Na tradução literal do verbo, empreender quer dizer "realizar", "pôr em execução" ou "decidir fazer uma tarefa difícil e trabalhosa". Para o mercado, empreender significa sair da zona de conforto, produzir algo novo e ganhar dinheiro com isso; movimentar a economia e empregar pessoas. Na vida pessoal, o mesmo verbo assume simbologias diversas. Para alguns, é mudar completamente de vida, realizar sonhos, resgatar a autoestima e descobrir o próprio valor. No caso das mulheres, a prática pode ter um significado ainda mais especial. O empreendedorismo feminino denota a superação dos gêneros. A mulher empreendedora no Brasil é aquela que assume a própria família, que se dedica aos estudos para se superar. É a mesma que deseja se sustentar e cuidar dos filhos. Uma mulher criativa, que transforma em ouro aquilo que faz de melhor.
Há motivos para valorizar essa figura tão diferenciada. No Brasil, elas não param de empreender. Segundo dados da pesquisa GEM (Global Entrepreneurship Monitor), em 2010 (último ano do estudo), dos 21,1 milhões de brasileiros considerados empreendedores, 49,3% eram mulheres. Ao todo, elas têm 10,4 milhões de representantes. A pesquisa é realizada em 59 países e mede a diferença entre o nível de empreendedorismo no mundo. No Brasil, o estudo é feito desde 2000, em parceria com o IBPQ (Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade) e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas).
Os resultados mostram um crescimento significativo da liderança feminina nos negócios. Em 2001, elas correspondiam a apenas 29% dos empreendedores no país. A partir do ano seguinte, elas quase se igualaram aos homens, chegando a ter 42% de participação no montante. Nos anos seguintes, a paridade se manteve, chegando a ser superada por elas, em 2009, com um percentual de 53%. Tais estatísticas conferem à brasileira o status de uma das que mais empreende no mundo. Elas perderam apenas para Gana e Turquia, onde mais mulheres ainda estão à frente de negócios.
Isso sem falar nas que são empreendedoras individuais. Aquela artesã que fazia peças em casa e vendia para os conhecidos; a doceira que atendia os clientes na própria cozinha ou a moça que vendia cosméticos de porta em porta. Dos 10.500 empreendedores individuais cadastrados no Brasil, 45% são mulheres. "Hoje temos mais mulheres responsáveis pelo sustento da casa. Além disso, elas têm mais anos de estudos e estão mais preparadas para empreender do que os homens, ampliando seu espaço na economia", aposta Romeu Friedlaender Júnior, analista do IBPQ. "Sendo sua própria chefe, a mulher tem mais flexibilidade de tempo e consegue conciliar as tarefas de trabalhar, educar os filhos e dedicar-se a família", acrescenta Tales Andreassi, coordenador do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas.
A mulher é dona de predicados singulares quando quer tornar um projeto realidade. "As mulheres são muito persistentes. Algumas inclusive enfrentam dificuldades com o marido, que não aceita a independência financeira delas", avalia Adrianne Rocha, gestora do Prêmio Mulher de Negócios do Sebrae no Distrito Federal, um prêmio que desde 2006 enaltece as experiências lideradas pelas mulheres tanto em negócios coletivos (associações, cooperativas, grupos de artesãs) e também nas micro e pequenas empresas.
Adrianne acrescenta que, entre as particularidades desse público, está a facilidade de comunicação e a sensibilidade em lidar com os empregados. "Elas valorizam seus funcionários, estão mais preocupadas com capacitação das pessoas, querem ver sua equipe de trabalho crescer", afirma. Também lideram equipes inteiras com firmeza, não temem os riscos, enfrentam preconceitos. Algumas seguem o caminho do próprio sonho, outras vivem o sonho de ver os demais desfrutarem das mesmas conquistas. Mulheres talentosas que quebram a cabeça para encontrar uma forma de ganhar dinheiro, ter prazer com o trabalho e ainda se destacar no que fazem. A Revista conta hoje a trajetória de seis mulheres. Cada uma na sua área. Uma faz roupas, outra cozinha; uma mora em bairro nobre, a outra cata lixo; uma delas desfruta da tranquilidade do campo e a outra tem que lidar com os estragos provocados ao meio ambiente pela rotina da cidade grande.
Jaqueline, Patrícia, Elizabeth, Janice, Rosângela e Tia Zélia não se conhecem, mas guardam semelhanças. Mudaram a rotina ao virarem patroas de si mesmas, confiaram no projeto que criaram, não desanimaram diante das dificuldades e hoje desempenham muito bem as tarefas que se propuseram a fazer. São empreendedoras e transformadoras também.
Do jeito delas
Desde 2009, as empreendedoras individuais podem se cadastrar no Portal do Empreendedor do Sebrae. "Ao formalizarem a atividade comercial, automaticamente elas passam a usufruir de benefícios como auxílio maternidade e aposentadoria, os quais elas não tinham direito antes", explica Stefano Portuguez, gerente da unidade de atendimento individual do Sebrae no Distrito Federal. Com a regularização da situação, elas podem atuar como empresas e ampliar as atividades. "Como empreendedoras podem ter acesso a linha de créditos em banco, conseguir fornecedores, por exemplo", acrescenta Stefano.
