Jornal Correio Braziliense

Revista

Debaixo do bloco

Os adultos de hoje sabem: crescer em Brasília era uma experiência única. E, hoje? As crianças ainda fazem da cidade o seu playground?

Brasília nos idos anos 1970, 1980 e 1990. Bastava uma rápida caminhada pelo Plano Piloto, no fim de uma tarde qualquer, para se deparar com grupos gigantescos de crianças reunidas sob os blocos, correndo pelos pilotis, jogando bola nos estacionamentos ou andando de bicicleta nas calçadas que rodeiam os prédios. Às seis da tarde, os que estudavam de manhã já estavam nas ruas, e os que chegavam da escola se uniam ao grupo. Os menores brincavam de todas as variações dos piques (pique-pega, pique-esconde, pique-correntinha, pique-lata, pique-bandeirinha...), os adolescentes ensaiavam seus primeiros beijos nos cantos do bloco, em brincadeiras como verdade ou consequência, e os que beiravam a maioridade lavavam os carros dos pais com a esperança de que, com a chave em mãos, dariam uma volta pela quadra. Fosse no período alto da estiagem ou durante chuvas torrenciais, a garotada estava sempre lá. Quem foi criado na capital sabe e agradece. Poucas cidades grandes ofereceram para essas gerações o que Brasília propiciou: uma infância livre e cheia de amigos.

Em plena segunda década do novo milênio, porém, a cena é outra. Às seis da tarde, são raros os pilotis no quais se encontra gente, além de transeuntes e funcionários do prédio. Quando muito, uma dupla de babás vestindo roupas brancas vigia crianças pequenas. Os jovens que conseguem largar seus tablets, videogames e notebooks se encontram nas quadras poliesportivas com dois ou três amigos ; hoje, pilotis não é mais lugar de menino. O síndico reclama do barulho, o porteiro proíbe o uso da bola e o vizinho não suporta qualquer indício de correria debaixo do bloco. Tal qual a cidade, a infância candanga se transformou. Na semana do Dia das Crianças, porém, a Revista do Correio se aventurou pelas quadras do Plano Piloto em busca daqueles que ainda encontram na cidade o refúgio para uma infância feliz e cheia de energia. As novas e as antigas gerações contam aqui como crescer sobre o desenho de Lucio Costa marcou, ou ainda marca, suas vidas.

Quando até barro era diversão

A dinâmica era mais ou menos a mesma para a maioria das crianças. Os pais, transferidos de outros estados, chegavam a Brasília jovens, com suas famílias recém-formadas. Nos prédios funcionais que tomavam conta das quadras do Plano Piloto (quem nunca ouviu expressões do tipo ;bloco dos Correios;, ;bloco da Caixa;, ;da Marinha;, e por aí vai?), a situação era similar ; jovens empregados de uma mesma empresa, com filhos pequenos, em uma cidade estranha. A integração se dava naturalmente. Quando os filhos alcançavam seus 5 ou 6 anos, já formavam grupinhos e, independentes, ;desciam; ou iam para a rua brincar sem restrições. As turmas ia ganhando novos integrantes devagar, quando pintava um novato na vizinhança.

Na 111 Norte, por exemplo, o fenômeno da ;galera da quadra; se deu exatamente assim. No bloco então conhecido como o ;do Banco do Brasil;, uma rapaziada que somava mais de 50 amigos se formou aos poucos. A servidora pública Larissa Diehl, 34 anos, conheceu a também servidora Ana Paula Teodoro, 34, no parquinho da quadra. Aninha já estudava com alguns dos meninos do bloco ; surgia aí o embrião da turma. Um chamava outro para descer, que chamava o amiguinho, que chamava o vizinho que descia com o irmãozinho. Aos sete anos, eles eram melhores amigos e se encontravam, diariamente, nos fundos do pilotis do bloco. O código para que os colegas descessem para brincar era conhecido por todos. Bastava ouvir o assobio duplo, que eles já sabiam que era hora de ir para a rua. ;Até hoje, se eu ouço esse assobio, acho que é alguém da turma;, diz um deles.

