Jornal Correio Braziliense

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A moda do faz de conta

Nos bastidores de espetáculos teatrais, das filmagens de um longa ou de uma novela, há uma pesquisa intensa para compor o visual e o estilo dos personagens. Mostramos como é o trabalho dos figurinistas e como eles influenciam até mesmo a escolha das suas roupas

Carolina Samorano / Especial para o Correio

Uma garota muito magra, parada diante de uma vitrine de joias, saboreia um croissant de padaria. A imagem refletida no vidro da joalheria revela um vestido tubinho preto, de decote discreto, unindo os dois ombros, combinado a luvas também pretas e um colar de pérolas bastante volumoso. Óculos escuros Ray Ban, o cabelo preso num coque, no alto da cabeça, arrematado com uma coroa de brilhantes, o colar de pérolas caindo sobre as costas do vestido. Os apaixonados por clássicos do cinema e os fashionistas mais afeitos a referências dos anos 1960 já devem bem saber de quem se trata. Não é difícil adivinhar que a moça miúda da cena descrita é Audrey Hepburn no papel de Holly Goolightly em Bonequinha de luxo (1961) e que o vestido em questão é um famoso ; e copiadíssimo ; Givenchy, feito exclusivamente para a personagem e eternizado na película.

Tente substituir o modelo acima pelo chapéu emblemático de Indiana Jones, o vestido frente única de Marilyn Monroe ou os ternos Giorgio Armani de Al Capone em Os Intocáveis (1987). Edith Head, figurinista de Hollywood entre as décadas de 1920 e 1970 e indicada 35 vezes ao Oscar pelos seus trabalhos vestindo centenas de personagens, dizia que o papel do figurinista é fazer um cruzamento entre magia e camuflagem. ;Nós criamos a ilusão de mudar os atores para algo que eles não são. Pedimos ao público que acreditem que cada vez que eles veem um ator no palco, ele se tornou uma pessoa diferente.; E assim, Audrey virava Holly vestida de Givenchy e ninguém ousava ; e nem ousa ; dizer que não.
O cinema mal existia e os figurinos, nos teatros e óperas, já transformavam atores em personagens e, mais que isso, influenciavam diretamente a maneira como as pessoas se vestiam. Carrie Bradshaw nem pensava em começar sua coleção de sapatos Manolo Blahnik e as senhoras mais modernas, lá atrás, já corriam para copiar o modelo do vestido desfilado pela mocinha da peça em cartaz. A moda e o trio teatro, cinema e TV sempre mantiveram uma relação quase visceral, garantem alguns figurinistas e historiadores de moda.

As provas estão espalhadas. Faça uma busca num site qualquer sobre o vestido de Audrey e veja quantos resultados vindos de blogs e sites especializados em moda ele é capaz de contar. Depois, tente encontrar um grande estilista que nunca tenha se metido a vestir pessoas da ficção. O exemplo mais recente ainda há pouco batia recordes de bilheteria com Natalie Portman no papel de uma bailarina em Cisne Negro. As fantasias de Odette e Odile foram elaboradas pelas irmãs Kate e Laura Mulleavy, à frente de uma das mais aclamadas grifes dos dias atuais, a Rodarte. Pelas bandas de cá, a TV Globo, maior produtora de telenovelas do país, reformulou em 2002 sua central de atendimento dedicada exclusivamente a tirar as dúvidas dos telespectadores sobre seus figurinos. A blusa da mocinha, o relógio da vilã. Todo mundo quer ter igual.

;Uma vez criado um personagem com um figurino que convence, essa moda será divulgada massivamente por meio da novela ou do filme, e pode sim virar mania;, resume a professora do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina Mariana Rocha. Que o diga quem aderiu à febre dos óculos escuros delicados e casacos pretos lançados por Neo (Keanu Reeves) em Matrix (1999) e que depois acabaram respingando também nas coleções masculinas da Gucci, Sean John e Dior.

Entre ficção e realidade, a Revista foi saber um pouco mais sobre as roupas que transformam os atores atrás das telas ou em cima dos palcos. De que maneira elas ajudam a construir a trama, a delinear a personalidade das personagens e, de que forma têm algum papel, seja proposital ou não, sobre as escolhas que você faz no momento em que vai às compras no shopping.