Motivação: necessidade ou oportunidade?
A razão que leva uma mulher a abrir o próprio negócio é a mesma que estimula o homem a ser o próprio patrão: pagar as contas de casa e ter possibilidade de aumentar os rendimentos. Associado a isso, a mulher tem o desejo de se tornar independente financeiramente. Muitas ficaram viúvas ou são mães solteiras. Precisam manter a família. Tocar o próprio negócio permite ter horários mais flexíveis, administrar os diversos papéis como o de ser profissional, cuidar dos filhos e da casa. "A mulher não exclui a empresa de seu contexto cotidiano", garante Jaqueline Almeida, gerente de atendimento individual do Sebrae Nacional.
Na hora de escolher que caminho seguir, a maioria opta por algo que gosta ou já sabe fazer. "Um dos diferenciais do empreendedorismo feminino é associar a vocação à necessidade empreendedora. Ela pensa na habilidade que tem e naquilo que faz melhor", considera João Batista Bonomo, professor de empreendedorismo do IBMEC de Minas Gerais. Resumindo, as mulheres abrem o próprio negócio pela necessidade, quando não há escolha a não ser arriscar e tentar ganhar dinheiro com seu talento, ou pela oportunidade, aliando o desejo de ser empresária com a perspicácia de identificar uma chance de realizar esse sonho. Entre as empreendedoras entrevistadas pelo Correio, cada uma tem um explicação para ter se aventurado em tocar uma empresa, uma cooperativa ou uma associação.
Foi a tristeza de ficar à toa que fez com que Rosângela de Almeida, 46 anos, quebrasse a cabeça para fugir da monotonia. Mineira de Ipatinga, ela veio para Brasília há 18 anos, quando o marido foi transferido para a capital. O casal foi morar na zona rural de Brasília, em uma chácara ampla, com uma casa confortável. Qualidade de vida ímpar, mas uma tranquilidade que irritava a ex-professora. "Tive febre de tristeza. Precisava saber o que fazia de bom e colocar isso aqui, produzindo", conta Rosângela, que, na época, estava grávida.
Ela pensou em reflorestar a área, montar um restaurante, criar codornas. Desistiu e investiu em patos. No começo, foi complicado. "Não sabia matar o pato. Uma vez coloquei o pato na água quente e ele tentou fugir da panela. Tirava as penugens com pinças", conta, rindo. Apesar do desajeito, vendeu todos os patos que preparou. "Fiz todo enxoval do meu filho com o dinheiro da venda das aves."
Quando o estoque do bicho acabou, pensou em doces. Sabia fazer doce de goiabada cascão. Fez um, dois, três tachos. Perdeu algumas receitas. Outros ficaram doces demais. Quando acertou, o marido vendeu para os amigos do trabalho. "Sabia que alguém ia gostar e ia pedir mais", conta, confiante. As pessoas gostaram. Pediram mais. Mas Rosângela só trabalhava com encomenda. "Precisava de tempo para encontrar a matéria-prima", relembra. Naquela época, só tinha quatro goiabeiras e nem sempre a fruta estava disponível. Até o dia que foi em uma feira de produtos naturais. Gostaram do doce dela. Foi quando decidiu: "Vou abrir uma fabricazinha disso para mim". Era o primeiro passo para formalizar a produção da goiabada batizada de D;RO (da Rosângela).
Angustiada também andava Elizabeth Rodrigues Souza, 42 anos. Ela nunca trabalhou fora de casa. Passou a vida cuidando do marido e dos três filhos. Até que eles cresceram e a tal síndrome do ninho vazio realmente pesou. Chegou a entrar em depressão, tamanha a sensação de dias vazios e sem objetivos. Em 2006, soube de um grupo de mulheres no Recanto das Emas, onde mora, que bordavam e costuravam. Decidiu se unir ao grupo para aprender algo novo, fazer amizades e preencher as horas. Começou a tomar gosto por vender o que fazia e ganhar o próprio dinheiro. Até para o Caribe as roupas bordadas pelo grupo foram enviadas. Logo, Beth tomou gostou e decidiu continuar. Hoje, ela lidera o grupo As floristas, que costuram e bordam roupas femininas.
Da miséria à liderança
Ser líder é uma das características de um bom empreendedor. A capacidade de agregar as pessoas, solucionar problemas e dividir tarefas, facilitam a vida de quem precisa trabalhar em equipe. "Acho que meu ramo é mesmo liderar. Sem querer me gabar, fiz coisas que até eu mesma me surpreendo", confessa Jaqueline de Sousa da Silva. Ela tem 24 anos, mas experiência de quem já viveu muito mais. O jeito determinado de falar e a postura destemida explicam por que ela, tão jovem, com 16 anos, tornou-se líder de quase 250 pessoas que moravam em uma invasão que ficava atrás do Carrefour Sul. "Se alguém tinha um problema com a polícia, se passava mal, se tinha fome, era no meu barraco que batiam para pedir ajuda", lembra Jaqueline, hoje presidente da cooperativa de Catadores Reciclo, no Riacho Fundo, e diretora da Central de Cooperativas.
