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'As pessoas não levam a sério a doença'

O endocrinologista Saulo Cavalcanti alerta para a gravidade da diabetes

Com a fala mansa de um mineiro, o endocrinologista Saulo Cavalcanti afirma que as pessoas não levam a sério uma doença tão grave como o diabetes. Geralmente liberam o consumo de doces, carnes gordurosas e massas durante festas, churrascos e confraternizações. ;O diabético come, mas não apresenta nenhum distúrbio imediato. As complicações surgem anos mais tarde;, garante o presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. Ele defende um movimento mundial, semelhante ao da luta contra o tabagismo, para conter a epidemia da doença. ;A incidência do diabetes tipo 2 aumenta com o envelhecimento, chegando a 18% somente na população acima dos 60 anos. Atualmente as pessoas vivem mais e a previsão é o aumento de casos na segunda década do século.;

Por que é tão difícil controlar o diabetes?
Não existe apenas um tipo de diabetes. Os mais conhecidos são o tipo 1, dependente de insulina, e o 2, adquirido por hábitos de vida e responsável por 90% dos casos da doença em todo o mundo. Temos ainda o gestacional, que surge na gravidez e desaparece depois do parto, um sinal de que a mulher terá o distúrbio no futuro. Para confundir ainda mais a opinião pública, a do tipo 1 surge na infância e adolescência, e de forma abrupta. Já o tipo 2 leva 10, 15 anos para apresentar algum sintoma. Algumas pessoas fazem o exame de glicemia em jejum e as taxas estão normais, mas as artérias podem estar sendo destruídas internamente. Há casos de pacientes que só descobrem o problema quando sentem a visão turva e procuram um oftalmologista. Independentemente do tipo, a doença exige tratamento para toda a vida, seja com o uso de insulina ou de medicamentos para controle da taxa de glicose.

Os médicos estão preparados para lidar com um paciente com diabetes ou a fazer um diagnóstico precoce da doença?
Na medicina é muito difícil você estar sempre preparado para atender todos os tipos de enfermidade. Eu, por exemplo, não estou preparado para atender um paciente com câncer ou arritmia cardíaca. Vou encaminhá-lo para um colega mais habilitado. Acredito que uma percentagem pequena de médicos estão aptos a atender os diabéticos, da forma como eles devem tratados.

Parte dos pacientes interrompem o tratamento ou não seguem corretamente as orientações médicas. Por que é tão difícil conseguir a adesão do doente?
A pessoa com diabetes tipo 1 segue a terapia indicada. Ela sabe que, se interromper o uso da insulina, pode morrer. A falta de adesão afeta geralmente os portadores da do tipo 2. Isso porque o diabete não dói e o povo é treinado para procurar o médico quando sente alguma dor ou desconforto. O problema mais grave do diabetes, assim como o colesterol alto e a hipertensão, é não ter sintomas dolorosos. Sem dor, o paciente não segue as recomendações do médico. Só obedece quando aparecem as complicações.

As autoridades de saúde dão importância à doença?
Em parte, mas acho que deveriam dar apoio maior a essa epidemia, como dão para outras doenças, como Aids e câncer. Reconheço a gravidade destas enfermidades, mas reconheço também que os portadores de HIV são mais organizados politicamente e fazem mais pressão junto ao governo. Eles estão mais ligados a questões como morte, desconforto físico e preconceito social: o diabético não. Os pacientes com diabetes não pressionam as autoridades sanitárias. O Ministério da Saúde se interessa pela questão. No entanto, poderia apresentar políticas mais firmes para controle e prevenção do diabetes no país, como o fortalecimento do Programa de Diabetes e Hipertensão do Ministério da Saúde.

Então, o que falta para prevenir o crescimento da doença?
Além de uma política mais consistente do governo brasileiro, o interesse dos meios de comunicação pelo assunto. É preciso esclarecer as pessoas sobre a doença, nem sempre levada a sério. Por exemplo: a sua mãe é diabética e no dia do aniversário dela você diz: ;a senhora pode comer um pedacinho de bolo;. A filha está oferecendo um doce que a mãe não pode comer. Ela come e não sente nada. E você diz: ;o doutor Saulo é muito rigoroso;. Depois de 10 dias é o aniversário do neto e a senhora com diabetes consome mais um pedaço de doce. Mais uma vez come e não sente nada. Porém, no futuro ela pode ter uma retinopatia diabética, um derrame. Esses esclarecimentos necessitam de maior divulgação e a mídia pode ajudar nessa tarefa. Devemos seguir um caminho semelhante ao da luta contra o cigarro. Sugiro um movimento de alerta sobre o diabetes envolvendo o governo, entidades médicas e a comunidade. É uma epidemia mundial e precisa de um combate sistemático. E daqui 10 anos será pior, pois a doença é uma consequência direta da obesidade e o mundo está cada vez mais obeso. E também ao envelhecimento. Como as pessoas vivem mais, aumentam as chances delas serem diabéticas na velhice.

O açúcar é o grande vilão?
Ninguém fica diabético por comer açúcar. O diabético não pode comer açúcar, pois esse alimento descontrola a produção de glicose em um organismo doente. O maior vilão é o excesso de peso. Há também o fator genético: filhos de diabéticos têm 80% de chances de terem a mesma doença depois dos 40 anos.

Tecnologia a favor do tratamento
Apesar da crise econômica, laboratórios farmacêuticos e empresas de tecnologia lançam novos produtos para ajudar no controle do diabetes. Veja algumas novidades apresentadas no encontro da Associação Americana de Diabetes (ADA, sigla em inglês), realizado em San Diego.

Medidores de glicose no celular
BGSTAR e iBGStar são os dois dispositivos da Sanofi-Aventis, que permitem que a medição de glicose seja feita diretamente no iPhone ou no Ipad. Bastando para isso acoplar o dispositivo na entrada inferior do celular ou do tablet, dar a picada no dedo e colocar a gota de sangue no local indicado. As informações referentes à contagem são exibidas na tela do aparelho, no aplicativo Diabetes Manager App. O mecanismo ainda oferece dicas de exercícios, resultados de medidas, estatísticas e planilhas para que o acompanhamento seja feito da melhor forma possível. O aparelho está disponível apenas na Europa. Aguarda aprovação do FDA para ser comercializado nos Estados Unidos. A previsão é de que chegue ao Brasil em 2012.

Diabetes Manager System (com foto)
O lançamento da WellDoc, disponível na Europa e com aprovação do FDA para uso nos Estados Unidos, permite a medição dos níveis de glicose pelo iPhone, iPad e outros aparelhos com o sistema operacional Android. O programa também permite o contato, em tempo real, entre o paciente e o médico. O endocrinologista tem acesso às informações referentes à saúde do paciente e pode orientá-lo a mudança na dosagem da medicação e do tipo de alimentação.

Nova insulina
A insulina de ação ultraprolongada Degludec, em desenvolvimento pelo laboratório NovoNordisk, reduz os níveis de glicose no sangue com menor risco de ocorrência de surtos de hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue).