Essa breve digressão ajuda a entender por que sentimos tanta saudade de certas escolas públicas. Mas é necessária alguma cautela para se aproximar do assunto com a devida justeza, aponta o professor Célio da Cunha, da Faculdade de Educação da UnB. ;Você teve, no passado, escolas públicas que marcaram época. Não muitas, mas de excelente qualidade, algumas ligadas a instituições universitárias. Com o processo de democratização da educação, a rede se expandiu, tanto para atender o ensino fundamental quanto o médio. Até diria que não houve, propriamente, uma queda de qualidade, como muitas vezes se noticia: houve uma expansão por baixo. Ou seja, boa parte da expansão da escola foi feita sem que o poder público a dotasse das condições mínimas. Por isso, muita gente hoje, de uma forma saudosa, fala de declínio.;
O fio da meada puxado pelo pesquisador conduz a um quadro nada lisonjeiro de nossas instituições. ;Dá para dizer que, historicamente, essa expansão se fez às custas dos péssimos salários dos professores;, crava. Apenas nos últimos anos o Estado esboçou uma reação, ainda que titubeante. Hoje, destinamos ao setor cerca do 5% do PIB. A promessa da presidente Dilma Rousseff é que o investimento chegue a 7% muito em breve, lembra o especialista. Mas se a penúria dos docentes desanima, algo muito promissor vem ocorrendo no seio da sociedade. ;A mãe do aluno desempenhou nos últimos anos no Brasil o papel brilhante de lutar pela vaga do filho na escola. Há 15 anos, era frequente ver mãe dormindo na porta da escola para segurar o lugar. Essa etapa foi mais ou menos vencida. A próxima é ficar vigilante, para cobrar qualidade.;
Antes de se despedir, a reportagem lançou ao professor Célio a seguinte provocação: ;O dia em que o filho de senador estudar em escola pública, ela será boa. O que o senhor pensa disso?;. A resposta veio sem pestanejar: ;É um pouco diferente disso: o dia em que a escola for boa, o senador vai matricular o seu filho. A elite do Rio de Janeiro, por exemplo, até hoje matricula os descendentes na Dom Pedro II. Mas acho que o Brasil já iniciou essa luta. Você já vê sinais disso, como nas escolas do Plano Piloto disputadas por membros da classe média. Da mesma forma que a UnB é muito procurada. A elite corre atrás. Ela sabe o que é bom.;
LEIA, A SEGUIR, A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM O PROFESSOR CÉLIO DA CUNHA
Em que momento na história do país ocorreu essa inflexão, em que a escola pública deixou ser um modelo de excelência e se transferiu a responsabilidade da educação para o sistema privado?
Com poder público à frente do processo...
Esse é o fato fundamental. Então essa elite que estudava em escola particular nos anos 1930 do século passado continua estudando ; hoje ela está no Colégio São Luís, em São Paulo, ou naqueles colégios particulares que toda grande cidade possui. Os colégios particulares são destinados à elite. Aqui, em Brasília, temos também essas escolas destinadas à elite. Essa grande expansão, a partir dos anos 1950, continua até chegarmos hoje à quase universalização do ensino primário, e agora também ao processo deflagrado de universalização da escola média. É o poder público que está arcando com isso.
E experiências como os colégios de aplicação, ou o Ciem (Centro Integrado de Ensino Médio), aqui, no DF? Não houve um declínio da qualidade?
Esse é um dado extremamente interessante. Você teve, no passado, escolas públicas que marcaram época. Não muitas, mas de excelente qualidade, algumas ligadas a instituições universitárias. Com o processo de abertura de mais escolas, de democratização da educação, a rede se expande, tanto para atender o ensino fundamental quanto o médio. Até diria que não houve, propriamente, uma queda de qualidade, como muitas vezes se noticia: houve uma expansão por baixo. Ou seja, boa parte da expansão da escola foi feita sem que o poder público a dotasse das condições mínimas. Por isso, muita gente hoje, de uma forma saudosa, fala de declínio.
Optamos, então, por um modelo...
Em certo sentido, você pode fazer a seguinte afirmação: boa parte da expansão das escolas de educação básica do Brasil foi feita com o preço dos maus salários economizados no pagamento dos professores. O salário foi estancado, nessa expansão, não houve uma evolução do salário dos professores. Apesar de tudo, eles enfrentam o desafio, de uma maneira ou de outra, bem ou mal, eles estão assegurando uma grande expansão da educação. Ou seja, essa expansão da educação foi feita sem que se ampliasse o investimento educacional. Apenas nos últimos anos, já na gestão Fernando Haddad, começou um processo de lenta recuperação dos investimentos em educação. Mas esse é um fato recente. Estamos em torno de 5% do PIB. Há uma promessa da nossa presidente, Dilma Rousseff, de ampliar esses investimentos para, pelo menos, 7%. O Plano Nacional que está sendo discutido na Câmara dos Deputados, está prevendo um aumento de 8%. Não sei se será efetivado.
Há um interesse renovado da classe política?
Existe hoje uma lucidez maior dos governantes. Até para preencher a expectativa das famílias. Isso é importante: cobrem do poder público, cobrem qualidade. A mãe do aluno desempenhou nos últimos anos no Brasil o papel brilhante de lutar pela vaga do filho na escola. Há 10 ou 15 anos, era muito frequente, na época de matrícula, uma mãe chegar a dormir na porta da escola até mais de uma noite para segurar uma vaga para o seu filho. Essa etapa foi mais ou menos vencida. A próxima etapa agora é: que essa mãe continue vigilante na escola para cobrar agora não mais a vaga, mas a qualidade da vaga oferecida, que é a qualificação das oportunidades de educação ; esse é um direito. E a cobrança de qualidade é do poder público. O professor tem procurado fazer o máximo. Tem distorções? Tem. Mas, historicamente, essa expansão se fez às custas dos péssimos salários deles.
Às vezes se diz que o dia em que o filho de senador estudar em escola pública, ela será boa. O que o senhor pensa disso?
É um pouco diferente disso: o dia em que a escola for boa, o senador vai matricular o seu filho. A elite do Rio de Janeiro, por exemplo, até hoje matricula seu filho na Dom Pedro II. O dia em que essa escola for boa. Acho que o Brasil já iniciou essa luta. Você já tem sinais disso: há escolas do Plano Piloto muito disputadas. E em todos os estados você encontra essa situação. Sempre que a elite percebe que a escola é boa. Da mesma forma que procura a UnB. A elite corre atrás. A elite sabe o que é bom.
Então qual é o nosso problema? Estrutura física, foco de investimento?
O fator financeiro é básico. Ele é estruturante. Quando você observa o desempenho dos países que ostentam a melhor educação do mundo percebe que há uma correlação positiva. Pode haver exceções, pois só o dinheiro não traz qualidade. Mas o dinheiro tende a ser condição para um projeto pedagógico moderno e atual.