E o Oscar vai para;
Ator, diretor, roteirista, figurino. Os recortes de tecido que vestem as personagens também são minuciosamente avaliados pela Academia. Confira os 10 últimos premiados.

2002 ; Moulin rouge, de Catherine Martin e Angus Strathie // 2003 ; Chicago, de Colleen Atwood


2004 ; Senhor do anéis ; O retorno do rei, de Ngila Dickson e Richard Taylor // 2005 ; O aviador, de Sandy Powell


2006 ; Memórias de uma gueixa, de Colleen Atwood // 2007 ; Maria Antonieta, de Milena Canonero


2008 ; Elizabeth ; A era de ouro, de Alexandra Byrne // 2009 ; A duquesa, de Michael O;Connor


2010 ; A jovem rainha Vitória, de Sandy Powell // 2011 ; Alice no país das maravilhas, de Colleen Atwood

Clássicos das películas
Alguns figurinos são tão marcantes e se inserem tanto nas histórias contadas nos filmes dos quais fazem parte que acabam virando suas maiores referência. Quem não lembra?
# Os vestidos Givenchy para Audrey Hepburn em Sabrina (1954) e Bonequinha de luxo (1961)
# O vestido vermelho de Julia Roberts em Uma linda mulher (1990)
# Os sapatos e ternos estilosos de John Travolta em Embalos de sábado à noite (1977)
# Os ternos Giorgio Armani em Os intocáveis (1987)
# O vestido de noiva Vivienne Westwood de Carrie em Sex and the City (2008)

Criadores e criaturas
É com o roteiro na mão que o figurinista começa a trabalhar. Nenhum grande guarda-roupa de set de filmagem ou de backstage de teatro nasce antes que o profissional saiba quem são os personagens, do que se trata a história, em que época se passa. A partir daí, um emaranhado de referências começa a se formar num quadro inspirativo que, mais tarde, será o responsável por delinear as primeiras linhas do estilo de cada personagem. ;É como ilustrar uma história;, compara a figurinista Verônica Julian. No currículo, Verônica contabiliza trabalhos em minisséries globais, como Antônia, a ficção Castelo Rá-Tim-Bum e reconstruções de histórias reais, como o recente longa VIP;s, com Wagner Moura no papel principal. O sufoco da vez é recriar a Brasília dos anos 1970 e 1980 em Somos tão jovens, que conta a história dos primeiros anos de carreira de Renato Russo e deve estrear ainda no ano que vem.

Trabalhar com uma figura tão simbólica como o músico é uma delícia, ela conta. Mas também um desafio quando você compara, por exemplo, a um enredo completamente fictício. ;Todo mundo sabe quem ele é. As pessoas precisam olhar para o Thiago Mendonça (ator) e acreditar que ele é mesmo o Renato. Já uma pessoa que não existe, eu mesma posso criar;, conta. E fazer as pessoas acreditarem, diante de uma tela no cinema, na história que o filme quer contar passa por minúcias que, provavelmente, você nunca tinha pensado. O tênis All Star, por exemplo, uma das mais óbvias referências ao movimento punk da época, não era tão comum assim por aqui. ;Só vendia nos Estados Unidos. A maioria usava Conga. Mas Brasília tem a particularidade de ter muitos jovens filhos de diplomatas e políticos. Por isso, a gente se permite;, explica.

Tênis novo em pé de punk, no entanto, não convence. Numa situação como essa, cada par de tênis que chega novinho, na caixa, passa por um processo de envelhecimento manual. O mesmo acontece com camisas, camisetas, calça jeans. Além disso, reconstruir um estilo que estava em voga há quatro décadas não é tão simples quanto folhear revistas de moda. ;Elas são uma referência muito importante, assim como os desfiles. A gente precisa saber as silhuetas, os volumes e comprimentos. Mas não necessariamente o que está nas revistas é o que as pessoas usavam nas ruas;, observa. E aí, junte às referências high fashion milhares de fotos antigas de família e entrevistas com amigos e parentes dos protagonistas. Só aí começam os trabalhos.

