Os médicos afirmam que, de forma geral, a detecção dos cânceres de sangue ; exceto os mais nocivos, que levam seus hospedeiros a emergências hospitalares em questão de dias ; ainda é tardia no país. São oito meses, em média, entre o primeiro sinal e o diagnóstico. ;Para quem tem um câncer no sangue, isso é muito. Quem tem câncer tem pressa;, enfatiza Cármino Antônio Souza, hematologista da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Hematologia, Hematoterapia e Terapia Celular (ABHH). Parte da culpa, ele aponta, é da falta de conhecimento dos sintomas da doença, tanto por médicos plantonistas quanto pela população. ;No primeiro sintoma, muitos correm ao pronto-socorro, que já não é o melhor lugar para ir. E lá, se um médico vê uma íngua na região do pescoço, ele não vai suspeitar de cara de um câncer, porque a chance de ser é realmente pequena. Mas ele precisa estar preparado para desconfiar. O médico só diagnostica aquilo que conhece;, sublinha.
Entre os tipos mais comuns de câncer de sangue estão os linfomas, as leucemias e o mieloma múltiplo. Este último afeta as células plasmáticas, mais comum entre a população idosa. Em se tratando de linfomas e leucemias, as classificações são muitas. Para o linfoma, por exemplo, existem os Hodgkin, agressivos e quase sempre curáveis, e os não-Hodgkin, como os diagnosticados em Gianecchini e na presidente Dilma Roussef, em 2009. Os não-Hodgkin, por sua vez, podem ser de células B (que correspondem a 80% dos casos), e de células T, cuja evolução é um pouco mais lenta, embora mais resistentes à quimioterapia. Já a leucemia pode ser linfóide ou mielóide, aguda ou crônica, subtipos que apresentam sintomas, evolução e tratamentos bastante diferentes.
Cada diagnóstico, uma sentença
Como leucemias crônicas assintomáticas são a exceção à regra, há uma infinidade de outros tumores sanguíneos que há muito não só despertam a curiosidade médica como têm ajudado a oncologia a dar passos largos rumo a novos e menos agressivos tratamentos. A leucemia mieloide crônica (LMC), por exemplo, foi responsável por uma enorme revolução no tratamento oncológico quando, nos 1990, os médicos descobriram o cromossomo portador da mutação que desencadeava o seu aparecimento. A descoberta deu origem à substância conhecida hoje como imatinibe, usada não só no tratamento da LMC, mas muito eficiente também contra alguns tumores gastrointestinais. ;O tecido sanguíneo é muito acessível. Para que você possa estudá-lo, basta colher uma amostra de 5ml de um paciente. Por isso, a medicina avança tanto no tratamento contra cânceres sanguíneos;, tranquiliza o oncologista Gustavo Fernandes, coordenador da Unidade de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês Brasília.
O mieloma, por exemplo, que até bem pouco tempo era motivo de preocupação, deixou o estigma de incurável para trás. A viabilização do transplante autólogo ; o mesmo pelo qual passou Reynaldo Gianecchini ; e o advento de drogas como a talidomida e a lenalidomida renovaram as expectativas dos portadores da doença. ;Muita gente até torcia o nariz quando fazia um diagnóstico desses;, frisa Fernandes. ;Mas hoje o tratamento dá resultados excelentes. É gostoso tratar a doença e ver essa evolução no paciente; continua.
De você para você mesmo
O transplante autólogo, praticado no Brasil há uma década, revolucionou o tratamento do mielomas e de algumas leucemias e linfomas para os quais a única alternativa era a quimioterapia comum ou o transplante alogênico, com uma amostra de medula óssea altamente compatível ao material genético do doente. O procedimento autólogo é feito em três etapas: primeiro, colhe-se uma amostra de células-tronco do próprio paciente. Depois, o doente recebe quimioterapia de ataque, que destrói a medula cancerosa do paciente e dá lugar a uma nova. Por fim, são reimplantas as células retiradas e, em pouco tempo, a medula óssea está recomposta. ;Ao contrário do método de transplante tradicional, o autólogo não oferece risco de rejeição e oferece apenas 5% de risco complicações graves, contra 30% nos transplantados alogênicos;, aponta o hematologista Jorge Vaz.