A jovem conheceu dias difíceis de fome e miséria. Desde os 11 anos pipocava de favela em favela com a mãe e o resto de enorme família (irmãos, tios, madrasta, primos, pai, agregados). Montavam o barraco em um dia, poucas semanas depois vinha a polícia e derrubava tudo. Seu sonho era mudar de vida. Não ver nunca mais a mãe tentando resgatar panelas e roupas dos destroços que sobravam do barraco demolido. O único momento em que ela se emociona durante a entrevista, aliás, é relembrar a trajetória de sua mãe. "Minha mãe quebrou pedra para sobreviver, para fazer calçada, tapar buraco."
Por isso, desde muito nova, o sonho dessa jovem era melhorar a realidade da família. Para ganhar umas moedas, vendeu doce no sinal, pediu esmolas, foi faxineira. Aos 11 anos, decidiu ajudar os irmãos e os pais a catar papelão para vender. Usavam uma carroça para recolher o material. Aos 12 anos, comprou uma égua com os trocados que economizava. A partir de então, ia sozinha, com a própria carroça conquistar seus papelões. Todo o dinheiro ia para a mãe. "Pelo menos a gente não passava fome mais", comenta.
Paralelamente a isso, ela estudava. "Sem estudo, a gente nunca pode melhorar na vida", defende. Também procurava sua independência. Trabalhava das oito da manhã às cinco ou seis da tarde para ganhar R$ 40 por dia. Além do papelão, a então criança começou a incrementar a oferta de produtos com latinhas e seda, que na linguagem dos catadores se refere a saquinhos e embalagens plásticos. Ao mesmo tempo, montou o próprio barraco e sonhava em entrar com o carrinho de compras em um supermercado. Para isso, precisava ganhar mais, ter uma casa digna e um trabalho. Foi quando receberam mais uma daquelas visitas de comunidades cristãs. Alguém viu o trabalho de Jaqueline e de sua família como catadores. Outros vizinhos também já tinham entrado no ramo. Veio a sugestão: que tal aproveitar a mão de obra que já se dedicava a recolher o lixo e montar uma cooperativa de catadores? Por ali, ninguém sabia do que se tratava. Jaqueline, nessa época já com uns 15 anos, era uma das poucas que sabia ler e escrever. Ela então assumia, a partir daquele momento, a missão de como sair da miséria formalizando o trabalho daquelas famílias.
Vida dura também enfrentou Maria de Jesus Oliveira da Costa, 57 anos. Na capital, ficou conhecida como Tia Zélia, mas ela nasceu em uma fazenda do interior da Bahia onde o sentido de vida apertada "é pouco", como ela mesmo diz. Ali, o trabalho era na roça. Plantava-se para comer. Se a fazenda vizinha não tinha comida, dividia-se o pouco que conseguia colher. Roupa era costurada na mão. Farinha virava moeda de troca.
Com 18 anos, ela já tinha três filhos. O pai das crianças a deixou na terra natal, com as dificuldades financeiras e os filhos para criar. No fim da década de 1970, ele tinha seguido para a recém-inaugurada Brasília e não voltou mais. Corajosa, Maria de Jesus pegou carona em um caminhão e diz ter levado quase um mês para chegar à capital. Veio com um filho de 9 meses nos braços e a primogênita no colo. A filha do meio ficou com a avó na Bahia. Os planos eram arrumar um emprego, ganhar dinheiro e reunir a família novamente.
Sem estudos, a baiana foi fazer o que sabia: cozinhar e cuidar da casa. Por 20 anos, trabalhou em casas de engenheiros e de gente endinheirada. Tinha se separado, morava em um quartinho alugado na Vila Planalto. Os dois filhos moravam com o pai, que tinha uma situação melhor. "Mas no fim de semana ia lá, arrumava a casa, fazia comida para eles," relembra. Na rotina de doméstica, encantava pelos dotes culinários. Simpática e falante, nunca faltou emprego. Os patrões adoravam essa pequena de 1,50m. Mas ela queria mais. Sonhava em abrir o próprio negócio.
A sorte começou a mudar em 1991, quando foi trabalhar em um buffet de festas. O dinheiro que ganhava, guardava. Conheceu o dono de um restaurante que vendia frutos do mar. "Ele foi com a minha cara. Me olhou e disse que tinha nascido para ser patroa e não empregada", conta. Confiante na competência dela, esse empresário fez a proposta de que ela revendesse os peixes que ele forneceria. Nem freezer Tia Zélia tinha, mas topou na hora e, antes de os peixes chegarem, ela foi negociar a compra de um freezer "à vista", como faz questão de ressaltar.
