Gláucia Chaves
postado em 18/08/2013 08:00
"Coma frutas", "pratique exercícios físicos regularmente", "evite bebidas alcoólicas", "não fume". Com certeza, você já escutou ao menos um desses conselhos alguma vez na vida. Não é de hoje que as pessoas têm ciência de que manter hábitos saudáveis faz com que a rotina e, principalmente, a velhice transcorram com mais tranquilidade e sem tantos percalços. Quando se é jovem, porém, a associação entre não se cuidar e ter problemas de saúde na terceira idade parece distante, quase impossível ; afinal, ainda falta "tanto tempo". Mas basta olhar para os lados para encontrar algumas provas vivas de que os antigos conselhos funcionam. "Envelhecimento não é sinônimo de doença", frisa Leonardo Pitta, médico geriatra da clínica Vitallis.Envelhecer não precisa se resumir a assistir à passagem do tempo. Segundo Pitta, há uma diferença entre o envelhecimento bem-sucedido e o comum, associado à diminuição gradual das capacidades físicas e mentais "em razão de perdas nas reservas funcionais dos órgãos e sistemas". Quando o processo é cuidadoso, os efeitos do tempo e as perdas funcionais são minimizados. Para que isso aconteça, entretanto, é preciso se comprometer consigo mesmo desde cedo. "Avaliando esse processo sob o ponto de vista teórico, pode até parecer fácil, mas o envelhecimento bem-sucedido envolve um trabalho ativo com escolhas durante toda a vida, sendo que muitas delas devem ser feitas ainda na juventude", completa o médico.
Viver com qualidade tornou-se o objetivo daqueles que não almejam deixar a Terra tão cedo. É claro que nem tudo depende de nós: o fator genético influencia o modo como envelhecemos. Mas o ambiente em que se vive e o estilo de vida são pontos importantíssimos para se tornar um idoso saudável. "Minimizar os impactos dos fatores externos, como hábitos que diminuem as reservas funcionais dos órgãos, é uma forma de chegar à velhice de forma saudável", exemplifica Leonardo Pitta. Um desses hábitos de autossabotagem é o tabagismo ; fumar tem impacto direto no aumento do risco de câncer de vias aéreas e de pulmão.
Se houvesse uma cartilha universal do envelhecimento saudável, a empresária Neide Dal Buono de Carvalho Lemos provavelmente seria a autora. Aos 78 anos, ela é frequentadora assídua de academias há 12 anos ininterruptos. Vai de segunda a sexta-feira, duas vezes ao dia: às 6h30 e à noite, quando acaba o expediente da loja de roupas que mantém há 33 anos. O gosto por atividades físicas começou quando ainda era criança e frequentava aulas de balé. Vieram os filhos e, com eles, a dificuldade para sair de casa. "Quando meus filhos nasceram (o mais velho tem 51 anos), não existia academia", completa. "Eu fazia flexões e abdominais em casa mesmo, além de alguns exercícios aprendidos em um livro de ginástica."
Todas as manhãs, ela abria o livro e imitava as posições. Aos 68 anos, Neide resolveu aderir ao mundo moderno dos aparelhos de fitness e matriculou-se em uma academia. Na época, ela já mantinha o hábito de caminhar e pedalar no Eixão aos domingos. "Achei que era coisa de gente jovem, mas entrei para fazer ioga. Depois, resolvi ampliar para o alongamento", revela. Hoje, Neide faz aulas de spinning e musculação. Quando faz sol, caminha e dá voltas de bicicleta.
À mesa, o controle é rígido. Apesar de sempre ter sido magra e sem propensão a ganhar peso, as cinco refeições balanceadas são sagradas. De três em três horas, ela para o que estiver fazendo para comer um lanche leve, como frutas e iogurte. Mesmo sem nunca ter ido ao nutricionista, Neide garante que sabe comer corretamente. "Fui uma vez a um endocrinologista amigo da família e ele me ajudou a fazer uma reprogramação alimentar", detalha. A partir desse dia, Neide deu adeus aos happy hours, aos tira-gostos e às guloseimas engordativas do dia a dia. "Meu marido achou horrível na época, mas me adaptei." À noite, o jantar se resume a um shake de vitaminas e minerais. Refrigerantes, nem pensar. Um vinhozinho ou até mesmo uma caipiroska, só de vez em quando.
Uma vez por ano, todo o esforço de Neide se traduz em exames exemplares. "Consulto com um geriatra de São Paulo que é o médico da família. Ele sempre me elogia", orgulha-se. Continuar na ativa também faz diferença. "Trabalhar é fundamental. Não quero parar ; o que eu vou ficar fazendo em casa? Assistindo televisão o dia inteiro?", questiona. Para ajudar a manter a cabeça ativa, duas vezes por semana, Neide frequenta aulas de inglês. Aos fins de semana, sai com as amigas ; desde que o programa seja de dia e com cardápio light. "Nada vem de graça. Claro que é gostoso sair para comer uma pizza, mas eu confesso que fujo, para não sair do controle."