O publicitário Christian Diehl, 36 anos, se lembra com detalhes daquele tempo. A quadra tinha apenas quatro blocos construídos. E toda a precariedade de uma cidade em pleno processo de construção tornava tudo ainda mais divertido para as crianças. Por exemplo, a ausência de asfalto não era problema. O barro e a terra que cercavam os blocos eram território perfeito para a imaginação criar uma pista de bicicross, onde os meninos faziam manobras radicais com suas bicicletas. Das construções, pegavam pedaços de madeirite para incrementar as ;pistas;.

As constantes inundações das garagens dos blocos da quadra também não os preocupavam. ;A gente nadava naquela água suja que acumulava na garagem, como se fosse uma piscina, enquanto os pais e o porteiro tentavam, desesperados, salvar os carros do alagamento;, recorda o analista de sistemas Allan Paes Porto, 32 anos.

Aporrinhar o porteiro, por sinal, era um capítulo a parte. Uma verdadeira relação de amor e ódio. ;Enquanto o porteiro encerava o chão, a gente sentava em cima da enceradeira, como se fosse um carrinho. Ele ficava meio bravo, mas também achava engraçado;, lembra o servidor Bruno Barbosa, 35. Os brinquedos esquecidos debaixo do bloco ficavam de ;castigo; por um dia no quartinho da portaria. ;O porteiro guardava os brinquedos que a gente esquecia e os trancava no quartinho. Só devolvia no dia seguinte, para a gente aprender;, lembra a enfermeira Ana Luisa Grisoto, 36. Mas o porteiro também era parceiro e ajudava os meninos nas empreitadas financeiras. Alguns tocavam nos apartamentos oferecendo serviços de engraxate, de lava-carros, vendiam dim-dim, revista usada, bolo. Tudo para ganhar uns trocados. ;O Christian virou até tatuador da criançada. Fazia o desenho de canetinha preta na gente e depois passava esmalte de unha incolor em cima do desenho. Era um sucesso, porque demorava a sair;, contam, aos risos.

A camaradagem era tanta que o grupo até fundou uma espécie de clubinho, o União Força e Ação, conhecido pela sigla Ufa. ;Era coisa dos meninos. As meninas tinham clubinhos também, mas em geral, brincava todo mundo junto, sem frescuras do tipo ;meninos não gostam de meninas;, lembra Larissa. ;A gente fazia desfile de moda e os obrigava a assistir;, complementa. Juntos, meninos e meninas da 111 Norte brincavam até as 21h de pique-bandeirinha e de polícia e ladrão, jogavam bete e treinavam a dança da quadrilha que formariam na festa junina daquele ano. Posteriormente, na pré-adolescência, os jogos de verdade ou consequência passaram a interessar mais. Nos fins de semana, iam a pé até o Setor de Clubes, brincar nas piscinas da AABB. Depois do clube, se preparavam para as festinhas americanas, repletas de música lenta e dança da vassoura.

As aventuras da turma viraram até lenda em Brasília: ;Já ouviu a história do menino que perdeu a perna na portaria?;, pergunta o servidor Bruno Barbosa, 35 anos. A tal lenda, um tanto quanto exagerada, foi protagonizada por Christian quando, aos 7 anos, em uma brincadeira de pique-bandeirinha, não conseguiu frear e atravessou a porta de vidro da primeira prumada do prédio. O resultado foram 250 pontos na perna e a primeira microcirurgia realizada em Brasília, em 1982. Foram cinco anos de recuperação, com o total apoio da garotada. ;Somos amigos até hoje, e sempre nos reencontramos na festa junina da quadra. Acho que muito do caráter que formamos tem a ver com a nossa união, com a infância maravilhosa que vivemos. Somos uma família mesmo. Uma amizade que marcou profundamente, e ainda marca, a vida de todos aqui;, relata Ana Paula Braga.

Os herois da resistência
Lá pelas 16h, três meninos aparecem no pilotis de um bloco da SQS 203, rumo à quadra de futebol. São eles Gabriel Cabral, 11 anos, Eduardo Cabral, 9 e Henrique Cruz, 9 anos. Eles não têm exatamente uma turma da quadra. ;Tem mais umas duas meninas aqui do bloco que, às vezes, descem, e um ou outro menino dos outros blocos. Mas não existe isso de descer todo dia e se encontrar;, conta o mais velho do trio. A justificativa são as dezenas de deveres de casa e os cursos extracurriculares comuns a milhares de crianças do Plano ; o inglês, o espanhol, a natação, o karatê, o tênis, o futebol, o piano. ;Fora que nem todos os pais deixam o filho descer. Alguns ficam com medo de violência, essas coisas. Aqui, minha mãe deixa numa boa depois do dever de casa. Aí a gente sobe lá pelas 20h, no máximo;, explica Gabriel.