O quartinho onde morava virou uma mercearia improvisada. Na porta do cômodo, ela colocou uma placa avisando que ali peixes eram vendidos. Logo, a vizinhança daquele lugar de terra vermelha se interessou. Ela vendia toda a mercadoria e a freguesia pedia mais. Foi quando teve a certeza de que a chance de montar seu negócio era aquela. "Eu teria o primeiro restaurante de fundo de quintal da Vila Planalto."
A hora de decisão
Unir talento e trabalho pode ser, de fato, o primeiro passo de um grande negócio. Formada em letras, há seis anos, Janice Dantas, 41 anos, era mais uma professora de inglês que tinha tarefas a cumprir e contas a pagar. Para incrementar a didática, levava para a sala de aula uma de suas paixões: os cortes e recortes de papel. A aula ficava mais animada e Janice, mais feliz em poder unir trabalho e hobby. Apaixonada por itens de papelaria, nos anos 1990, ela conheceu nos Estados Unidos as técnicas do scrapbooking (decoração e álbuns feitos de papel). Desde então, fazia caixas, cartões, álbuns para si mesma e para os amigos. Sem pretensões, apenas pela diversão. Até o dia que teve uma espécie de show de talentos na escola em que trabalhava. Cada professor deveria mostrar um pouco do que sabia fazer. Claro, Janice levou suas graças em papel. Alunos e outros professores se encantaram. Fizeram encomendas e Janice viu a oportunidade de sustentar a brincadeira.
"Eu vendia para comprar mais material e fazer mais. Não sabia nem colocar preço. Não queria ganhar dinheiro com isso", relembra. Sem querer, porém, o negócio foi naturalmente crescendo. Em 2003, criou a marca Papel Arteiro, passou a expor em feiras da cidade, tirou carteira de artesã. A clientela aumentou e a coisa foi ficando séria. Nos fins de semana, expulsava o marido de casa para transformar a sala em lugar para dar cursos. "Faltava coragem de assumir um negócio. O risco era largar meu salário, que não era alto, mas era garantido."
A dúvida persistiu por, pelo menos, dois anos. Entre a profissão já estabelecida e a aventura incerta do empreendedorismo, Janice levou as duas coisas juntas por um bom tempo. Até que decidiu alugar uma sala para dar curso e vender materiais. O ano era 2005 e ela teria de tomar uma decisão. "Aquilo já tinha tomado proporções maiores. Precisava decidir e o balanço foi: ou eu tentava fazer uma coisa de que eu gostava muito mais que dar aulas de inglês ou continuaria sempre dando aula de inglês", avaliou. Pensou no prazer que teria e na perspectiva de crescimento financeiro. Então, escolheu: deixou a escola e abriu seu negócio.
Se Janice nunca tinha pensado em ser empresária, a dentista Patrícia Paz Giordani, 46 anos, há muito tempo partilhava desse sonho. Dona de uma clínica odontológica em Rondônia, ela atendia "quase um terço da cidade", como contabiliza. Sucesso que custava seu tempo em família. "Não tinha tempo para cuidar de mim, da minha casa, ficar com a minha filha", conta. "Não tinha direito a férias, a 13; salário. Queria encontrar uma maneira de ganhar dinheiro sem que eu tivesse que trabalhar das seis da manhã até as nove ou 10 da noite", acrescenta.
Só não sabia que rumo seguir. Tentou contratar profissionais para sua clínica e apenas comandar a equipe. Não deu certo. Em 2002, a dentista fez um curso de empreendedorismo. "Eles me disseram que o problema é que eu não tinha foco. Como assim? Então, o que estou fazendo da minha vida? Estou vivendo sem rumo? Levei aquele susto, fiquei furiosa e não conseguia parar de pensar nisso", relembra. "Passei os cinco anos seguintes tentando descobrir esse foco", diz. Até que a Vigilância Sanitária, em 2007, bateu à sua porta. Ela e todos os outros profissionais da saúde do estado foram multados por não descartarem corretamente o lixo hospitalar. Na ocasião, eles foram orientados a procurar empresas especializadas no descarte desse tipo de material. No entanto, a empresa mais próxima ficava no Rio Grande do Sul ou em São Paulo. Foi nesse momento que Patrícia descobriu seu foco. "Taí o negócio que vai me tirar da clínica. Era é a oportunidade que eu precisava. Vou montar uma empresa que colete, transporte, trate e destine corretamente os resíduos e unir o útil ao agradável: proteger o meio ambiente e ganhar dinheiro", soube naquele momento.
Quando a ideia vira realidade
Sair do plano da idealização e transformar um sonho em realidade exige coragem. Coragem de sair da zona de conforto, arriscar-se financeiramente, trocar o certo pelo impreciso. Abrir um negócio exige estudos, persistência, criação de metas, análise de mercado. Se der certo, o resultado é mudar de vida, ganhar mais dinheiro, mais autoestima, mais qualidade de vida e se realizar profissionalmente.