Mente sã, velhice sã
Cuidar apenas do corpo quando jovem não garante uma velhice saudável. Manter a mente ativa, buscar novos desafios e aprendizagens também faz parte da lista de atribuições. De acordo com a psicóloga e especialista em psicoterapia cognitiva, comportamental e psicopedagogia Roberta Paiva, um dos grandes fatores desencadeadores de doenças mentais é o estresse. Ela, que também trabalha na Oficina da Memória, voltada para a terceira idade, explica que um padrão de vida equilibrado e saudável pode servir como preventivo para doenças como depressão, demência e Alzheimer.
Antecipar-se às mudanças físicas e psicológicas inerentes ao tempo é imprescindível. "A não aceitação das limitações colabora para um processo depressivo", reforça Roberta. A psicóloga diz que essa ajuda faz com que os idosos se reconheçam, ajustem-se à nova realidade e tenham a percepção de que vale a pena manter-se ativo.
Assim como o corpo precisa de movimento, a mente deve trabalhar para não pifar. Segundo Roberta Paiva, o declínio as funções mentais acontece, geralmente, por falta de atividade. "Semelhante ao que ocorre com os músculos, a atividade cerebral também deve ser exercitada com frequência, sempre procurando estimular os sentidos (olfato, paladar, tato, visão e audição) e a memória", enumera.
Para Francisca Alves, 73 anos, o melhor remédio para deixar a mente "sarada" é não se aposentar. Ela trabalha no setor financeiro do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) há 40 anos e não pensa em parar. "O trabalho me ajuda a ter saúde", argumenta. Além disso, ela caminha diariamente, evita álcool e mantém uma alimentação saudável.
Nem sempre foi assim. Francisca ingressou muito cedo no mundo profissional ; aos 15 ;, mas negligenciava outros aspectos. Aos 16, começou a fumar. Parou só aos 45. Pouco depois, teve um susto: um exame apontou a possibilidade de um tumor no mediastino, cavidade localizada entre os dois pulmões. Não era câncer, mas o problema exige cuidados até hoje.
Ainda que tenha demorado para prestar atenção ao próprio bem-estar, ela hoje se considera saudável. Os exames médicos lhe dão razão. "Mesmo que não se tenha vida tão regrada, dá para mudar, mas acho que vai de pessoa para pessoa. Para mim, aconteceu. Foi muito difícil, porque fui uma garota muito sapeca, gostava muito de festa, fumava, bebia. Hoje, fico no suco de laranja."
Atenção precoce
Cuidar da saúde não é fácil. É preciso prestar atenção em uma série de coisas, criar coragem para se movimentar, abrir mão de certas guloseimas e exercitar o intelecto. As vantagens, contudo, são indiscutíveis. Sidney Cunha, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, frisa que o problema cardiológico que mais mata tem a ver com a obstrução das artérias: o pouco espaço para a passagem do sangue provoca infarto e derrame. O entupimento começa cedo e o pior, silenciosamente. "Na fase inicial, a pessoa não sente nada", detalha o médico. "O processo de depósito de gordura nas artérias é longo. É preciso evitar o quanto antes." Uma vida inteira de excesso de sal, doce, carboidratos e gordura saturada cobra seu preço em forma de colesterol e pressão altos, diabetes e diversas outras complicações que farão a terceira idade chegar de maneira limitante e complicada.
A solução, todo mundo sabe bem: focar em medidas preventivas. Se os problemas de saúde vêm como herança de família, então, nunca é cedo demais para começar a prestar atenção. "Cada caso é um caso, mas, em geral, 20 anos é uma boa idade para começar a fazer avaliações periódicas", analisa Cunha. "É importante verificar sempre a pressão arterial e os níveis de colesterol e de glicose." Se estiver tudo bem, os exames podem ser repetidos anualmente ou, até mesmo, em um intervalo de dois anos, dependendo do estilo de vida do indivíduo. "Na verdade, o melhor é começar ainda na infância, quando é mais fácil moldar o comportamento", ensina Sidney Cunha. "É mais difícil convencer uma pessoa adulta de que comer verdura é bom. Se a criança for educada a evitar gordura, refrigerantes e afins, vai ter essa consciência quando adolescente e terá mais chances de manter um estilo de vida saudável."
Sérgio Fernandes, médico geriatra do Laboratório Exame, reforça: é na vida intrauterina que começa nossa jornada rumo a um envelhecimento saudável. As decisões da mãe podem influenciar para sempre a vida do filho, causando problemas que impedirão um amadurecimento saudável. "Atualmente, existem vários estudos que mostram associações de problemas relacionados à saúde do bebê e hábitos da mãe", completa.
"Tabagismo, desnutrição durante gravidez, falta do acompanhamento pré-natal e doenças como a rubéola podem causar alterações neurológicas, tétano neonatal e as chamadas doenças verticais, que são passadas da mãe para o filho." Após o nascimento, proporcionar um ambiente familiar harmonioso, com a indução de hábitos saudáveis, é o segundo passo para a velhice sem doenças. "A construção da psiquê ocorre precocemente graças a hábitos, a coisas que a criança presencia em casa", ensina Fernandes.