Para ele, a infância candanga ;debaixo do bloco; ainda existe, mesmo que tímida e sem toda a sensação de segurança do passado. ;Muito menino só quer saber de ficar em casa, vendo tevê no sofá, no computador e no videogame. Eu acho bem melhor brincar na rua. Mas nem todo mundo pensa igual;, comenta Eduardo. ;A gente até joga Playstation 3, Wii, mas nos fins de semana;, diz Henrique.

Tal fenômeno de distanciamento das crianças da rua acaba por reforçar as amizades da escola. ;Temos muito mais amigos do colégio, do que da quadra;, confirmam.

Seja como for, a nova geração reprisa brincadeiras antigas, como balão d;água e pique-pega. Alguns jogos ganharam nomes diferentes, como o tubarão e sardinha, que há vinte anos era conhecido como ;mamãe da rua;. Mas a concentração de crianças se dá, para valer, nos dias de futebol. ;É quando reúne mais gente da quadra;, garantem. Os dilemas da idade também não mudaram muito ao longo das décadas. ;Tinham um valentão aqui na quadra. Xingava e batia nas pessoas, mas ele se mudou. Agora, ficou bem mais tranquilo;, diz um deles, aliviado.

Com a palavra, o porteiro
Em 21 de maio de 1989, o porteiro Francisco Inácio Cardoso, 54 anos, chegou ao Bloco F da 106 Sul. O trabalho daquele tempo era bem diferente do de hoje. ;A gente se ocupava demais com a bagunça que a garotada fazia. Isso aqui nos anos 1990 estava cheio de crianças. Era uma correria, uma barulheira, que só vendo. Hoje é uma paz, uma calma, que fica até sem graça;, conta. Seu Francisco lembra com detalhes das brincadeiras. ;Nos aniversários, eu tinha um trabalho danado para limpar tudo, porque era uma tal de ovada debaixo do bloco. Os meninos faziam uma mistura de ovo, farinha, terra, deixavam apodrecer, e jogavam no aniversariante.;

O trabalho era dobrado, mas a vida era mais leve, acredita o porteiro. Os meninos, mesmo os travessos, eram ;do bem;. ;Nunca teve essas histórias de briga com sangue, de gangue por aqui. O único trabalho que eles davam era o de ficar controlando para que eles não jogassem bola debaixo do bloco, por conta do barulho. Olha, até hoje tem marca das boladas que eles davam pelo teto.;

Atualmente, os tais meninos já têm filhos, estão formados e, quando visitam os pais que ainda moram no prédio, sempre cumprimentam Francisco com carinho. ;Me chamam agora de cabeça branca. Era uma molecada muito bacana aquela.; Para o porteiro, os meninos de hoje são diferentes. ;Não existe mais a amizade entre a gente. Eles não respeitam muito, são mais arrogantes. Não existe mais a intimidade que os porteiros tinham com a gurizada como naquela época;, lamenta. Francisco acredita que o sumiço das crianças debaixo do bloco tem a ver com o envelhecimento da população do Plano Piloto. ;A gente ainda vê menino andando de bicicleta, de skate. Mas é bem menos. Temos menos crianças morando aqui.;

Amigos para sempre, na seca ou na chuva
Dentro do universo de crianças criadas no Plano Piloto, poucas têm uma história de afinidade tão forte como a dos garotos da 315 Sul. A turma de mais ou menos 20 amigos, que se conheceu debaixo do Bloco F, até hoje ; mais de vinte anos depois ; está unida. ;Somos melhores amigos desde sempre. Nos vemos quase todo dia;, conta o gerente de contas Marcelo Carvalho, 28 anos. O ponto de encontro é o mesmo de sempre ; a casa dos irmãos Caires, apelidada de QG (quartel-general). Foi o trio de irmãos que iniciou a rotina de brincadeiras. Luis Gustavo, 31 anos, Gabriel, 30 e Beto Caires, 33, começaram a descer para se divertir no pilotis. As crianças que moravam lá foram se juntando ao grupo. Em pouco tempo, a criançada toda da quadra se reunia debaixo do Bloco F. As brincadeiras eram organizadas ali, mas aconteciam por toda a quadra. Rolava também campeonato de bolinha de gude, de bete, de futebol. ;Até hoje tenho o uniforme do time;, diz Marcelo.