A dedicação da mulher quando ela toca uma empresa explica o investimento do Banco Americano Goldman Sachs em criar um projeto, em 2008, para desenvolver o talento empreendedor, a capacidade administrativa de mulheres em mercados emergentes. A meta do projeto 10.000 Women é, como o próprio nome diz, preparar 10 mil mulheres que já atuam na área empreendedora para que elas possam aprimorar os negócios que comandam. "Investir nas mulheres tem um retorno social mais alto do que qualquer outro investimento", afirmam os idealizadores do projeto, que estpa em 22 países.
No Brasil, o 10.000 Women chegou em 2009 e conta com a parceria da Fundação Dom Cabral. O objetivo é capacitar 800 mulheres em Minas Gerais e no Rio de Janeiro para que elas desenvolvam seu perfil empresarial. "Muitas expandem seus negócios e outras até mudam de ramo. Procuramos sempre identificar as que têm aquela energia empreendedora ", comenta Ana Paula Tolentino, da Fundação Dom Cabral.
E quando essa energia está presente, ela mobiliza. Essas empreendedoras correm atrás de formação. Antes de abrir um negócio, estudam e pesquisam. "A mulher no Brasil tem mais anos de estudos do que o homem e está mais preparada para empreender", avalia o analista econômico do IBQP, Romeu Friedlaender. Por isso, não fazem feio.
Uma vez decidida a abrir a empresa de descarte de lixo hospitalar, a dentista Patrícia Giordani foi atrás de conhecimento. "Fiquei seis meses grudada na internet pesquisando onde compraria o equipamento, onde conseguiria o dinheiro", lista. Não parou por aí. Para dominar melhor o tema do negócio fez pós-graduação em gestão, auditoria e perícia ambiental. Vendeu bens e foi morar em outro apartamento. Contou com parcerias e montou equipe de economista, contador, biólogo, sanitarista. Pegou empréstimo, somou às economias pessoais e comprou a máquina alemã que iria incinerar o lixo, além de dois caminhões. Também foi preciso contratar cinco funcionários.
No dia da inauguração da Moura e Paz, em 2009, teve festa. Depois era só arregaçar as mangas e começar a tocar o negócio. Certo? Que nada! Patrícia não contava com a resistência dos médicos e outros profissionais da saúde, que diziam que ela "teria traído a categoria e criado mais um imposto para eles". "As pessoas não entendiam que tratar corretamente o lixo de hospitais e clínicas era lei", explica.
Por quase um ano ela não teve clientes. A máquina era ligada uma, duas vezes por semana. Alguns funcionários pediram demissão por falta de trabalho. "As pessoas diziam que eu era maluca em insistir, mas tinha certeza de que daria certo. Era questão de tempo para as pessoas se adequarem à legislação", avaliava. Patrícia foi buscar clientes nas cidades vizinhas, fechou alguns contratos com prefeituras locais. Aos poucos, as clínicas particulares foram se conscientizando e aderindo ao movimento. Em menos de um ano, ela conquistou 700 clientes.
"Desistir nunca" também era o lema de Tia Zélia. Ainda que não soubesse ler e escrever, ainda que seu único patrimônio fosse uma minguada economia pelos anos de trabalho em casas de família, ela investiu no seu restaurante. "Sou muito inteligente, sei transformar as coisas", orgulha-se. Assim, transformou os peixes que vendia em algo mais. Em 1994, aproveitou a movimentação e começou a vender almoço em sua casa. Um amigo prometeu: "Faça a comida que trago o povo", conta. Ela aceitou o desafio. Tinha quatro pratos, três panelas e um fogão de quatro bocas. Os primeiros clientes chegaram. Ela teve de improvisar mesa e banquinhos. O cardápio, se lembra bem até hoje: uma galinha, dois quilos de costela, um quilo de feijão, um quilo de tomate e dois pés de alface.
O tempero baiano da tia Zélia fez sucesso. Os fregueses quiseram voltar e aí virou rotina. Logo a cozinheira ganharia um lote na Vila Planalto e parte da casa seria seu restaurante. "Tinha certeza de que ia dar certo. Eu via a felicidade do povo quando comia", diz essa senhora de risada contagiante. Três anos depois, ela ampliava os serviços e formalizava o restaurante que leva o nome dela.
Unir o talento a regras de um empreendimento bem-sucedido é outra dica de sucesso dessas empreendedoras. Janice, por exemplo, diz ter seguido sua intuição e vocação na hora de decidir pelo ramo que seguiria. Amava o que fazia. Isso já era meio caminho conquistado. O seguinte era desvendar o mundo dos negócios. Esse casamento não podia dar errado. "Minha formação era acadêmica e para ingressar no mundo empresarial, precisava me qualificar e fazer escolhas. Administrar uma empresa era algo assustador para quem administrava apenas seus alunos. Tomar decisões, fazer escolhas, correr riscos, conviver com dúvidas, incertezas, errar e acertar. Para vencer esse desafio tive que me capacitar, entender sobre gestão do negócio e outros assuntos que jamais tinha pensado até o momento", conta.
