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Só cresce quem aparece

Para o especialista em economia criativa John Howkins, o Brasil deve aproveitar os próximos anos, debaixo dos holofotes da Copa e das Olimpíadas, para transformar seu talento e boas ideias em dinheiro

O aclamado autor britânico John Howkins foi vanguardista ao publicar, em 2001, o livro A economia criativa. Na época, ninguém sabia exatamente o que significava o termo e muito menos ousava afirmar que o setor seria um dos grandes pilares de crescimento do novo século ; tanto em países desenvolvidos, como em desenvolvimento. Apesar de a obra nunca ter sido publicada em português, atualmente, esse é um dos temas em pauta no Brasil. Além do estado do Rio de Janeiro, que está criando vários projetos para o setor, o Ministério da Cultura (MinC) debate o texto do Plano Brasil Criativo. O projeto do governo federal tem, justamente, a proposta de incentivar a economia criativa no país, que surge quando atividades culturais transbordam para o mundo dos negócios, como por exemplo a moda, arquitetura, design, entretenimento. Ela é importante para o desenvolvimento de um país, pois exige um investimento inicial baixo, podendo ser explorado por jovens. Além de dinamizar o mercado, já que requer dos empresários novos modelos de negócios.

John Howkins esteve no país, em agosto, para o 4; Seminário Internacional de Design, que teve como tema ;Criatividade Gerando Negócios;. O autor é presidente da BOP Consulting e já fez consultoria para grandes empresas, organizações internacionais, governos, além de ter trabalhado em mais de 30 países, incluindo Austrália, Canadá, China, França, Grécia, Índia, Itália, Japão, Polônia, Cingapura, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Ele conversou com a Revista sobre como o Brasil pode transformar em um grande negócio a originalidade que exibe a mundo afora e como a Copa e as Olimpíadas podem estimular a economia criativa no país.
O Brasil pode usar a Copa e as Olimpíadas para incentivar a economia criativa?
Até pode, mas é muito difícil. Os comitês internacionais responsáveis pela organização dos dois eventos têm presença forte dentro dos países sedes. Eles impõe os seus modelos de negócios para que eles ; e os seus patrocinadores ; ganhem os lucros. A criatividade de quem está fora do grande esquema acaba limitada, pois é complicado entrar dentro das regras. Suspeito de que o Brasil enfrentará esse problema. Nós, ingleses, enfrentamos. Vai ser difícil para vocês conseguirem usar a economia criativa nessa época. Mas, dito isso, acho que o Brasil, de qualquer forma, tem que fazer todos os esforços para tentar achar um caminho para desenvolvê-la. Afinal, nos próximos quatro anos, o foco mundial vai ser no Brasil e eu acho que vocês têm que ser engenhosos e imaginativos para aproveitar o momento.
Que o legado esses eventos vão deixar para a economia criativa?
A Fifa e o COI não estão interessados na criatividade brasileira. Se vocês terão ou não um legado após esses eventos, se vocês vão inovar e aumentar a gama de produtos que o Brasil oferece, depende exclusivamente dos brasileiros. Vai ser necessário aprender como sair da aba dos organizadores e aproveitar os anos no sol. Dado o fato de que o Brasil possui numerosos recursos, talento, muita criatividade, estilo, é possível aproveitar o máximo disso. Mas é preciso fazer agora e não esperar os comitês internacionais ditarem as regras.
O que os empreendedores brasileiros têm que fazer para conseguir aproveitar a superexposição do país?
Os jornais do mundo inteiro vão vir para o Brasil nos próximos quatro anos. É uma oportunidade para o relações públicas e o marketing das empresas darem mais impacto mundial aos produtos criados no país. Essa é a hora. Não tem ingrediente secreto para aproveitar essa exposição. O que mundo está perguntando agora é: ;O que está acontecendo no momento no Brasil?;. As empresas estão recebendo uma oportunidade de venderem a sua história para o mundo.
Diz-se que no Brasil não há um design genuinamente brasileiro, que muito do que produzimos por aqui é cópia de outros lugares do mundo. Você concorda? Ou acredita que exista uma marca Brasil bem colocada no exterior?
Sou muito cético em relação a criar a marca de um país. Eu não acho que exista uma marca britânica ou uma francesa ; nem mesmo um estilo francês. Há indivíduos que são bem-sucedidos em áreas específicas. Como londrino, fui contra a cidade tentar virar uma marca. Eles esboçaram fazer isso há 10 anos e foi vergonhoso. O Brasil não deveria seguir o mesmo caminho. Para mim, é um sinal de fraqueza. A maneira que um país fica forte e desejável é quando pessoas ou empresas individualmente criam um produto que é interessante para resto do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram os filmes, o jeans e a música. Não foi o governo que vendeu essa imagem, foram iniciativas individuais que falaram ao mundo: ;Nós temos uma marca, uma ideia, um produto e uma história;. Isso causou interesse em diversas culturas. É um produto que significa alguma coisa para os americanos, mas também representa alguma coisa para o resto do mundo.
