Há 90 anos, a Semana de Arte Moderna terminava em São Paulo ; ela ocorreu entre 11 e 17 de fevereiro. O movimento que reuniu artistas plásticos, músicos, poetas e escritores mudou a história cultural do Brasil. Além de propor uma nova maneira de fazer e ver a arte, os participantes revolucionaram o comportamento da época. Eles provocaram a sociedade conservadora paulistana a pensar de uma maneira mais vanguardista. Fizeram obras que fugiam do tradicional e questionaram os valores da família brasileira. Parte dessa mudança estava na inclusão das mulheres na raiz do movimento. Apesar de apenas três terem participado do evento ; Anita Malfatti e Zina Aita expuseram quadros e Guiomar Novais tocou Chopin no piano ;, elas foram pioneiras, pois usaram técnicas artísticas que não eram de ;bom tom; para as mulheres adotarem.
Apesar do número pequeno, o passo foi grande quando se contextualiza o período. Às mulheres não era nem permitido votar ; esse direito só foi concedido 10 anos depois. Elas eram criadas para casar e ter filhos. Fazer quadros para expor já era um escândalo, participar de um movimento vanguardista era ainda mais inimaginável. ;Elas provocaram mudanças no comportamento feminino que só foram ser sentidos anos depois. Pagu, por exemplo, que entrou no movimento anos mais tarde, foi influenciada por essa geração de mulheres;, analisa Antônio Carlos Abdalla, curador da exposição Tarsila do Amaral ; Percurso afetivo, inaugurada na semana passada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Quando se refere às artes plásticas, Anita e Tarsila ; que chegou de Paris no fim de 1922 ; se transformaram nos grandes nomes do modernismo.
Há quem acredita que o movimento não seria o mesmo sem a participação delas. Afinal, foi Anita Malfati a primeira modernista a fazer uma exposição no Brasil, antes mesmo de qualquer um dos outros integrantes homens. Em 1917, recém-chegada de estudos no exterior, ela resolveu expor suas criações inspirada no expressionismo alemão. Além de não pintar paisagens sem graça e temas religiosos ; o que a sociedade esperava das mulheres artistas ;, Anita representou alguns nus masculinos com gestos femininos. Ela foi duramente criticada pelos jornalistas na época, principalmente por Monteiro Lobato ; que ainda não era um grande escritor de histórias infantis ;, no artigo Paranoia ou mistificação?.
;Penso que Lobato e seus contemporâneos, embora concentrassem sua crítica no estilo modernista de Malfatti, estavam certamente escandalizados pela liberdade daquela jovem;, escreveu Ana Mae Barbosa, professora da Universidade de São Paulo, em artigo escrito para o 19; Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Mas foram as duras críticas ao trabalho de Anita que impulsionaram os modernistas a se juntarem para defender os ideias do movimento. ;A partir dali, começou a se formar o movimento, os artistas que pensavam de forma parecida se uniram e, naquele momento, a sociedade foi provocada por algo inteiramente diferente;, ressalta Maria de Lourdes Teodoro, professora aposentada de artes plásticas da Universidade de Brasília (UnB).
O clima de aprovação e aversão do modernismo provocou uma mudança notória no comportamento da sociedade brasileira. A Semana de Arte Moderna foi responsável pela construção da modernidade no Brasil. Ela estimulou uma vida cultural interessante. A união das elites cultural e social gerou uma série de novas medidas, como projetos de museus, universidades, jornais importantes e partidos políticos. ;A semana de arte não teria importância sozinha. Foram as mudanças que o evento provocou na vida cultural e intelectual de São Paulo que legitimaram o movimento;, acredita Maria Eugênia Boaventura, professora de teoria literária da Universidade de Campinas.
No limbo
As artistas mulheres brasileiras do século 19 e início do século 20 foram apagadas da história da arte. No tempo em que produziram, entre as décadas de 1890 e 1910, eram reconhecidas como grandes pintoras, mas caíram no esquecimento ao longo dos anos. Nomes como Maria Pardos, Abigail de Andrade e Alice Santiago tiveram significativa espaço no cenário mundial, participaram de exposições fora do Brasil, mas atualmente não têm peso na história da arte brasileira. Foi só após a Semana de Arte Moderna de 1922, com Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, que as mulheres foram reconhecidas como importantes para a história cultural do país.
Comportamento de vanguarda
Cada uma delas era moderna à sua maneira. E todas tinham em comum o fato de nunca terem levantado a bandeira do feminismo ; mesmo que o movimento considere a participação delas importante para a emancipação da mulher. Tanto que as modernistas nunca fizeram um movimento paralelo das mulheres-artistas. Eram amigas, apesar de terem algumas brigas ao longo dos anos. Elas simplesmente viviam suas vidas, mas de uma maneira vanguardista para a época. ;Apesar de terem uma vida agitada, elas não faziam essas coisas para chocar. Era o jeito delas;, acredita Tarsila do Amaral, sobrinha-neta da artista, de quem herdou o nome.
Tarsila do Amaral (1886 ; 1973)
Anita Malfatti (1889 ; 1964)
Pagu (1910-1962)
Olívia Guedes Penteado (1872-1934)
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