Para se atualizar, Janice fez cursos de empreendedorismo, viajou para se especializar na arte do scrapbooking. Paralelamente, começou a investir em novos materiais para vender a quem fazia os cursos e queria criar caixas, álbuns e brinquedos de papel. De uma sala, passou para uma loja. Reinvestia o que ganhava e logo começou a ter lucro. Pronto, parecia que o negócio tinha dado certo e, em breve, ela pensaria em novidades para oferecer à clientela.
Estudar, criar, ter ideias, inovar, buscar parcerias é mesmo um ciclo interminável na rotina de um empreendedor. Janice procurou informações para aprimorar o negócio. Rosângela, aquela da goiabada cascão, também. Interessada em produzir o doce de goiabada de maneira profissional, ela precisava saber como usar os recursos do meio ambiente e, ao mesmo tempo, protegê-lo. Também queria aprender como manipular e armazenar os alimentos. "A partir do momento em que decidi produzir para vender, queria fazer uma coisa de qualidade, me profissionalizar e respeitar o meu cliente", diz a perfeccionista.
O primeiro passo era conseguir o dinheiro para montar a pequena fábrica. Para ter o crédito aprovado no banco, precisava ter produção da matéria-prima do produto. A condição não desanimou a empresária. Procurou o Sebrae, a Emater, fez cinco cursos técnicos para dominar os segredos da agroindústria. Enquanto isso, o pomar crescia. Ela ajudou a plantar os primeiros pés de goiaba em 1 hectare de terra. Ao todo, hoje são 300. "Gosto de controlar tudo, por isso fui aprender técnicas de plantio e adubação", conta ela, que está no terceiro semestre do curso de agroecologia.
Com tanta mudança, os tachos de cobre usados no começo da produção foram aposentados. Logo, Rosângela teria uma cozinha "branquinha, com panelas de alumínio e bancadas de mármore", como sempre sonhou. Ali, ela prepara os doces com capricho. Tem capacidade para produzir 1 tonelada e meia por mês. Vende em feiras e aceita encomendas. E sobram elogios. "O Marcos Palmeira (ator) disse que meu doce era muito bom, que ele ia tentar produzir igual", conta orgulhosa. Até o ex-presidente Lula já fez uma boquinha. No álbum em que Rosângela registra o passo a passo do negócio, tem cartão assinado por Lula agradecendo a remessa de doces que a empresária lhe enviou.
O sucesso é consequência
Com a produção de goiabada crescente, Rosângela Almeida queria mais. Queria ser a melhor naquilo que fazia. Foi quando decidiu pesquisar as goiabadas disponíveis no mercado e avaliou qual era a considerada a top de linha. Provou e decidiu: ela não teria mais concorrência. Faria a melhor goiabada do DF. "Quando você tem um sonho, você tem que fazer com que as pessoas acreditem que aquilo vai ser realidade", ensina.
Ela estava certa. Para se manter no mercado e fazer o negócio crescer, é preciso inovar sempre, oferecer serviços e mercadorias diferenciadas, prestar atenção aos detalhes e sempre estar um passo à frente em relação ao concorrente. Para desbancar qualquer outra goiabada, em 2004 Rosângela passou a oferecer o doce orgânico. Também diminuiu a dose de açúcar usada. A embalagem mudou. Em vez de o doce ser enrolado em plástico, ele passou a ser vendido em vasilhas descartáveis com tampa.
Muitas ideias surgiram para otimizar a produção, baixar custos e aumentar os lucros. Rosângela imaginava e para tornar o projeto realidade contava com a genialidade do marido, o engenheiro Augusto Grossi. "Ele é uma espécie de professor pardal", orgulha-se. Juntos, inovaram. Desenvolveram um pulverizador automático para irrigar o pomar. Criaram um sistema de produção de biofertilizantes, que substitui o uso de químicos. Agora, não precisam mais comprar adubo. O material é produzido mais rapidamente do que no sistema tradicional. Além disso, usa cinzas da queima dos restos da poda das goiabeiras, material de galinheiro, nutrindo o solo e diminuindo a incidência de doenças nas plantas. Uma novidade que já levou comitivas de pesquisadores americanos e chineses para conhecer o trabalho desenvolvido na fazenda Passágarda.
No restaurante da Tia Zélia também se come muito bem. Mas ali não tem nada de inovações tecnológicas. Ao contrário, o que atrai e mantém a clientela cativa é a tradição do lugar. Meio-dia, a comida borbulha nos panelões de alumínio que mais parecem espelhos de tão areados. Não existe cardápio, mas vários pratos do dia, que variam entre rabada, dobradinha, feijoada, costela bovina, carne de porco e todas as delícias de uma culinária caseira. Nem placa tem no restaurante, mas o boca a boca tornou o endereço conhecido. Tem gente importante que até deu uma mesa com cadeiras para Tia Zélia só para garantir lugar reservado sempre que quiser. É que lá está sempre lotado. A simplicidade, associada à simpatia da dona, é a receita do sucesso dela.