Mas você acha que empresas brasileiras voltadas para o design e criatividade que estão conseguindo criar uma imagem do Brasil no mercado internacional?
O Brasil é conhecido pelo seu estilo, cores, paixão, emoção, roupas, música e futebol. Isso é muito raro. Poucos países são associados a tantas características interessantes. Vocês também têm fama no mundo pela veia artística: dança, música, carnaval. Isso leva as pessoas associar o país à cor, ao ritmo, à felicidade. São características extraordinárias para se trabalhar. O Brasil poderia ser conhecido por muito mais coisas. Mas essas qualidades não são traduzidas em personagens, histórias, produtos, serviços, design, carros ou roupas que pessoas em Nova York, Londres ou Xangai querem comprar. O Brasil tem uma imagem no exterior? Tem! É genuíno? É! Mas as pessoas não consomem esses sentimentos. É um dos poucos países no mundo que têm uma reputação, mas eu não levo isso para casa. Eu não compro roupas e carros brasileiros e eu não entendo a música daqui. A imagem é forte, mas eu não a transformo em uma marca.
Por que o mundo não consegue consumir isso?
Eles não conhecem as marcas. Eu não as conheço. Não sei quais são as marcas da moda daqui, eu não conheço os cantores, não sei quem são os designers de móveis. Vocês não fazem parte do mercado global e das marcas globais. Você sabe quais são as americanas, as alemãs, as francesas. As empresas brasileiras não estão nesse conjunto. Vocês têm uma imagem, uma marca do país ; se você quiser colocar assim ;, mas isso não é traduzido em produtos brasileiros. Eu não vou comprar um carro brasileiro, eu não sei nada sobre as roupas brasileiras ; eu não compraria. Não conheço a literatura ou a música do país.
Como podemos entrar no mercado global e transformar essa imagem em dinheiro?
Isso está nas mãos de empresas. É um trabalho individual de cada uma. Às vezes, o mercado interno é tão grande que as empresas não têm interesse nisso. Às vezes, vocês não têm um lifestyle que as pessoas do resto do mundo querem copiar ; tem muita gente que quer viver o american dream, por exemplo. Se quiserem vencer essas barreiras, vocês vão ter tentar mudar a cultura dos empresários e dos consumidores. Isso vai ser muito importante, não só para vender produtos, mas também para explicar a cultura brasileira para o mundo.
Os empresários brasileiros têm a capacidade e a vontade de ser uma marca global?
O Brasil é perfeitamente capaz de ter empresas com alcance mundial. Vocês são um país grande e têm marcas que atendem a todo território nacional. Só é preciso aparecer empreendedores inteligentes, que estejam com vontade de fazer isso. No momento, há um foco no mercado interno. Não há interesse no mercado global.
Você acha que esse interesse vai crescer com a aproximação da Copa e das Olimpíadas?
Depende das iniciativas individuais, mas eu não gosto de fazer esse tipo de previsão. As oportunidades estão aí, os brasileiros é que sabem se vão aproveitá-las ou não.
O que o Brasil precisa fazer para incentivar a sua economia criativa?
A internet é muito importante para o desenvolvimento desse tipo de negócio. O mundo cibernético está em constante expansão, assim como o conteúdo da mídia on-line ; me refiro ao texto e à informação ;, como o e-commerce, o crescimento das redes sociais e também toda empresa online ; Google, YouTube, Tumblr. Isso é uma área enorme que deve ser usada com criatividade. O Brasil tem que entrar no ramo, pois ele não está representado nessa área. E precisa urgentemente. Espero que os jovens brasileiros estejam de olho nesse nicho. Ainda mais considerando que você pode começar com quase nenhum centavo e fazer muito dinheiro a partir disso. Se não acontecer, o Brasil vai estar cada vez mais longe do mercado global.
Se o Brasil investisse em matérias curriculares mais ligadas às artes e à criatividade, teríamos mais jovens interessados nesse segmento?
Não acredito que isso esteja ligado ao que acontece na escola. Mas sim no ambiente social, criado fora dela. Claro que ir à escola é muito importante, mas existe uma grande discussão sobre o papel da escola para o crescimento do indivíduo e da sociedade. Ninguém nunca resolveu essa questão. O importante são as oportunidades criadas fora do ambiente escolar para as pessoas escolherem o próprio caminho, os seus sonhos e como vão expressar as próprias ideias.