O processo de criação de cada um, assim como funciona com a moda, obedece a etapas obrigatórias que vão da tradução da sinopse à aprovação do diretor, mas reserva peculiaridades de profissional para profissional. Para Theodoro Cochrane, vencedor do Prêmio Shell de Teatro 2011 pelo figurino de Escuro, por exemplo, separar moda de figurino quase nunca é uma opção. Resistir aos croquis de Christian Dior dos anos 1940 e 1950 e Yves Saint Laurent nem passou pela sua cabeça quando ele recebeu a missão de vestir os quase 100 participantes do Festival de Ópera de Brasília. Originalmente, as óperas ; Pagliacci e Cavalleria Rusticana ; se passavam na Itália do século 19, mas a produção optou por modernizar um pouco a história e Theodoro acabou desenhando roupas para Goiás, anos 1950. E dá-lhe referência do new look do pós-guerra.
Se muitas vezes os infinitos rabiscos de croquis aproximam figurinistas e estilistas, os palcos e as câmeras se encarregam de afastá-los. ;Eu não visto modelos;, se adianta Theodoro. ;Visto pessoas que nem sempre são magras e altas. E por isso é importante conhecer os volumes e silhuetas de cada uma para que eu saiba o que valorizar ou não na hora de elaborar o figurino. Uma moça gordinha, por exemplo, não pode usar um vestido de cintura apertada demais.;

Formas à parte, nem todo diretor enxerga com bons olhos quem se atreve a meter o dedo fashion onde não foi chamado. ;Tem gente que diz que a roupa não pode se sobrepor ao texto, chamar muita atenção. Eu encaro como a valorização do trabalho do ator;, opina Cochrane. Outro desafio é unir beleza e conforto. E, nesse ponto, a experiência como ator também soma pontos a favor na hora de pensar a roupa. Se a atriz vai fazer um espacate em cena, nada de vesti-la com uma saia lápis. Ou se a cena exige muita movimentação de braço, a manga apertada dá lugar a uma falsa.

Moda de mentirinha?
Há alguns ; muitos ; anos, quando a televisão e o cinema não faziam parte da decoração dos lares modernos nem dos programas de fim de semana familiares, era o teatro a verdadeira passarela de tendências. Se hoje as adolescentes não resistem às bolsas e aos laços de fitas da patricinha novaiorquina Blair Waldorf, protagonista da série de TV norte-americana Gossip girl, antes, eram os figurinos teatrais as fontes de inspiração das fashionistas de décadas passadas. O Teatro Dulcina de Moraes, por exemplo, reúne ainda uma vasta coleção de figurinos usados pela atriz em algumas de suas mais importantes peças teatrais, apresentadas mesmo fora do país.

Entre eles, a camisa de poás bordados usada em Chuva (1945), uma das suas mais aclamadas representações como atriz na época da companhia Dulcina-Odilon. Vestidos decotados bordados caprichosamente seguem quase intactos e chapéus comprados em butiques fora do Brasil mal apresentam sinal de uso. A maioria do figurino é assinada pela própria Dulcina e traduz, segundo amigos, sua elegância natural do dia a dia. Mas o acervo guarda também peças desenhadas exclusivamente por Clodovil. ;Dulcina era elegante, atenta às tendências. Era muito comum que as mulheres passassem a peça inteira observando as roupas para depois copiarem;, conta Francis Wilker, responsável pelo acervo e atual coordenador de projetos da Faculdade Dulcina de Moraes.

A mania da cópia não desapareceu completamente. Pelo contrário. A julgar pelos números da Central de Atendimento ao Telespectador da TV Globo, só fez aumentar. A CAT, na verdade, existe desde os anos 1980, mas foi reformulada em 2002 para atender à crescente demanda do público. Por dia, são mais de 3 mil contatos com a central, entre telefonemas e e-mails. Em maio, por exemplo, as personagens Marina e Carol, ambas da trama do horário das nove da rede, Insensato coração, eram líderes de pedidos sobre casacos, vestidos, relógio, bolsas, brincos e quaisquer outras coisas que vestissem em cena.