Aliás, o restaurante dela é bem frequentado. Homens de terno e gravata se curvam para dar um beijo na pequenina Tia Zélia. Ela conhece todos pelo nome. Fez amigos ao longo dos anos. Entre eles, um assessor do ex-presidente Lula, que logo no início do primeiro mandato dele ia comer ali todos os dias. Por intermédio dele, um dia Lula fez uma encomenda: rabada. Tia Zélia cozinhou. "Fiz muito bem feita", gaba-se. O ex-presidente se encantou pelo capricho e pelo tempeiro. A ex-primeira-dama a convidou para cozinhar para a Presidência. Tia Zélia não aceitou, mas sempre que Lula pedia, fazia o prato que ele desejava.
Até o dia em que se conheceram. Lula mandou buscar a chef e a esperou no seu gabinete. O ano era 2008. O que conversaram, ela não conta nem sob tortura. Só diz que "ele veio de rumo comigo e falou: ;companheira, meu sonho era te conhecer;", relembra. Nesse dia, ela chorou e, Tia Zélia conta, o presidente também. "Fiquei três dias sem dormir", exagera. Tiraram fotos juntos, que ela deixa bem a vista no restaurante. Tem autógrafo de Lula a chamando de amiga. Ela se orgulha do carinho que recebeu, inclusive por ter sido convidada para o aniversário dele quando ainda comandava o país. Ela aceitou o convite, é claro.
Se Tia Zélia apostou no ar caseiro de seus serviços para se diferenciar de um mundo tão moderno e cheio de pompa, a tecnologia é o diferencial entre outras empresas. A comandada por Patrícia Giordani, por exemplo, trouxe uma máquina alemã para incinerar o lixo hospitalar. A queima é toda monitorada por computadores, toneladas de lixo se transformam em apenas 2% de cinzas. Depois, são analisadas para saber se não há contaminação e são encaminhadas para aterro sanitário licenciado. A fumaça também é tratada antes de serem lançadas no meio ambiente, tudo como manda as normas do Conama.
Para lidar com tanto lixo e não colocar em risco a natureza, Patrícia conta com uma equipe de mais 24 funcionários, além de ter dobrado a frota inicial de caminhões para dar conta da demanda crescente. Ela está pensando, inclusive, em comprar outra máquina. Os lucros também são proporcionais. "Estou ganhando algumas vezes mais que se tivesse na clínica", conta. A perspectiva é de melhora. Realizada, Patrícia diz estar feliz da vida. "Agora consigo ver a luz do dia, saber se tem sol, se está chovendo;", avalia.
Se não são as máquinas que fazem o negócio crescer, é o talento e a criatividade que determinam o sucesso. Beth tenta inovar nos produtos, levou uma consultora de moda para orientar as floristas e adequar os bordados ao gosto de quem tem estilo refinado. Agora, as mulheres do grupo pensam em investir na camisaria feminina, desenvolver novas modelagens. E tem mesmo que atrair freguesia, especialmente agora que o grupo conseguiu um espaço de vendas na Torre de TV. Um dos desafios para Beth é a Copa do Mundo. Elas já estão bolando itens diferenciados para vender na ocasião, quando Brasília estiver pipocando de turistas.
Já a dona da Papel Arteiro, por exemplo, não queria se limitar a vender e a ensinar as curiosas a fazerem decoração em papel. Hoje une sua formação à empresa, ou seja, à pedagogia e à arte. "Em 2008, rodei seis capitais do país com uma editora de livros em inglês dando cursos de como usar o scrap como ferramenta pedagógica", explica Janice. Afinal, fica muito mais divertido aprender ciências cortando e colando as fases da metamorfose da borboleta; português, escrevendo o texto em um álbum colorido ou geometria, moldando formas nos papéis.
A empresária ampliou o negócio. Ela também atende crianças com dificuldades de aprendizado ao usar a arteterapia com scrapbooking. Inovou também quando criou, há três anos, um encontro com profissionais da área em hotéis badalados. É um dia inteiro com novidades da técnica que atrai interessados de todo Brasil. "Gestão de negócios é a parte mais difícil. Primeiro, tem que gostar muito do que faz e, depois, crescer e inovar", garante a empresária, que está ganhando pelo menos o dobro do que uma professora de línguas. E o maior ganho: está infinitamente mais feliz do que nos dias de sala de aula.
Realização com o resultado de um negócio muitas vezes não é só o dinheiro. O bem-estar do próximo e a mudança da situação de miséria é o que motiva a jovem Jaqueline de Sousa. As 54 famílias que saíram com ela da favela há três anos, conquistaram casa própria, têm salário no fim do mês e comida todos os dias. Esta é uma vitória da qual se orgulha ter sido protagonista. O grupo se divide em tarefas: há quem dirija o caminhão e colete o lixo que é levado para o galpão; outro grupo separa o material e deixa pronto para vender à figura que chamam de "atravessador". Tem ainda os responsáveis por fazer a comida para o grupo e há as mulheres que são as crecheiras, que cuidam das crianças das outras que estão na lida do lixo.
