Tiago da Silva Freitas, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Neuromodulação e especialista em neurocirurgia funcional, é um dos dois profissionais habilitados a realizar cirurgias psiquiátricas em Brasília. Ele explica que um médico, para ser considerado apto a efetuar o procedimento, deve ser neurocirurgião especialista em neurocirurgia funcional. Atualmente, com a evolução das técnicas de imagem funcional ; e consequente melhor compreensão de como as doenças psiquiátricas se manifestam no cérebro ;, a intervenção cirúrgica pode sim, segundo Freitas, significar melhoras consideráveis nos quadros dos doentes. "Há uma melhora pós-cirúrgica em 60% a 70% dos pacientes", calcula. "Em 50% a 60% dos casos, há o controle quase que completo dos sintomas."
No passado, a falta de medicamentos e de remédios fez com que médicos aderissem à lobotomia como única alternativa para doentes mentais. Desconectar os circuitos cerebrais controlava os sintomas, mas tinha como resultado pacientes letárgicos, inexpressivos e vegetativos. Hoje, o procedimento conhecido como Estimulação Cerebral Profunda (DBS, da sigla em inglês) eliminou a necessidade de lesionar o cérebro. "Fixamos uma espécie de arco na cabeça do paciente, que mede todas as coordenadas do cérebro e o mapeia, milimetricamente", explica o especialista.
Com a ajuda de um programa de computador, os médicos são capazes de identificar qual a área pouco ou hiperestimulada no cérebro. É feita, então, uma trepanação (pequeno furo no crânio) e implantado um marcapasso. "Colocamos o dispositivo debaixo da pele e o ligamos em um gerador de pulsos, abaixo da pele do tórax, como o marcapasso cardíaco", detalha Freitas. Os exames de imagem, então, mostram onde o cérebro precisa ser estimulado para aliviar os sintomas. O procedimento, de acordo com Tiago Freitas, é largamente usado em pacientes com Parkinson, depressão, síndrome de Tourette e agressividade intratável. As complicações são raras e a taxa de mortalidade é menor que 0,5%. Ainda assim, a cirurgia, que pode ser feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ainda é pouco indicada. "Poucos médicos sabem que existe", justifica o especialista
Por enquanto, em Brasília, a procura é escassa. Até agora, apenas cinco pacientes foram operados para o tratamento de doenças mentais ou agressividade. Desses, dois não eram brasilienses. "Há muitos casos subtratados, pois ainda há muitos psiquiatras resistentes", justifica Tiago Freitas. Divino Aparecido Ferreira Rosa, 15 anos, é um dos casos extremos que precisou de cirurgia. Divino tem paralisia cerebral, ocasionada por falta de oxigênio no cérebro no momento em que nasceu. A mãe de Divino, Fernanda Ferreira Martins, 31 anos, diz que a condição o deixou agressivo e inquieto. "Ele tem compulsão em mexer e em quebrar objetos", descreve a dona de casa.
A mãe classifica a agressividade do filho como "infantil". "Ele não é de pegar facas para machucar os outros", exemplifica. "É como uma criança que mexe em tudo." O problema é que a "curiosidade" de Divino estava colocando sua própria saúde em risco. Fernanda lembra que, certa vez, o garoto quebrou uma janela de vidro. Sem ter consciência do risco que corria, Divino colocou a cabeça no buraco de estilhaços. "Ele já derrubou o fogão enquanto eu fazia comida e já tentou puxar os fios do chuveiro, enquanto tomava banho. Preciso ficar de olho o tempo inteiro para ele não beber produto de limpeza, por exemplo."
Divino faz acompanhamento com psiquiatras desde que começou a andar. Os medicamentos são diários, e ele já foi internado algumas vezes em clínicas psiquiátricas. Nada disso ajudou a aliviar os sintomas agressivos. "Só tínhamos sossego quando ele dormia", resume a mãe. Sem condições de deixar o filho sob os cuidados de outras pessoas, Fernanda se dedica exclusivamente ao garoto. Com a mãe, reveza-se nos afazeres de casa e nos cuidados com ele. Entre um consultório e outro, Fernanda ficou sabendo da possibilidade de operar o filho. Em 1; de fevereiro deste ano, Divino foi operado no Hospital de Base. Desde então, Fernanda ; e o filho ; está mais tranquila. "Ele operou só o lado esquerdo do cérebro e melhorou bastante", comemora. "Ainda vamos marcar a cirurgia para operar o outro lado, mas já fiquei muito contente com o resultado."