As brincadeiras variavam de acordo com o número de meninos e com o tempo disponível: corrida de tampinhas, bolinha de gude, ;porradobol;, a brincadeira ;do cantinho do elevador;, a de escorregar no pilotis molhado. Os vizinhos não eram lá tão tolerantes. ;Coisa normal criança aprontar. A gente já quebrou vidro das janelas do prédio, já derrubou várias vezes as grades quando brincávamos de corrida, já jogamos papel higiênico molhado nas pessoas que passavam embaixo do bloco ou nos carros;, admite Beto. ;Teve um dos meninos que descarregou todos os extintores de incêndio do bloco;, comentam, sem apontar o mentor do traquinagem.

Quando adolescentes, o pilotis virou palco de jogos cheias de segundas intenções com as meninas. Salada mista, verdade ou consequência e as clássicas festinhas americanas no salão do térreo. Gabriel conta que o bloco ainda tem uma turminha que, mesmo pequena, se reúne para brincar. ;Mas, hoje, as crianças não são bem-vindas. O pessoal chegou a encher as laterais do bloco de vasos de planta, para evitar correria. Sempre tem reclamação sobre os meninos nas reuniões de condomínio ou mesmo diretamente com os vizinhos. Hoje, o esquema não é mais tão divertido e simples como era na nossa infância;, opina.

Passatempos inusitados
Temor (e diversão) de muitos meninos nos anos 1980, o porradobol era uma espécie de queimada com jogada com os pés. Aquele que levasse a bolada passava pelo corredor polonês até alcançar o pique. O cantinho do elevador era assim: um grupo de mais de quatro meninos entrava no elevador. Aquele que não conseguisse ficar em um dos cantos, pagava uma prenda.

Na rua, sempre cabe mais um
A Brasília das crianças, é claro, não resume às asas do Plano. Nas ruas do Guará, do Cruzeiro e dos Lagos Sul e Norte, ainda é possível encontrar grupos driblando o vaivém de carros para brincar na rua. Na QI 28 do Lago Sul, por exemplo, uma turminha se formou com membros de diferentes idades. Fazem parte, por exemplo, o Jonas Ramos, de 16 anos, e o João Pedro Miyamoto, de 7. E todos eles se dão bem e brincam juntos. ;Não temos nenhum problema de brincar com os meninos mais novos. Quanto mais gente melhor;, opina Jonas. A brincadeira começou com Igor Bressane, 12, que fez um amigo no fim da rua. Aos poucos, novas crianças foram se integrando, e hoje, somam mais ou menos dez amigos. Os encontros se dão às 19h, quando todos chegam da escola. Às 21h é o toque de recolher. No fim de semana, o horário é mais frouxo. Podem brincar, com sorte, até meia-noite.

Juntos, jogam bete, futebol, vôlei e já perderam as contas de quantas vezes tiveram que pedir resgate de suas bolas caídas nos quintais da vizinhança. Quando não são atendidos, são capazes de pular o muro e driblar os cães de guarda. ;Tem uma vizinha que só devolve a bola no dia seguinte;, conta Gabriel da Rocha, 14 anos. A disparidade de idades dentro do grupo também propicia brincadeiras de arrepiar. Um dos conjuntos tem uma casa abandonada, constantemente visitada pela meninada. Lá, eles contam histórias assustadoras para os menores, que adoram. Assim, a ;hora do terror; se tornou o passatempo predileto deles.

Por vezes, vão caminhando até o Lago Paranoá, fazem trilhas no mato, ou mesmo optam pelo conforto das piscinas, presentes na maioria das casas do bairro. ;Somos mais unidos com os amigos da rua do que com os da escola. Mas isso é meio raro entre as crianças. Na escola, pouca gente tem isso que a gente tem. Amigos da rua, vizinhos e tal;, explica Igor Bressane. João Pedro Miyamoto, de apenas 7 anos, diz que os momentos mais legais são sobre as rodas: skate e bicicleta todo santo dia. A vizinhança, eles garantem, não reclama de barulho nem da bagunça. ;Criança tem mais é que brincar na rua mesmo. Isso de ficar em casa deitadão no sofá é muito chato;, crava Luis Eduardo Muniz, 10 anos.