Com uma boa rede de suporte, muitos males da idade são evitados. Um exemplo, segundo Sérgio Fernandes, é a osteoporose. "O problema tem relação com o pico de massa óssea, determinado na infância e na adolescência", detalha. "É esse pico que vai fazer o osso ser resistente." Para que o corpo atinja esse pico, basta repetir a velha receita de alimentação saudável e exercícios físicos. Investir em medicina preventiva também é uma boa alternativa. "Hoje em dia, não precisamos esperar complicações mais sérias para buscar tratamento", justifica. "Sabemos quanto tempo leva para a doença se estabelecer até o paciente precisar de remédios ou não. Algumas pessoas conseguem controlar o colesterol, por exemplo, só com alimentação e exercícios. Essas que não conseguem, se beneficiam dos medicamentos antes de sentirem mal."
Regina Maura, 70 anos, é um exemplo vivo do que alimentação saudável e exercícios físicos podem fazer por alguém na terceira idade. Desde os sete anos, o balé faz parte da sua rotina. Aos 15, a dançarina entrou para a Escola de Dança do Teatro Municipal. Regina ficou 15 anos no corpo de baile da instituição e conta que nunca se machucou. "Sempre tive muita facilidade (para dançar) e uma saúde muito boa", completa. "E sempre comi de tudo. Sou neta de italianos por parte de pai e de espanhóis por parte de mãe. As comidas italiana e espanhola são saudáveis, meu pai sempre fez questão que a gente se alimentasse bem e sem exageros."
Ainda que as apresentações de dança tenham ficado no passado, Regina continua ativa até hoje, ensinando novas aspirantes à bailarina. A professora transmite os passos de dança em duas classes por dia, uma pela manhã e outra à tarde. Quando uma apresentação se aproxima, há ainda uma terceira aula no período noturno. Isso sem contar a caminhada diária na esteira de casa. Ironicamente, Regina só se machucou depois de parar de dançar profissionalmente. "Fui convidada a dar aula por seis meses em um espaço inapropriado para o balé", conta. "Isso foi deteriorando meu tendão de aquiles, que nunca havia doído. No dia que voltei para a minha academia, no primeiro saltinho, ele arrebentou."
Fora esse episódio e um tombo que a fez torcer o pé e lesionar o menisco (cartilagem do joelho), Regina gaba-se de uma saúde exemplar. Aos 70 anos, ela não precisa de remédios para nenhuma das doenças que costumam aparecer nessa faixa etária, como diabetes e hipertensão. "Tirei a pressão esses dias, deu 11 por 6. Considero-me uma velhinha muito saudável", orgulha-se. O segredo, na verdade, não é mistério nenhum: graças ao costume de se exercitar sempre, ela hoje conta com disposição para continuar fazendo o que ama. "Alimentação, exercício e felicidade ; é isso que importa. Tenho uma família ótima, um marido que me apoia em tudo o que faço. Não adianta se alimentar bem mas ser infeliz, porque o corpo parece que não assimila tudo que você está fazendo."
Alimentação caprichada
Cuidar da saúde, para Jandira Maia, é sinônimo de se manter ativa. Aos 72 anos, ela trabalha como administradora no salão de beleza do filho. "Não vou dizer que não sinto nada. Claro que sentimos algumas coisinhas, mas considero minha saúde boa para a minha idade", analisa. Uma vez por ano, ela visita o mastologista, ginecologista e o cardiologista para refazer os exames. A infância e a adolescência, passadas em uma casa com um terreno grande o suficiente para um pomar e uma horta, fizeram com que ela se acostumasse ao sabor das frutas, dos legumes e das verduras. "Era um período em que a gente não comia nada com conservante, não existia isso nas coisas."
Refrigerante e os alimentos vilões da saúde, como doces e frituras, também não existiam na casa. Tudo isso a ajudou a controlar o que come atualmente. "Estou um pouco acima do peso, mas nenhum problema de saúde, tirando um problema de coluna", reconhece. "Sinto dor, mas não consigo ficar parada." Na juventude, Jandira até chegou a experimentar tabaco, mas parou logo. Bebida alcoólica também nunca foi muito do feitio dela. Em vez da taça diária de vinho, recomendada para manter a saúde do coração, ela prefere suco de uva: toma um copo todos os dias.
No mais, Jandira gosta mesmo é de se virar. Depois dos filhos crescidos, ela agora mora sozinha. "Gosto de ficar um pouco sozinha, ler, ver televisão. Faço tudo sozinha, não sou de perturbar filho", diz. Se precisa se deslocar, Jandira prefere ir de táxi a pedir carona, já que não pode dirigir por conta de uma cirurgia nas mãos. Nem as reclamações da filha mais velha, que acha o tom independente da mãe uma forma de orgulho, a faz mudar de ideia. "Não é orgulho, mas a gente se acostuma a fazer as coisas. Acho estranho depender dos outros", defende-se. Quando as limitações da idade avançada chegarem de vez, ela já sabe o que quer: ir para uma casa de repouso. "Acho errado que uma pessoa pare de viver para cuidar de uma pessoa idosa."