Entre o público jovem, o guarda-roupa das meninas de Gossip girl ainda é provavelmente o mais cobiçado. O mérito é do figurinista Eric Daman, que desde que a série foi para o ar, em 2007, tem conseguido traduzir em roupas as personalidades e diferentes fases de cada uma das personagens do drama adolescente. Jenny faz o estilo rebelde sem causa. Vanessa tem uma pegada boho chic e as meninas do Upper East Side, Blair e Serena, desfilam de salto alto pelas ruas de Manhattan, cada uma ao seu estilo: Blair é mais comportada, enquanto Serena tem um apelo mais sensual.

Individualidades à parte, fora dos sets de filmagem, 10 entre 10 meninas fãs da série querem ser um pouco de cada uma delas, pelo menos no quesito guarda-roupa. Para se ter uma ideia do tamanho da magia, a revista People chegou a contabilizar 10 mil peças no acervo ; a mais cara é um broche da joalheria Van Cleef & Arpels avaliado em US$ 650 mil. Eric Daman faz um bom trabalho, não se pode questionar. Mas não assina sozinho o sucesso do figurino, segundo a avaliação do coordenador do curso de design de moda do Iesb, Marco Antônio Vieira. ;O figurino é excelente. Mas o apelo dele junto às meninas vai muito além das roupas;, sugere. Funciona mais ou menos assim: a trama é envolvente, o texto, bem amarrado; as personagens, de personalidade forte; e as atrizes, carismáticas. ;É esse encontro que seduz. As meninas querem, na verdade, imitar o life style das personagens, e esse desejo acaba refletido nas roupas;, frisa.

As mais-mais
Elas são os mais premiadas e comentadas figurinistas do cinema e da TV atualmente. Em qualquer filme cujas personagens desfilem com suas assinaturas, há uma interpretação da moda e do contexto do enredo em que vale a pena prestar bastante atenção. Veja quem são elas:

Patricia Field
Novaiorquina que é, Field não poderia deixar de imprimir seu estilo de garota cosmopolita nos figurinos que assina. É criação dela um dos guarda-roupas mais invejados do planeta, seja pela personalidade impressa nas roupas, seja pela quantidade de sapatos Jimmy Choo. Estamos falando de Sex and the city. Some a isso a transformação de Anne Hathaway em uma fashionista de primeiro escalão em O diabo veste Prada (2007) e você tem motivos o bastante para admirar o trabalho da figurinista.

Colleen Atwood
Sabe aquela garotinha dos livros da Disney, que vivia às voltas com um gato atrasado, usava vestido azul, avental branco e um laço de fita no cabelo? Foi por reconstruir uma das personagens mais famosas de Lewis Carroll para as telonas (adaptação de Tim Burton, em 2010) que Atwood arrematou seu último Oscar. Antes dele, ela já havia faturado duas estatuetas, pelo musical Chicago, em 2002, e por Memórias de uma gueixa, em 2006. Fora os trabalhos premiados pela Academia, são dela também figurinos de outros grandes clássicos do cinema como Edward mãos de tesoura, Planeta dos macacos, A lenda do cavaleiro sem cabeça, Nine e Missão Impossível 3.

Milena Canonero
É, atualmente, ídolo dos mais descolados figurinistas. Ganhadora de três Oscars ;Barry Lyndon (1975), Carruagem de fogo (1981) e Maria Antonieta (2006) ; a italiana é conhecida pelas sutis ousadias nos mais engessados enredos. Em Maria Antonieta, por exemplo, ela pulou a simples reprodução da moda do século 18 e voltou-se mais para a personalidade da protagonista. A Maria Antonieta dos croquis de Canonero tinha no guarda-roupa até um tênis All Star lilás, símbolo dos fashionistas mais moderninhos.

Nem tão próximos assim
O figurinista tem um pouco de estilista. Basta olhar para os croquis que guiam as costureiras por detrás das câmeras. ;A grande diferença é que o estilista tem mais liberdade para criar;, compara Theodoro Cochrane. ;Eu preciso submeter meu trabalho primeiro ao roteiro, à época, à verba disponível e, por fim, ao diretor, que aprova o trabalho.; O professor Marco Antônio Vieira cita outras diferenças. ;O designer cria um produto que deve ser inserido em um mercado consumidor e, esse produto, deve dialogar com o cotidiano do seu público-alvo, o que não acontece com um figurino, criado apenas para compor a história;, explica o especialista. Essa obrigatoriedade, segundo ele, já é suficiente para que essa suposta liberdade do estilista, não seja tão ampla assim. ;Não existe criação sem edição. O figurinista tem as condições da obra. O designer tem o tecido que não pode ser caro demais para não influenciar no preço da peça, tem as tendências, a inspiração, as costureiras;, conclui.