A eterna briga entre os clubes do Bolinha e da Luluzinha
Se tem um local em Brasília que parou no tempo no quesito ;crianças na rua; é a Octogonal. Com o conforto de um condomínio murado, as crianças transitam livremente pelos blocos até altas horas da noite. E é um sem fim de crianças espalhadas por lá. Em uma noite de terça-feira, eram pelo menos 30 meninos debaixo de um único bloco. É tanta criança que a formação de panelinhas, ou seja, grupos rivais, é inevitável. Então, uns meninos chamam as meninas de bruxas; algumas meninas acham os garotos chatos. Mas, no fim, todos brincam juntos.

Os primeiros a se encontrar são os que descem durante a tarde, quando a quadra ainda está vazia. Lá eles contam com quadras poliesportivas e um parquinho de areia. Ficam por ali, jogam bola, andam de bicicleta e aprontam molecagens. Rose Porto, 42 anos, prefeita da Octogonal 8, afirma que não existe um único dia que não receba uma reclamação formal com relação ao comportamento das crianças e dos adolescentes da quadra. A reclamação tem direito a firma e segunda via.

Dependendo da gravidade da acusação, marca-se reunião com os pais, a criança e o incomodado.
;Eles são muito enérgicos. Muito criativos, então aprontam mesmo. Quebram mesa, gritam, mexem com o porteiro, invadem a garagem, entre outras mil coisas. Tem vizinho que fica louco, outros não se incomodam. Esta semana mesmo, quebraram a tabela de vidro da quadra de basquete;, conta. O delito ainda está sub júdice, com direito a denúncia anônima e investigação por parte da prefeita. Nos dias de semana, às 22h, apagam-se as luzes da praça central. É o único jeito de mandar a garotada para a casa. As crianças sabem que exageram na bagunça, mas riem das peraltices e, unidos, não revelam de jeito nenhum, por exemplo, quem quebrou a tal tabela. ;A gente sabe, mas não conta;, disse um deles.

A bagunça começa lá pelas 15h. Um primeiro desce, e grita lá debaixo o nome do amigo. Eles vão recrutando os colegas que podem descer durante tarde. Alguns estão ocupados com o curso de inglês, a tarefa de casa, a prova da escola, ou estão de castigo. O horário oficial da turma é mesmo à noite, quando todo mundo é liberado para descer. E é aí que os planos mirabolantes entram em ação. A turma chegou a inventar uma nova modalidade de estilingue, que chamam de balonete. O mecanismo se resume em um cano e um balão vazio, que impulsionam pedrinhas e moedas pelo ar. Há quem diga que o tal balonete foi o responsável pela tabela quebrada. ;O balonete é a moda desta semana. Semana passada era o jogo de bete.

Na outra, jogar queimada. Vai mudando, sabe?;, explica Guilherme Lima, 10 anos. Com mais seis meninos, Guilherme chama as meninas da quadra a pedidos da reportagem. ;Elas descem mais tarde;, ele conta. ;Elas são umas bruxas;, diz um deles. ;Umas chatonas;, acrescenta um terceiro.

Mesmo com tanta birra, o primeiro namorico entre eles já surgiu. Mas ainda é motivo de piada e gozação. Para as meninas, bem mais calmas e claras, os meninos são uns ;imaturos;. ;Paramos de brincar de boneca há menos de um ano. Agora, a gente brinca de profissão, de secretária, de restaurante, de skate, de bola, jogos de tabuleiro, e as brincadeiras com os meninos também. Tem PL (apelido do polícia e ladrão), pique-lobisomem (no qual o pegador imita um lobisomem) e outras coisas;, conta Agatha Braga, 12 anos. ;Estamos entrando também numa fase de ficar sentado no bloco, só conversando;, revela Luisa Lima, 12. Mesmo com a adolescência ali na esquina, elas preservam toda a infância que ainda lhes resta. ;Na verdade e consequência não tem essa de beijo não. Nossa consequência é dançar, dar a volta correndo na quadra;, assegura Mayara Sant;Ana, 12.