Em Brasília, por exemplo, há meninos e meninas que não sabem absolutamente nada sobre o cerrado. "Um mato com algumas árvores tortas", diz um. "E que pega fogo todo ano", completa outro, afirmando ainda que, por aqui, quase não existe bicho. São pré-adolescentes, que já encaram longas aulas de ciências e fazem provas sobre o assunto. "É chocante como os alunos brasilienses sabem pouco ou quase nada sobre a flora e fauna daqui. A educação ambiental deve começar com o que está ao nosso redor", reclama o professor e presidente do Instituto Aquanautas, Luiz Rios. A situação pode ser facilmente detectada. "Peça a uma criança que diga o nome dos três primeiros animais que aparecerem em sua cabeça. Vai vir leão, elefante, girafa. É bem provável que ela não cite nenhum animal da região onde mora, ou mesmo do seu país", aponta Luiz.
A preocupação com tanta desinformação o levou a ministrar aulas em escolas públicas do Distrito Federal, onde ensina sobre ecologia e meio ambiente, participa de encontros com jovens e os leva para atividades extracurriculares pela região. A experiência trouxe para a instituição o know how das melhores formas de despertar a consciência ecológica na nova geração. Os bons resultados são palpáveis. A Revista assistiu as aulas do professor no Centro de Educação Fundamental da 410 norte. Lidando com alunos que, no auge dos 12 anos, são agitados e ansiosos, o tema prendeu a atenção de todo mundo, gerou perguntas, comentários e, no fim da aula, ainda teve um grupo de uns 10 alunos em volta do professor fazendo mais indagações.
A aula começa com vídeos realizados pela instituição. São 29 clipes curtos, em linguagem informal, apresentado por jovens bem-humorados. Alguns desses vídeos até viraram hit do YouTube. A aula começa entre a exibição de alguns desses vídeos. Em 45 minutos, Luiz versa sobre o cerrado, cavernas do DF, períodos geológicos, fauna local, formação de rochas, ocupação humana, pré-história, formação dos continentes, preservação do ambiente, estalactites, morcegos, zoonoses, além de contar sobre a vez que fugiu de uma onça a alguns quilômetros daqui. A criançada se diverte. Enquanto isso, passam pelas carteiras pedaços de rochas das cavernas e um pôster com fotos dos morcegos do DF. "As aulas que são dadas fora de aula são ainda mais especiais. Vamos com eles nas estações de tratamento de esgoto, no Paranoá, na Gruta dos Milagres. Eles se envolvem muito mais com o assunto quando existe uma quebra da rotina", explica.
A professora de ciências Jeanne Ribeiro acredita que essa geração tem, de fato, uma maior consciência ambiental, mas que ainda é preciso muito incentivo para que o assunto atinja mais estudantes. "É um tema que inevitavelmente faz parte da vida deles. Na escola, na televisão, nas revistas, ele ouvem falar sobre sustentabilidade o tempo todo. Mesmo os que não a praticam, sabem que estão errados. De uma forma ou de outra, já existe uma mudança de atitude", analisa.
O professor de educação física Walter Isaac vai além. "É preciso mais interesse do governo em preparar os professores para essa questão. A gente faz o que pode. Usa os vídeos preparados por ONGs, conversa, mas é restrito, em especial para os alunos da rede pública", aponta. Walter acredita que todo mundo pode abordar esse assunto com os jovens. "Minha aula não é de ciências e, mesmo assim, falamos sobre meio ambiente. Levo a turma para a quadra, com sacos de lixo, e fazemos um clean up day (dia da limpeza). Explico os efeitos da sujeira no meio ambiente, falo sobre os materiais biodegradáveis, sobre reciclagem", ensina. "É preciso despertar esse sentimento neles. Os jovens têm essa energia e esse ímpeto, e eles precisam entender que a herança ambiental do mundo de hoje pertence ao futuro deles. Mas muito pouco é feito para isso", lamenta Luiz Rios.
O que elas acham?
Durante as aulas que a Revista acompanhou, conversamos com a criançada.
Jéssica Fonseca tem 13 anos e está na 6; série. Ela não gosta de ecologia e diz não se importar com o tema. "Não acho que a escola fale muito de preservação. Uma vez, na semana cultural, eles falaram pra gente pedir que nossos pais separassem o lixo. Cheguei em casa animada, propus ao meu pai, mas ele nem ligou." Jéssica acredita que, na sua casa, as atitudes sustentáveis, como banho rápidos e luzes apagadas, têm a ver com economia e não ecologia. "Não acho que uma atitude minha fará assim tanta diferença", pontua.
Aline Gabrielle tem 12 anos e cursa o 7; ano do ensino fundamental. Ela diz que depois de uma aula que teve sobre cavernas, na semana cultural, com o professor Luiz Rios, decidiu que prestaria vestibular para biologia. "Foi a coisa mais interessante que já vi aqui na escola", conta. Seu sonho é conhecer uma caverna. "Eu não fazia a menor ideia que existiam tantas cavernas aqui na região. Quero conhecer todas elas." Para ela, ecologia é assunto importante. "Se a gente não fizer nossa parte, quem vai fazer?"
Elisa Fagundes, 13 anos, ainda não se sente engajada. Os pais, segundo a jovem, não se interessam pelo assunto. Mas, mesmo sem muita afinidade com o tema, diz que se incomoda com a poluição e teme pelo futuro do planeta. "Outro dia fui à praia e estava tudo imundo. Sujeira na areia. Não gostei, preferia se estivesse limpo", diz. Elisa afirma que a geração a qual pertence não é nem um pouco preocupada com o tema. "Só os meninos que sentam lá na frente se importam. Mas na hora que acabar a água do mundo, aí todo mundo vai dar valor."
Luiz Fernando Souza, de 13 anos, reclama da qualidade do ensino público. "Não temos nem um laboratório de ciências aqui", aponta. Ele acredita que, para os alunos se interessarem pelos tema, é preciso novidades. "Aqui, tudo se repete. Quando acontece alguma coisa fora do comum, todo mundo fica animado. Eu participo e quero aprender, mas, às vezes, é difícil porque fica muito chata a aula." O jovem diz que achava que o cerrado mal tinha bicho. Mas aí aprendeu sobre um monte de animais daqui. "Onça, tatu, capivara, morcego, pássaros e um monte de outros bichos." Ele diz sonhar em participar de alguma atividade fora da escola com a turma. "Antes eu jogava papel no chão, mas eu mudei. Não jogo mais."
Gabriela Silva, de 13 anos, acredita que todos fazem diferença e tenta ajudar como pode. Implantou o sistema de separação do lixo orgânico e reciclável em casa, com o aval dos pais. Tenta maneirar no banho e, muitas vezes, cata papel do chão, que os outros jogaram, e põe no lixo. "Quando meus pais têm uma atitude antiecológica, brigo com eles", diz. Seu sonho é ser bióloga marinha. "Acho que a escola precisa de uma infraestrutura e um planejamento que estimule os alunos a se engajarem."