Além disso, a maneira de cada um trabalhar é diversa. Um figurinista que trabalha com um roteiro de época, por exemplo, precisa imprimir nas roupas a atmosfera exata dos vestidos usados nessa época. Já um designer pode usar a mesma época como ponto de partida de uma coleção e não necessariamente criar roupas de época. Foi o que aconteceu numa coleção de John Galliano para a Dior em 2004, quando o estilista usou o Egito Antigo como inspiração para seu desfile alta-costura. ;O figurinista vai reconstruir uma atmosfera, e o designer busca sempre uma ressignificação. Essa é a grande diferença;, resume Marco Antônio.

Parece teatro, mas é moda
Alguns designers são conhecidos entre os fashionistas pelas apresentações tão performáticas nas passarelas que poderiam ter saído de croquis de figurinos dos mais esquisitos enredos de ficção:

Alexander McQueen
Não são exatamente os vestidos clássicos de casamentos de princesas ; o de Kate Middleton levava a assinatura da casa ; a marca registrada do estilista britânico. Adepto de cores e matérias-primas energéticas, as coleções, agora comandadas por Sarah Burton, preservam sempre um quê de fantástico, seja no exagero dos volumes, na maquiagem, nos acessórios de cabeça escalafabéticos. Em Plato;s Atlantis, coleção primavera-verão de 2010, e a última assinada por McQueen, antes da sua morte, as modelos entraram na passarela usando saltos altíssimos, imitando patas de monstros marinhos. Lady Gaga chegou a desfilar com eles por aí. Pura ficção científica.

Viktor & Rolf
Imagine uma dupla de estilistas que resolve dizer, literalmente, ;não; para a moda, com a palavra escrita em 3D nos casacos de lã, justamente na passarela de inverno da semana de moda de Milão. ;As coisas acontecem tão rápido na moda. A gente gosta disso, mas quisemos dizer não dessa vez;, justificaram na época. Depois disso, vieram os desfiles com passarelas de cabeça para baixo, as apresentação com uso do chroma-key e os vestidos de tule com estranhos recortes na saias que foram adotados por celebridades de estilo excêntrico, como Katy Perry e Lady Gaga. Não é à toa que algumas de suas criações chegaram a ser expostas em museus de arte pelo mundo.

Comme des Garçons
A marca da estilista japonesa Rei Kawakubo é conhecida como o estandarte antifashion das passarelas de Paris. Isso porque, em geral, Kawakubo prefere desconstruir a sugerir versões das modelagens tradicionais. Ou seja, blusas que viram saias e logo depois se transmutam em coletes assimétricos e pontas às vezes inacabadas viram vedetes dos críticos de moda a cada apresentação nas semanas de moda parisienses. Na última coleção, por exemplo, do inverno 2011, ela surgiu com o que chamou de ;moda híbrida;, que bem poderia vestir com perfeição a criatura típica dos circos, metade homem, metade mulher.

John Galliano
No início do ano, o ex-estilista da Dior acabou demitido após se meter numa polêmica que envolvia boas doses de álcool e declarações antisemitas. Mas o drama na vida do estilista vai bem além da confusão destacada pela mídia internacional, do bigode à Salvador Dali e da cara de poucos amigos que ele tem como sua marca registrada. As apresentações das suas criações nas passarelas sempre ganharam destaque pelo forte apelo teatral. Em 2007, quando a Dior completou 60 anos, por exemplo, Galliano preparou um desfile de vestidos de época, inspirado nas primeiras criações de Christian Dior, mas claro, revisitadas pela cabeça criativa do estilista: muita cor, volume e um quê de barroco. ;Meu trabalho é seduzir;, é como ele define.