Diagnosticada há dois anos com mieloma múltiplo, a aposentada Maria da Conceição Oliveira, 66 anos, prepara-se agora para a última etapa do seu transplante autólogo, exatamente na idade limite em que o procedimento é recomendado. Os dias difíceis seguintes ao diagnóstico ; feito depois de uma peregrinação por diferentes especialistas em busca da causa para a anemia mostrada em um exame de sangue ; deram lugar à confiança. ;Eu nunca tinha ouvido falar na minha doença nem em transplante autólogo. Achei até que tivesse leucemia no início e tive muito medo. Mas o mais difícil passou e eu estou confiante de que tudo correrá bem;, conta, mais aliviada.
Transplante de medula, ainda um problema
Mas se Maria da Conceição pôde usufruir do transplante autólogo, há casos ainda em que a esperança reside no transplante alogênico. Os poucos para os quais o imatinibe, descoberto nos anos 1990, não representa a solução. Segundo cálculos da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), uma fundação e apoio a doentes e familiares, cerca de 1,8 mil pacientes aguardam hoje na fila por um doador de medula compatível. Até outubro do ano passado, o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), contava com mais de 2,5 milhões de cadastros. ;O problema é que, no Brasil, o tempo médio entre o cadastro do doador e a convocação é de dez anos. Mas, nesse período, os dados não são atualizados, o que significa que muitos nunca serão localizados;, lamenta a presidente da Abrale, Merula Steagall. ;É um desperdício de investimento, já que cada doador cadastrado custa para o governo R$ 780;, continua.
Mesmo que o transplante alogênico ainda seja a cura para muitos pacientes, as dificuldades vão muito além de encontrar um doador compatível ; a cada 10 mil cadastrados, apenas um será convocado. ;A maior probabilidade é entre irmãos. O sonho de qualquer médico que precise realizar um transplante alogênico de medula é encontrar aquelas famílias com 12, 13 filhos;, salienta Gustavo Fernandes, do Sírio-Libanês. Depois de realizado o transplante, a torcida é pela recuperação do paciente sem complicações. A mais comum é a chamada Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro, ou Dech, quando a nova medula reconhece o receptor como um corpo estranho. ;O transplante alogênico é possivelmente um dos procedimentos mais complexos da medicina, porque você substitui a fábrica de sangue do paciente;, resume Fernandes. ;Quando você transplanta um rim, por exemplo, é o organismo que rejeita o órgão transplantado. Mas se você transplanta o sistema imunológico, é o sistema que vai rejeitar o organismo inteiro. A boa notícia é que as medidas de suporte vêm ganhando com a tecnologia e o procedimento está bem mais seguro do que era;, ameniza.
Doação de medula óssea
Idade: O doador deve ter entre 18 e 55 anos.
Saúde em dia: Ao se voluntariar, o potencial doador passa por alguns exames de triagem para detectar HIV, sífilis, hepatite, doença de Chagas, HTLV, anemia, grupos sanguíneos e Fator Rh.
Cadastro: No cadastro, feito em um hemocentro, são colhidos do doador apenas 10 ml de sangue. A amostra passa por um exame laboratorial (o HLA), que determina suas características genéticas.
Arquivo: As informações ficam armazenadas em um cadastro nacional, o Redome.
Compatibilidade: Quando é encontrado um doador compatível, o voluntário é chamado para fazer outros exames de compatibilidade genética. Só depois o doador decide se vai mesmo prosseguir.
Procedimento: Na doação, o voluntário recebe anestesia geral e a medula é aspirada do osso da bacia através de uma agulha. A quantidade de medula óssea retirada do doador é de apenas 10% do total e, com aproximadamente 15 dias do procedimento, ela já está recomposta.
Para doar em Brasília
Fundação Hemocentro de Brasília
Hospital de Base
Mais informações: (61) 3327-4413
Os números do transplante
- São encontrados doadores para apenas 25% dos pacientes.
- Desses, cerca de 30% morrem de complicações decorrentes do procedimento.
- A cada 10 mil cadastros no Redome, apenas um é chamado.
Atenção aos sintomas
Quanto a isso, não há regra. A doença pode, inclusive, permanecer assintomática por um longo período. Porém, é preciso estar atento a alguns sinais:
Leucemias
Febre
Infecções frequentes
Cansaço
Anemia
Sangramentos na gengiva, no nariz ou fluxo menstrual anormal
Palidez
Manchas vermelhas pelo corpo
Hematomas frequentes
Dor óssea
Linfomas
Ínguas no pescoço, axilas, virilhas e atrás dos joelhos
Infecções
Febre noturna ou no final da tarde
Sudorese
Perda de peso