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Uma questão de confiança

Para manter uma boa relação com o médico, o paciente precisa confiar no profissional, que, por sua vez, deve estar sempre disponível

MEDICINA
Para manter uma boa relação com o médico, o paciente precisa confiar no profissional, que, por sua vez, deve estar sempre disponível


Uma questão de confiança



Legenda:
Aos 25 anos, Abdala Carim ainda se consulta com o seu pediatra: confiança absoluta


CAROLINA SAMORANO
A primeira vez que Abdala Carim se consultou com seu médico não conseguia ainda falar o que sentia nem onde doía. Ia, ainda recém-nascido, nos braços da mãe. Hoje, com 25 anos, o engenheiro civil consegue não apenas apontar onde dói, como poderia já ter abandonado o seu pediatra, se assim quisesse. No entanto, a relação de confiança que se estabeleceu em anos de relação ainda faz com que, vez ou outra, esteja na agenda de consultas do dia do antigo médico. ;Ele tem muita credibilidade. Tem livros, experiência, competência. Nunca errou em um diagnóstico, nunca errou em um medicamento, leva o tempo que precisar em uma consulta;, enumera o paciente. Se o problema precisa de um especialista, a indicação vem do pediatra. Se quer tirar uma dúvida sobre um tratamento, recorre a ele. E, quando tiver nos braços o seu filho, também já tem a quem recorrer. ;Gostaria muito, com certeza.; n

Recentemente, a relação entre médico e paciente tem sido tratada com um pouco mais de atenção. O grande pivô de um certo estremecimento, alguns especialistas apontam, é a inovação tecnológica. Se antes médico e paciente, sozinhos, viravam-se como podiam com exames clínicos e demoradas conversa, há agora um terceiro elemento que, ainda que um excelente aliado em diagnósticos mais complexos, tem afastado as duas partes. O cume da crise veio quando, com senhas pessoais em mãos, pacientes começavam a copiar resultados de exames nos sites dos laboratórios e enviar , via correio eletrônico, a especialistas. Eles então, diante de um computador, davam notícias, às vezes boas, às vezes nem tanto, com a frieza que a situação impõe.

;Essa é a grande diferença dos médicos das gerações passadas para os de hoje. A relação com o paciente é diferente;, frisa o pediatra Antônio Márcio Lisboa, professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. ;Por causa da tecnologia, nós estamos salvando muito mais gente, diminuindo a mortalidade e, ainda assim, nosso prestígio só diminui;, conclui. Foi diante disso que o Conselho Federal de Medicina proibiu, em uma resolução publicada em agosto, consultas remotas, por telefone ou e-mail. A regra começou a valer no mês passado e alguns sites de laboratórios já desativaram a função ;copiar; dos resultados dos exames. Diagnóstico agora, só de frente para o paciente.

Além disso, a tecnologia tem contribuído para diminuir consideravelmente o que os médicos chamam de anamnese ; uma conversa detalhada e franca entre médico e paciente, que, muitas vezes, traz diagnósticos que nenhuma das duas partes esperaria. Funciona assim: se dói a barriga, o caminho mais fácil, em vez de prolongar o diálogo, é preencher algum pedido de um sofisticado exame de imagem. ;Nas últimas décadas, a medicina deixou de ser ;medicina do ouvir; para ser ;medicina do ver;. O avanço da medicina de imagens representa, sem dúvidas, um grande progresso, mas que, muitas vezes, levou os médicos a se esquecerem da importância de ouvir os pacientes. Hoje, é possível ao médico fazer um diagnóstico de costas para o paciente, apenas olhando para uma tela;, analisa o psiquiatra Alonso Moreira Filho, autor do livro Relação médico-paciente: teoria e prática e especialista em psicologia médica.

Outra questão que é frequentemente discutida é a da confiança. Afinal, acreditar na competência e na eficiência do profissional de quem você entrega sua saúde é essencial para que a relação seja saudável. Seja pelas credenciais do médico ou pelo tempo de convivência. ;Confiança é muito importante. Mas ela não existe a princípio. O médico tem de conquistá-la;, frisa Alonso. Alguns pontos, ele diz, contribuem para isso, como uma atitude empática do médico, o interesse no caso e o respeito absoluto ; o que inclui até mesmo atender nos horários combinados, sem grandes atrasos. Mas se a confiança deve ser conquistada pelo médico, os profissionais frisam também que o paciente deve estar aberto às indicações do profissional. ;Essa relação deve ser construída. Tudo bem quando o paciente quer uma segunda ou terceira opinião, mas quem tem muitos médicos não tem nenhum. Se você tem um bom médico, é melhor. A intimidade e a confiança vêm com o tempo;, salienta o clínico geral Roberto Valente.


Quando repensar a relação com o seu médico
1. Ele não lhe escuta
A anamnese deve ser uma conversa franca, e o profissional precisa estar interessado em cada detalhe do seu histórico. Se você diz todos os seus sintomas ou se queixa de alguma medicação e o médico lhe interrompe com frequência, não volta atrás em um diagnóstico ou trata suas reclamações com desdém, há algo de errado. É essa a origem de grande parte dos erros de diagnóstico.

2. Ele nunca está disponível
Se você tem dúvidas sobre o tratamento, apresenta um novo sintoma repentinamente ou mostra alguma reação ao medicamento que o médico receitou, deve entrar em contato com ele imediatamente. Se ele não disponibiliza um número de telefone em que você possa encontrá-lo em qualquer horário ou uma outra forma de contato rápido, você tem um problema.

3. Você nunca sabe o que se passa
Transparência é uma parte importante da relação. Ainda que o diagnóstico seja ruim, é direito do paciente, se assim ele quiser, saber o que tem, qual é o seu prognóstico e conhecer cada etapa do tratamento. Recorrer aos familiares é o ideal apenas quando o paciente não tem condições de enfrentar a verdade, quando está inconsciente ou tem, por exemplo, alguma deficiência mental.

4. Ele tem pressa
Uma boa consulta não dura cinco ou 10 minutos. O tempo varia de caso para caso e entre especialidade, mas, em geral, o médico deve fazer todas as perguntas necessárias, partir para um exame clínico para, só depois, avaliar a necessidade de exames complementares.

5. Ele não cumpre horários
Atrasos grandes, que se alongam por horas, não devem ser rotina. Se ele sempre marca mais pacientes do que comporta a sua agenda, pode ser que esteja mais interessado no lucro do que na saúde dos pacientes. Além disso, atender muitos pacientes por dia pode levar ao tópico anterior, o da pressa.