil) é um fator enriquecedor, mas, por outro lado, esse volume gigantesco de informação faz com que se conheça um pouco de tudo, mas não se conheça nada de maneira mais aprofundada", argumenta o publicitário Erick Gomes, que atualmente pesquisa a cena metaleira de Teresina (PI) para a produção de um documentário.
Para o editor do site Scream & Yell, Marcelo Costa, a poeira ainda não assentou. "O novo momento, com as lojas virtuais cada vez mais fortes, é bem interessante, mas ainda estamos longe de alcançar um formato decisivo. Hoje, há público que consome on-line, faz download pirata, compra CD e/ou vinil. A fatia para cada um vai se alterando, mas todos continuam com um pedaço."
Leia a reportagem completa na edição n; 432 da Revista do Correio.