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Manual do período fértil

Com a ajuda de especialistas, montamos um guia completo para, por meio de métodos naturais, você descobrir a época ideal para engravidar

Pode até parecer uma coisa simples e intuitiva, mas descobrir o tal do período fértil ainda é um desafio para muitas mulheres (e homens mais participativos). Tanto para as que querem engravidar quanto para as que não pensam em ter um rebento, saber mais sobre o próprio corpo pode significar autonomia e segurança %u2014 especialmente para as que fazem parte do primeiro grupo. De acordo com ginecologistas ouvidos pela Revista, há vários métodos, além dos exames tradicionais, para interpretar o que o corpo diz e se entender melhor. Preparamos um pequeno guia para você que deseja aprender a interpretar os sinais do seu corpo. Para isso, escutamos especialistas, que responderam algumas dúvidas comuns sobre um tema também ordinário, porém, complexo.

Período fértil
O primeiro passo para descobrir quando acontece o período fértil é saber exatamente o que o termo significa. Luciano de Melo, ginecologista associado da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explica que esse é o momento em que a mulher está mais propensa a engravidar, uma vez que ocorre o que os médicos chamam de ovulação - quando o ovário libera um ou mais óvulos para serem fecundados. No ciclo, que começa no primeiro dia da menstruação e vai até o primeiro dia da seguinte, o período fértil ocorre na metade do processo. "Geralmente, 14 dias depois do primeiro dia da menstruação, isso em mulheres com ciclos regulares de 28 dias", detalha.

Na ovulação, o óvulo desce pelas trompas de falópio e fica disponível para os espermatozoides. Claro que é preciso levar em conta que o organismo não é uma máquina precisamente ajustada: do mesmo modo que nem todas as mulheres apresentam um ciclo menstrual regular, ou seja, com a mesma duração todos os meses, o período fértil pode não acontecer apenas em um dia. Por isso, dependendo da intenção da mulher, é preciso prestar atenção. Se o desejo é de não engravidar, vale lembrar que, ainda que a relação sexual tenha acontecido um ou dois dias antes do período fértil, o espermatozoide ainda terá fôlego para cumprir sua missão. "Ao contrário do que muitos acreditam, os espermatozoides podem sobreviver até 72 horas (depois da relação sexual), e não 48h", alerta Luciano de Melo.

Ciclos personalizados
Para mulheres com ciclos menstruais desregulados, calcular o período fértil é, literalmente, um desafio. Como não há um intervalo definido entre uma menstruação e outra, é preciso fazer um controle mais trabalhoso e com chances reduzidas de acerto. Luciano de Melo, ginecologista da Febrasgo, explica que o ciclo tem duas fases principais: na primeira, há o crescimento de um folículo, ou a ovulação desse folículo que cresceu. Nesse momento, os hormônios estrogênio e progesterona estão em níveis baixos. A parede do endométrio está fina, o útero está começando a menstruar e o ovário, em repouso. A hipófise (glândula do sistema nervoso central) passa a produzir o hormônio folículo estimulante (FSH), responsável por estimular os folículos do ovário. Os folículos crescem cerca de 2mm por dia, até atingirem de 20mm a 26mm. Só então o folículo dominante libera o óvulo.

O estrogênio faz com que a parede do útero torne-se mais espessa, já se preparando para uma possível gestação. A segunda fase, chamada lútea, acontece quando o corpo atinge o máximo de estrogênio, um dia antes da ovulação. Quando isso ocorre, a hipófise libera outro hormônio, chamado luteinizante (LH) %u2014 e o ciclo está na metade. "Essa fase é fixa em todas as mulheres, mas vai depender da quantidade de dias de cada ciclo", explica o ginecologista. "O que vai variar é a primeira fase. Há mulheres que têm a primeira fase muito curta e ovulam no décimo dia. Somando os 14 dias da segunda fase, elas vão menstruar a cada 24 dias, por exemplo. Nesse caso, o período fértil dela é no décimo dia."

Não ter um ciclo menstrual de 28 dias não quer dizer que há algo errado com seu corpo. Cada organismo funciona de uma maneira, segundo Luciano de Melo. O médico diz que é comum existirem ciclos que vão até 35 dias. Adolescentes na menarca (primeira menstruação) podem ter esse prazo esticado para até 45 dias, por conta de um sistema reprodutor ainda não totalmente amadurecido. Mulheres que estão prestes a entrar na menopausa também experimentam esse prolongamento, já que os ovários já começam a apresentar sinais de falência.

Ciclo irregular, período fértil instável
Para as mulheres que não deram a sorte de ter um ciclo menstrual regular, descobrir a data certa do período fértil exige paciência e disciplina. "O ideal é observar os últimos seis a 12 ciclos sem o uso de métodos anticoncepcionais hormonais", ensina o ginecologista Luciano de Melo. Com os dados em mãos, a mulher deve subtrair 17 dias do período mais curto e subtrair 12 dias do período mais longo. O período fértil será o intervalo entre esses dois resultados. Por exemplo: se o ciclo mais curto for de 26 dias e o mais longo for de 30 dias, o período fértil será entre o nono e o décimo oitavo dia do ciclo. "Fazemos essa conta porque não há como saber se o próximo ciclo será mais curto ou mais longo, mas é apenas uma média", pondera o médico. "Se o objetivo é não engravidar, acrescentamos um dia nas duas contas, então, deve-se subtrair 18 dias do ciclo mais curto e 13 do mais longo."

