Já que o organismo não consegue combater os fatores genéticos que determinam o ganho de peso, as disfunções do metabolismo e muito menos controlar os pensamentos compulsivos que levam a exageros na hora de se alimentar, é preciso recorrer à cirurgia para reduzir o estômago, indicada na maioria dos casos para os pacientes que convivem com a obesidade grau 3 (obesidade mórbida), problema que afeta cerca 1,5% da população adulta ; quase 2 milhões de pessoas ;, segundo dados da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
As gastroplastias alteram a anatomia do estômago e do trato digestivo. É uma forma radical de controlar o incessante ganho de peso que leva à obesidade exagerada e compromete a saúde. "O que mais diferencia essa cirurgia das demais é que ela envolve mudanças de comportamento. O paciente é obrigado a mudar os hábitos. Mas a gastroplastia é apenas uma ferramenta no controle da obesidade", considera o médico Orlando Faria, diretor-clínico da Gastrocirurgia de Brasília e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), que há 13 anos se dedica a fazer esse procedimento.
Reduzir um estômago a menos de 5% do seu tamanho original tem seu preço. É preciso se adaptar a uma nova rotina, em que comer pouco não é uma escolha, é questão de sobrevivência. O emocional precisa estar preparado para essa nova relação com a comida e a autoestima fortalecida para lidar com a nova imagem refletida no espelho. Uma aparência algumas dezenas de quilos mais magra. O corpo também sente a alteração da ordem do trajeto percorrido pelo alimento. Agora, absorve-se menos gordura e também menos nutrientes e minerais. Suplementos precisam ser tomados para sempre, para repor aquilo que poderá faltar ao corpo. Um ônus muito pequeno perto da nova vida, dizem os especialistas.
Mariana tem reagido bem, o que não significa que seja esta a reação inicial de todos os pacientes. O preparo para o procedimento dura meses, em alguns casos até um ano. Para recontar o que acontece antes e durante uma cirurgia dessas, acompanhamos, desde março, cada passo da estudante de química Mariana Medeiros, 25 anos, que se submeteu ao procedimento em 3 de agosto. Visitamos os profissionais que a atenderam, acompanhamos o pós-operatório da jovem. A ideia era mostrar os critérios e as exigências para se candidatar a uma redução de estômago e os cuidados após a intervenção, sem falar nos altos e baixos emocionais dessa disputa contra a balança.
O momento da decisão
Mariana foi uma criança gordinha e uma adolescente igualmente acima do peso. Tornou-se uma adulta obesa, carregando o dobro do que seria seu peso ideal. Como todas as pessoas que convivem com esse drama, Mari, como é chamada, tentou todo tipo de tratamento: de acompanhamento com nutricionistas, endocrinologistas, passando pela academia e dietas malucas. Mas os resultados eram ínfimos.
Com 1,63m, chegou a pesar 111kg e atingiu um Índice de Massa Corporal (IMC) de 42, um número que já indicava um quadro de obesidade mórbida. Mesmo com tão pouca idade, ela já sentia dores ao caminhar e atividade prazerosas, como andar no parque ou ir à cachoeira, começaram a ficar muito complicadas por causa do peso. Mariana chegou inclusive a operar o joelho, que sofria com o excesso de gordura.
Diante do espelho, Mariana dizia não ter problemas com a vaidade ou dificuldades em se relacionar. Dona de um rosto lindo, cansou de ouvir elogios que só se referiam a essa parte do corpo. Nessa convivência com o corpo gordo, sua saúde era o que mais a preocupava. "Não ligo para o que os outros pensam. Quero é viver muito", diz.
As previsões, caso se mantivesse acima do peso, não eram as melhores. Pessoas obesas têm mais risco sofrer com doenças do coração, dores na coluna, nas articulações; além de ter as chances aumentadas de desenvolver diabetes, problemas respiratórios, de sono, depressão. A probabilidade de morte de um obeso é de 6 a 12 vezes maior do que a de uma pessoa magra.
Em janeiro, Mariana ficou sabendo da história de um conhecido que fez a cirurgia bariátrica. Ele estaria magérrimo, saudável e feliz. Decidida, foi atrás de informações. Ao longo da busca, porém, acompanhou pelo noticiário a morte de um paciente que fez a redução do estômago e abandonou a ideia. Apesar do susto, a cirurgia atualmente é segura. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, as taxas de mortalidade do procedimento é menor que 1%. Os índices de complicações graves variam entre 1% a 2% e incluem trombose venosa, embolia pulmonar, infarto, hérnia, sangramentos, infecções e fístulas, que seriam vazamento do conteúdo do estômago ou do intestino para a cavidade abdominal. "Esses riscos são bem menores do que se comparado às complicações provocadas pelos anos de obesidade", pondera o cirurgião Túlio Marcos da Cunha, fundador da clínica Gastro Obesi em Brasília e membro titular da SBCBM. Quando a gastroplastia começou a ser feita, há 40 anos, poucos dominavam a técnica. O procedimento se tornou mais seguro, os profissionais estão mais habilitados e a tecnologia ajuda no corte e na cicatrização do novo estômago.
Somado a isso, os casos de obesidade em todo o mundo praticamente triplicaram. Tudo isso contribuiu para que o número de cirurgias bariátricas realizadas, só no Brasil, chegasse a quase 78 mil no ano passado. Em 1993, essa estatística não contabilizava 18 mil. No método mais usado, o bypass gástrico, já não se usa mais o anel para fechar a entrada do estômago, evitando que ele entre no órgão ou faça a comida entalar, como acontecia. Outro avanço é que a cirurgia passou a ser feita, desde 2003, por via laparoscópica, o que evita grandes cortes e traumas. São feitos apenas 5 ou 6 furinhos, de 0,5 a 1cm de diâmetro cada, por onde passam a câmera e os instrumentos. "Além disso, temos grampeadores mais modernos. Entre 7 e 10 minutos você faz um estômago novo", explica o médico. O tempo de cirurgia, antes de quatro horas, hoje é de uma hora.
Leia esta matéria na íntegra na edição n; 385 da Revista do Correio.