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Acima de qualquer tendência

As grandes semanas de moda mundo afora confirmam: está cada vez mais difícil discernir um só rosto para definir a temporada. A única certeza é a diversidade

Toda estação é assim. Antes que os estilistas possam respirar com o fim das principais semanas de moda e recolher suas criações para seus ateliês, editores, blogueiros, críticos e toda sorte de gente que se diz entendida do assunto saem em disparada, dando pitacos sobre as tendências que vão vingar ou não. Um aposta que a cor do verão será o laranja. Outro pode jurar que é o amarelo. Em um site, as transparências são a vedete da vez. Em outro, as cinturas marcadas ganham destaque. E assim, de incontáveis tendências e centenas de comentaristas, faz-se uma temporada.

Paradoxalmente, tamanha profusão de tendências talvez indique um esgotamento, arriscam os especialistas. "Essa história de uma definição mais fechada e de uma quantidade limitada de tendências muito fortes já não existe mais desde os anos 1990", aponta Eloize Navalon, coordenadora do curso de design de moda da Universidade Anhembi Morumbi. E, lá fora, onde pipocam blogs de moda de rua e abundam coleções especiais (como as resort), o consenso sobre o que é cool faz ainda menos sentido.

"Algumas décadas atrás, nos reuníamos no Ritz, em Paris, para definir tendências que então seriam traduzidas nas vitrines e em propagandas. Apenas 40 ou 50 de nós tínhamos as chaves para essa informação supersecreta. Hoje, essa história de tendência é passado", decretou Robert Burke, consultor para marcas de luxo e ex-diretor da multimarcas Bergdorf Goodman em uma entrevista ao The New York Times, em agosto passado. "As tendências não são o que costumavam ser. Usamos o que gostamos", concordou a blogueira francesa e referência de estilo Garance Doré na mesma publicação.

A morte das tendências pode ter a ver com um movimento que, já há algum tempo, ronda o planeta: o de busca pela individualidade e personalização, como enfatiza Daniely Von Atzingen, cool hunter e responsável por brand communication na multimarcas Farfetch Brasil. "Pelas nossas pesquisas, a gente observa que as pessoas estão querendo se diferenciar. Hoje em dia, já é não como nos anos 1980, por exemplo, com aquela imagem de moda forte. As referências, os estilos e as décadas vêm misturados", observa. "Além disso, já não existem mais esses setores super-herméticos. Decoração, gastronomia, moda, arte, todas se comunicam, se relacionam, emprestam inspirações", continua.

O fato é que a mudança de comportamento do consumidor acaba se refletindo no mercado. As multimarcas, por exemplo, começam a dar atenção extra a peças que escapam a modismos. Os compradores dessas lojas são, por assim dizer, curadores do próprio acervo e valorizam, por exemplo, a assinatura do designer mais do que a cor da estação. Balmain, Céline, Lanvin e Givenchy, por exemplo, são algumas das marcas que buscam se colocar acima de tendências. "Na verdade, as marcas autorais são as que mais trazem as chamadas ;peças de desejo;, que esgotam logo. As tendências do momento, que não vão durar mais do que seis meses, podem ser encontradas em marcas mais baratas, de produção em série. Não precisam de assinatura", aponta Camila Espinosa Diniz, sócia da multimarcas virtual E-closet.

Enquanto isso, no Brasil;



O comportamento antitendência começa a pegar no Brasil, embora timidamente. Aqui, as marcas ainda cultivam o hábito de retrabalhar o que foi feito lá fora. "Temos muito forte essa coisa da inspiração. Aí fica fácil identificar tendências mais marcadas. Era uma surpresa, durante as compras de verão, quando chegávamos em um show room e não encontrávamos as candy colors", exemplifica Camila Diniz.

A indústria têxtil também desempenha um papel fundamental nessa história, já que, muitas vezes, disponibiliza uma gama pequena de opções. "Se você quer uma coisa especial, a tecelagem vai exigir uma quantidade mínima de tecidos. Se você não tem giro de mercadoria para justificar esse pedido, não faz sentido ir na contramão do que as tecelagens oferecem", explica Eloize Navalon, do curso de design de moda da Universidade Anhembi Morumbi. Em suma, ser diferente envolve um custo. A Osklen, por exemplo, é um das raras marcas nacionais a assumir a conta do trabalho autoral, investindo em tecidos e modelagens pouco usuais. "Ela é tida como cara porque escolheu esse caminho, mas o cliente sabe o que está comprando e paga mesmo assim", continua Eloize.

Além da Osklen, Camila, Eloize e Daniely, da Farfetch, citam outros nomes com perfil marcante e independente: Neon (marca de Dudu Bertholini e Rita Comparato); Ronaldo Fraga; Paula Raia; Glória Coelho e Pedro Lourenço. "O Brasil é conhecido pela espontaneidade, pelas cores fortes, as flores. Acredito que já exista, ao mesmo tempo em que importamos inspirações, um movimento contrário, de exportar o que temos. E muitos estilistas daqui já sabem aproveitar esse DNA brasileiro de maneira bem-sucedida em suas coleções. A tendência é que esse movimento cresça", analisa Daniely.

Quanto ao consumo, é opinião unânime que o brasileiro preza, sim, pelo que está em voga. Existe uma influência que vem dos personagens de novela. O medo de errar e a vontade de ser aceito pelo grupo também contam. "É um consumidor que quer ser reconhecido por ;x; e aí ele vai buscar nas tendências e na novela referências para incorporar um determinado tipo de comportamento, o que se reflete também na moda", pontua a professora Eloize Navalon. "Além disso, ele não quer arriscar. Usar o que todo mundo está usando o deixa mais seguro", explica.

"Se você anda pelas ruas de grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio, já vê algumas coisas bem autênticas, semelhante ao que acontece em cidades como Londres e Nova York. Além disso, o brasileiro hoje viaja mais, tem mais acesso a tudo o que acontece lá fora e é mais aberto ao novo. Uma hora, a coisa da busca pela individualização vai emplacar aqui também", aposta Daniely Von Atzingen. Pelo visto, shapes, cores, estampas e acessórios "do momento" podem mesmo ir dando adeus aos holofotes.