O problema, segundo Vinicius Medina Lopes, especialista em reprodução humana, diretor do Instituto Verhum e diretor de comunicação da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal (SGOB), é que essa conta não é tão confiável assim. "Uma mulher que tenha um ciclo irregular não vai ter como ter certeza que está no período fértil só com cálculos", reforça. "O melhor jeito de ela descobrir é por meio dos sintomas."

O médico diz ainda que um ciclo menstrual irregular pode ter várias explicações, entre elas distúrbios hormonais, problemas na produção de prolactina ou na tireoide. Para descobrir a causa exata, toda uma investigação médica é feita no intuito de verificar se a descontinuidade é natural ou ocasionada por doenças. "Precisamos descobrir se isso é sinal de alguma doença já existente, como diabetes descontrolada, obesidade ou subnutrição."

Sinais do corpo
Quando o período fértil se aproxima, o corpo manda algumas mensagens. Ainda que a sinalização não seja perceptível para todas as mulheres, normalmente um pouco mais de atenção é suficiente para percebê-la. "Algumas mulheres apresentam dor embaixo do ventre, geralmente do lado que ela estiver ovulando", explica Vinicius Medina Lopes, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal (SGOB). Nesse período, também é comum uma secreção vaginal mais fina, com consistência de clara de ovo. Essa secreção recebe o nome de muco cervical e é um dos indicativos usados por mulheres que desejam engravidar com mais rapidez.

Newton Busso, membro da Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva e presidente da Comissão Nacional especializada em reprodução humana da Febrasgo, diz que a aparência do muco tem a finalidade de "permitir que os espermatozoides depositados na vagina subam até o útero por meio desse muco, como se estivessem nadando". Depois dessa fase, ocorre a ovulação. "O ideal é que os espermatozoides cheguem à trompa antes do óvulo. Por isso, as relações sexuais que têm mais resultados são as que ocorrem um ou dois dias antes da ovulação."

"Se a paciente fizer o toque do muco com o polegar e com o indicador e ele ficar longo, com até 8cm, quer dizer que ela está próxima da ovulação", ensina Vinicius Medina Lopes. "Depois, ele fica espesso, viscoso. Quando ele fica mais grosso, é sinal de que ela já ovulou." Obviamente, o método não é 100% garantido, já que alguns acontecimentos, como infecções vaginais, podem alterar a aparência do muco.

Outro modo de o organismo avisar que está entrando no período fértil é a temperatura corporal. O método é chamado de temperatura basal. A indicação é que a mulher meça sua temperatura todos os dias pela manhã, antes mesmo de se levantar da cama. "Ela deve medir a temperatura oral, ou seja, da boca, sempre no mesmo horário, e anotar, para fazer um gráfico posterior", ensina Luciano de Melo, ginecologista da Febrasgo. Depois da ovulação, a temperatura basal tende a aumentar cerca de meio grau, por isso, a importância de manter os dados registrados. Novamente, o problema está na precisão e na disciplina da mulher em anotar, diária e religiosamente, sua temperatura e, de preferência, no mesmo horário.

Observação para engravidar
Embora existam alguns métodos baseados no controle do período fértil que podem ser usados por mulheres que desejam filhos, o ideal mesmo, de acordo com o ginecologista Newton Busso, é manter relações sexuais, no mínimo, dia sim, dia não. "A paciente pode medir a temperatura, ir ao ginecologista para fazer um ultrassom para acompanhar o crescimento do folículo e até fazer exame de urina, para detectar o aumento do hormônio LH, mas, se as relações sexuais forem frequentes, não precisa olhar nada", resume. Mesmo para quem não tem um ciclo menstrual regular de 28 dias, o corpo vai, eventualmente, ovular. Saber exatamente a época do período fértil é de mais ajuda àquelas mulheres que não podem, por qualquer motivo, manter relações constantes, segundo o médico.

Já para as que não pensam em filhos, os métodos podem até ser seguros, mas é preciso ter um autoconhecimento apurado. "Começou a reparar que o muco cervical está mais fino, é hora de parar de ter relação sexual sem proteção", ensina Busso. Se o ciclo for regular, o ideal é evitar o sexo até 72 horas antes do período fértil. Ainda assim, contudo, há risco de gravidez. "Se o homem tiver um espermatozoide muito bom, a relação de hoje pode ser a gestação de amanhã", brinca o médico. A margem de segurança é a menstruação, já que o espermatozoide não luta nem sobrevive em meio ao sangue.

Monitoramento com resultados comprovados
Recentemente, pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (EUA) realizaram uma pesquisa para descobrir se prestar atenção ao muco cervical ajuda mesmo quem deseja ter filhos. No estudo, a ginecologista Anne Steiner e sua equipe acompanharam 331 mulheres com idades entre 30 e 45 anos. Todas as participantes tinham problemas de fertilidade e tentavam engravidar havia cerca de três meses. Elas foram orientadas a fazer o acompanhamento do muco cervical e classificá-lo de acordo com uma tabela de quatro tipos principais criada pelos médicos: seco ou inexistente, úmido, espesso e branco ou amarelado e transparente e escorregadio.

Os médicos sabiam, graças a estudos anteriores, que mulheres que têm relações sexuais no período em que estão no quarto tipo de muco cervical apresentam duas ou até três vezes mais chances de engravidar do que as que tentam quando estão no tipo um ou dois. O novo estudo mostrou que, além disso, as que mantiveram o costume de checar o muco constantemente tiveram mais que o dobro de sucesso (2,3) que as que não o fizeram em um período de seis meses. "É emocionante poder dizer que esse método é um modo real de ajudar as pessoas, além de ser muito fácil e barato", disse Anne Steiner, principal autora do trabalho, em entrevista para o site especializado LiveScience.