O lucro com a venda do material é dividido igualmente, independentemente da função que a pessoa desempenha. Ainda é pouco, mas é certo. Aluguel do galpão, gasolina, comida, contas de água e luz são mantidos com o dinheiro de projetos que apoiam a cooperativa. Se a grana acaba, por vezes, Jaqueline, que recebe salário como diretora da Central de Cooperativas, tira do próprio bolso para quitar as pendências. A meta agora é justamente trabalhar para a cooperativa ser sustentável. "Depois disso, vou sair da presidência e cuidar de mim. Tenho só 23 anos, mas olha para o meu rosto. Pareço ter muito mais", conclui essa jovem guerreira.
Um passo para o social
Realização pessoal e profissional é uma das motivações do empreendedor. Mas há outros que empreendem pelo bem comum. "Há mulheres que mudam e mobilizam a comunidade em que vivem. Elas trabalham a questão do associativo e agregam as pessoas por um mesmo objetivo. Elas se tornam referência na comunidade", comenta Andrea Faria da Silva, gestora nacional do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios.
Os líderes fazem a diferença na comunidade em que vivem. Elizabeth Rodrigues, do grupo As floristas, teve de tomar uma decisão em 2008. O grupo de costureiras do qual fazia parte se desfez e Beth, com duas outras costureiras, deveria escolher entre desistir do projeto e unir forças para recomeçar. Junto às amigas Helena Pereira de Castro, 60 anos, e Luzia Conceição de Souza, 61 anos, decidiu pela segunda opção.
"Começamos do nada", conta Beth. Viraram as "três mosqueteiras", como definem. Todas com a mesma meta de ganhar dinheiro, crescer profissionalmente e deixar o marasmo da vida em casa. "Queria ter um negócio que pudesse crescer", conta a primeira, que já costurava em casa. Luzia não queria mais ficar sozinha em casa e o grupo ajudou a tornar o trabalho mais divertido.
Firmes, mantiveram As floristas. Conseguiram apoio de instituições do setor, de univerdidades e ganharam máquinas de costura. O aluguel do galpão, que funciona o Recanto das Emas, precisava ser pago no fim do mês, então era preciso arregaçar as mangas e trabalhar. Beth foi eleita a líder do grupo. É ela quem vai atrás de parcerias, das feiras onde pode vender os produtos. "Participo das reuniões, dos eventos. Tenho mais facilidade para falar, de resolver as coisas", diz orgulhosa.
Hoje, ela conta com parcerias de institutos que investem no empreendedorismo social, trabalha com encomendas, já participou de desfiles de moda e sonha em crescer. "Quero que todas aqui ganhem mais", idealiza. Para isso, vende os produtos em feiras. Mas o forte é a prestação de serviços na comunidade. Vender não é fácil, a renda delas não é tão alta. O grupo tem que pagar as despesas e dividir o lucro entre as sócias empreendedoras. O dinheiro não é muito, mas a união do grupo dá forças para continuar. "Minha cabeça mudou muito. Hoje me sinto útil", comenta. E isso não tem preço.
Pensar no coletivo foi o que motivou a catadora Jaqueline a tomar o rumo do empreendedorismo. Ainda adolescente, ela não se sentia preparada para assumir uma cooperativa de catadores. Mas a necessidade do grupo a fez seguir. Uma das poucas alfabetizadas na favela em que vivia, era ela quem participava das palestras, cursos e debates sobre a formação de uma cooperativa e como ganhar dinheiro catando lixo. Muitas vezes, foi para os encontros de barriga vazia. "Ia com minha irmã para que uma cuidasse da outra, caso a gente desmaiasse de fome", relembra.
Outras vezes nem sequer foi atendida em reuniões, culpa da pouca idade. "Achavam que eu não ia dar conta de tocar a cooperativa", avalia. Mas ela deu. Começou a fazer contatos com universidades e bancos. Seu carisma e determinação chamaram a atenção de gente que podia ajudá-la. Fez curso de cooperativismo e, com as parcerias, montou a cooperativa Reciclo. Por vezes, pensou em desistir. Não era aquilo que pensava em fazer. Mas quando via que a comunidade a sua volta depositava expectativas no seu trabalho, logo mudava de ideia.
Os contatos de Jacqueline rendeu a seus vizinhos casas no Riacho Fundo. As casas eram um projeto da Caixa Econômica Federal, que beneficiava os catadores da Reciclo. Cerca de 54 famílias ganharam a casa de laje, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Uma verdadeira mansão se comparada aos barracos de madeira em que viviam.
As casas levaram três anos para serem construídas. Nesse período, Jaqueline, sua família e seus amigos tiveram a primeira conquista. Ficou acertado que, até a entrega dos imóveis, os barracos de madeirite onde moravam não seriam mais derrubados. Sendo assim, Jaqueline pode cuidar tranquilamente de seus três filhos e da cooperativa, que se solidificava a cada dia.