Jornal Correio Braziliense

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Um dia de Becky Bloom

Quem nunca viveu momentos de um(a) legítimo(a) shopaholic? Até a pessoa mais franciscana do mundo pode experimentar sensações de delírio numa simples visita a um outlet

Comprar é uma experiência pessoal. Para alguns, quase orgástica; para outros, um ato corriqueiro sem maiores significados. Há quem classifique esses dois grupos com certo maniqueísmo: num mundo em que o quesito sustentável é conceito da hora, sem direito a negociação, quem consome em demasia é persona non grata e as criaturas que se contentam com o básico são cidadãos elogiáveis e responsáveis. Mas, esquecendo os extremos ; leia-se o pão-duro crônico e o consumista viciado ;, vamos combinar que uma vitrine pode ser um apelo irresistível, ainda mais se nela estiver pintada com letras garrafais LIQUIDAÇÃO (vale SALE também), ou números grandões, como 70% de desconto, ou ainda assim: ;Qualquer peça de biquíni por R$ 5;. Para fechar, imagine se esse convite vier daquela loja, marca ou grife que você adora, mas passa pouquíssimas vezes na porta porque sua paixão é muito mais voluptuosa que a conta bancária.

Esse desafio do tipo ;resista se for capaz; vira uma prova de fogo quando você entra num outlet, nome em inglês que designa um centro de compras de marcas bacanas a preços promocionais. A ideia surgiu lá fora há um bocado de anos, quando lojistas descobriram que vender bem mais barato seria melhor que empacar estoques de coleções passadas. Por aqui, o conceito vingou em 2009, quando o grupo General Shopping Brasil abriu o Outlet Premium São Paulo, na Rodovia dos Bandeirantes, Km 72 (próximo de Campinas), visitado por nada menos que 5 milhões de pessoas por ano.

Na próxima quinta-feira, a rede abre o segundo do gênero, o Outlet Premium Brasília, na BR-060, em Alexânia (GO). Às vésperas da inauguração, eu recebi o convite para visitar o centro de São Paulo. Como jornalista, fui disposta a fazer uma pesquisa de campo, olhar tudo, comparar preços, ver se de fato é mais barato, o que vale e o que não vale a pena. Mas, como disse logo no começo desta matéria, comprar é mesmo uma experiência pessoal. Portanto, o fato de não ter achado aquele sapato maravilhoso número 35 não quer dizer que o outlet não tenha uma boa oferta de lojas de sapatos. Dito isso, você já pode entender: nesta reportagem, há fatos e interpretações.

O primeiro fato: sim, é mais barato. Não tanto quanto outlets de fora, onde os impostos são menos pesados, mas há descontos que variam de 40% a 80%, alguns até mais do que isso, a julgar pelas etiquetas, às vezes marcadas e remarcadas. Isso não quer dizer que vá encontrar peça de marca a preço de feira, embora até seja possível. Portanto, a comparação tem que ser: preço de shopping com preço de outlet, e da mesma grife. O segundo fato: é proibido vender peças com defeitos, mas eles existem, embora eu tenha visto coisas mínimas, que podem ter sido provocadas até pelo manuseio dos clientes ; então, é bom olhar com cuidado as peças. O terceiro fato: ao sair de lá, você estará irremediavelmente arrependido, ou por ter comprado demais ou por não ter comprado mais. De qualquer forma, a visita vale muitíssimo a pena ; e isso já é a minha interpretação.

Vamos ao meu passeio. Começou logo que o outlet abriu, por volta das 10h. O ambiente é gostoso e aberto. Sem elevadores, escadas rolantes e ar-condicionado, os lojistas economizam até 70% de seu custo e, assim, podem dar grandes descontos. São 90 lojas espalhadas em quatro blocos, todos térreos. Estacionamento gratuito e restaurantes ; caros e baratos ; aqui e ali. Enquanto fazemos um tour pelo espaço, a minha guia explica a história, o conceito, tudo sobre o local. Meus ouvidos são todos dela, mas os meus olhos fujões já passeiam nervosos. Vitrines, letreiros, preços, roupas, sapatos, calcinhas, biquínis; ;Pode entrar nas lojas quando quiser;;, diz. Pronto.

Entro em uma, noutra; Não consigo mais parar. Calvin Klein, Le Lis Blanc, Armani, Schutz; Mais: Richards, Nike, Farm, Levi;s, Animale, Shoulder, Lacoste, Tommy Hilfiger; A sensação é estranha, confesso. Todos os que já foram a um outlet devem ter experimentado algo semelhante: dá aquele nervoso, que é uma mistura entre o desejo irresistível de comprar e o de sair correndo dali. Ao mesmo tempo, fica fazendo as contas de cabeça, tentando juntar numa mesma equação variáveis como datas de vencimento e limites de cartão de crédito. Tarde demais.

Algumas pessoas ainda conseguem ser racionais a esse ponto. Eu não. Mas o profissionalismo me resgata e cala no peito a vontade de gritar quando vejo a Spicy, aquela loja de artigos para cozinha e casa. Entro e compro, comedidamente, duas lembrancinhas. Lembro que estamos naquela seara do gosto pessoal e não vale interpretar o todo pela parte (do seu corpo) que não coube naquela calça 38 ou na camisa que você tanto amou, mas só tem GG. Como são peças de coleções passadas, muitas vezes o estoque da loja não tem variedade de tamanhos. Mas, de forma geral, há mais mercadorias nas lojas do que eu supunha. Também não há nada de clima de xepa, com os vendedores te puxando no corredor.

O clima é cool e dá até certa vergonha carregar aquele monte de sacolas. Tanto é que, lá pelas 17h30, dispensei a carona da assessora. O outlet fecha às 21h. Bem antes disso, o limite do cartão de crédito mandou seu recado desaforado na maquininha. Foi como um daqueles pesadelos em que você acorda aos sobressaltos, como se estivesse caindo da cama. Bem na hora que vi: tênis lindo Reebok 10 x R$ 19. Antes que me perguntem: sim, ainda parcela. O táxi chega e eu embarco, já sofrendo, é claro.

Em Brasília
Outlet Premium Brasília, na rodovia BR-060, em Alexânia (GO). A inauguração está prevista para a próxima quinta-feira. A princípio, cerca de 40 lojas devem estar prontas para abrir. A previsão, no entanto, é ter 80 ou um pouco mais. Algumas marcas já confirmadas em Brasília: Nike, Lacoste, Calvin Klein Jeans, Le Lis Blanc, Aramis, Ellus, Olimpikus, TNG, Polo Wear, M. Martan, VR Menswear, Home & Cook, Calvin Klein Underwear, Sergio K, Richard;s, Polishop, Shoulder, Carmen Steffens. O projeto tem inspiração na arquitetura do Planalto Central. A construção será em forma de Y e concentrará, ao centro, praça de alimentação e restaurantes. Estacionamento para 2 mil veículos. Como em São Paulo, o outlet abre de domingo a domingo, e só fecha em pouquíssimos feriados.

Quem é Becky Bloom
Rebecca Bloomwood (interpretada por Isla Fisher), no filme Delírios de consumo de Becky Bloom (Confessions of a Shopaholic), é uma garota que adora fazer compras. Mais do que isso, é uma compradora compulsiva. Seu grande sonho é um dia trabalhar em sua revista de moda preferida, mas ela acaba conseguindo emprego na revista de finanças publicada pela mesma editora e faz de tudo para que seu passado não venha à tona, e também para fugir dos cobradores.

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