As doenças passíveis de tratamento cirúrgico
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
Transtorno de Ansiedade
Depressão
Síndrome de Tourette
Agressividade
Adição (vícios)
Tratamento casado
Stella Caiado, neurologista do Hospital Santa Helena, explica que, além da Estimulação Cerebral Profunda, a Estimulação Magnética Transcraneana Repetitiva (EMTr) é um dos principais tratamentos para casos extremos de doenças psiquiátricas. Os procedimentos têm ações semelhantes: por meio da criação de um campo magnético direcionado, os médicos regulam impulsos elétricos para excitar ou inibir determinadas partes do cérebro. "A energia magnética para que isso aconteça é liberada por uma bobina, restabelecendo seu funcionamento normal de uma maneira não invasiva e indolor", detalha a médica.
A bobina é implantada quase colada ao crânio, no lobo fronto-temporal. Dependendo da indicação e da necessidade do paciente, Stella Caiado explica que o dispositivo cria um campo magnético de cerca de 3cm para dentro do córtex cerebral. Com a "descarga de energia", a corrente elétrica entre os neurônios com baixa atividade aumenta ; o que se reflete na melhora dos sintomas.
Para que o tratamento dê certo, a médica explica que é preciso repetir o procedimento cerca de 20 vezes. Cada sessão dura 10 minutos, e os pacientes geralmente se submetem a elas cinco dias por semana. "A técnica já é usada em todo o mundo para o tratamento de diversas desordens neuropsiquiátricas", detalha Stella. No Brasil, o procedimento já foi provado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Conselho Federal de Medicina. Os resultados são excelentes, na avaliação da profissional. A segurança do manuseio é outra vantagem do tratamento, usado especialmente para aliviar sintomas de depressão grave e de alucinações auditivas, por exemplo.
Não invasiva, com raros efeitos colaterais e/ou reações adversas, com simples aplicação, indolor e de baixíssimo risco, a intervenção é usada também para o ajuste de medicações usadas regularmente pelos pacientes. "Protocolos para outras doenças, como doença de Parkinson, rigidez no AVC, e até mesmo como coadjuvante no tratamento da dependência química a drogas ilícitas, como cocaína, estão em andamento com fantásticos resultados", enumera Stella. Seja qual for o método mais indicado para cada caso, Elias Abdala Filho, psicanalista e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), alerta que o importante é não negligenciar a doença. "Mesmo se for preciso cirurgia, os trantornos precisam continuar sendo tratados com medicamentos e terapia", reforça.
De acordo com Elias Abdala, os remédios são importantes, pois melhoram a instabilidade emocional e a depressão, enquanto a psicoterapia ajuda a lidar com sentimentos de frustração. O problema é quando o paciente não é respeitado nem dentro do próprio consultório. "A tendência, hoje, está sendo banalizar (os problemas)", justifica. "Até hoje a psiquiatria como um todo tem uma abordagem pejorativa, especialmente em torno da depressão. Alguns defendem até que ela não existe." A ordem, para familiares e profissionais, é não menosprezar possíveis sintomas. Uma vez detectado o problema, é preciso enfrentá-lo de frente. "Os remédios ajudam a melhorar os sintomas, mas não a enfrentar problemas."
Fernando Portela Câmara, psiquiatra e membro da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, reforça a importância de se prestar atenção aos doentes. Além de grande fonte de sofrimento, uma vez que o transtorno mental grave tira do indivíduo a capacidade de socialização, essas doenças tendem a se cronificar. "A pessoa fica incapacitada de fazer opções, de tomar decisões, às vezes até de cuidar da própria vida", descreve o médico. Por enquanto, ainda não se pode falar em cura para nenhum transtorno mental. Os médicos preferem o termo "remissão", já que, não raro, os pacientes apresentam recaídas. "O tratamento tem como objetivo colocar o doente sob controle, para que ele possa voltar para a sociedade e viver da melhor forma que puder."
Leia na edição impressa a íntegra da matéria