Entrevista//Marie Salles e Karla Monteiro
Que cara tem seu rei?
Imagine ter lápis e papel nas mãos e um roteiro de conto de fadas às avessas para ilustrar. Parece até aqueles trabalhos gostosos de colorir da escola, dos quais a gente morre de saudades, mas a coisa é séria ; embora não menos divertida. Foi mais ou menos esse o trabalho das figurinistas Karla Monteiro e Marie Salles quando foram convidadas a elaborar o figurino da global Cordel encantado, no ar desde abril. O leque de personagens envolve de cangaceiros a princesas europeias refugiadas no Nordeste e a história se passa entre os séculos 19 e 20. Traduzindo toda essa confusão em figurino, o que se tem é numa deliciosa sopa de referências que reúne de Guerra nas Estrelas aos desfiles da moderninha Balmain e passa até por desenhos de criança. A Revista conversou com as duas para saber mais sobre essa mistureba.

A novela é quase um conto de fadas. É mais difícil elaborar um figurino desses, de reis, rainhas e princesas do que vestir personagens comuns, de novelas contemporâneas?
O contemporâneo é mais difícil porque ele tem um compromisso com a realidade muito maior. No caso de Cordel, usamos um período como fio condutor, mas tivemos muita liberdade criativa. É um verdadeiro prazer, é um presente poder fazer um trabalho assim.

Como o figurino ajuda a identificar os diferentes núcleos da novela e de que forma ele dialoga com a personalidade das personagens?
Nós dividimos os personagens em quatro núcleos centrais para a composição do figurino: Seráfia do Norte, Seráfia do Sul, Brogodó e cangaceiros. O núcleo de Seráfia do Norte usa cores solares, como dourado, tons claros, bege e marrom ; à exceção dos vilões, que usam verde, bordô e preto. Os personagens de Seráfia do Sul, um reino de rebeldes, são marcados pelas cores prata, azul marinho e preto, em referência à lua. A inspiração para os figurinos da rainha Helena (Mariana Lima), do rei Teobaldo (Thiago Lacerda), de Inácio (Maurício Destri) e Felipe (Jayme Matarazzo) veio dos filmes Guerra nas estrelas e O senhor dos anéis. Já as peças dos personagens de Brogodó são totalmente feitas à mão. É um olhar contemporâneo do artesanato, com tons claros e materiais naturais, como a juta e o algodão. O núcleo do cangaço tem peças que são uma recriação das roupas do cangaço, com menções a outros guerreiros, como samurais, por exemplo.

O trabalho é 100% artesanal ou conta também com peças prontas?
Produzimos a grande maioria das peças aqui e mesmo as que compramos recebem muitas intervenções e aplicações. Os destaques são a extensa variedade de chapéus, as joias do reino de Seráfia e o trabalho artesanal, feito por um ateliê com bordadeiras que trabalham exclusivamente nas rendas e tecidos naturais. Um chapeleiro carioca assina todos os chapéus, tanto os de Brogodó como os de Seráfia. As bijuterias usadas pelos personagens da realeza foram feitas por uma artesã.

Como foi essa história de pedir para uma criança desenhar um rei?
Foi uma participação muito especial. O filho da Marie, Mateus, tem 9 anos e estava vendo a gente trabalhar na pesquisa. Ele quis nos ajudar e desenhou para a gente como ele imaginava um rei. Desse desenho veio nossa referência para o rei Augusto (Carmo Dalla Vecchia).

De onde vêm as maiores referências de vocês?
Das passarelas, da internet, de filmes, quadros, livros de arte, livros de moda, da observação. A personagem Úrsula (Debora Bloch), por exemplo, tem umas ombreiras inspiradas nas do Balmain (grife francesa que fez delas verdadeiras vedetes quatro temporadas atrás). De famílias reais, pesquisamos a realeza russa do Romanov.

Apesar de ser uma novela de época, muitos elementos das roupas das personagens poderiam muito bem integrar um look contemporâneo. Como é a conversa do figurino da novela com a moda? Essa coisa ;século 19 modernizado; é proposital?
A nossa pesquisa foi muito ampla pensando na orientação dos diretores Ricardo Waddington e Amora Mautner : ;Achar dentro do nosso imaginário o visual dessas pessoas;. A moda entra no nosso imaginário e toma conta. A pesquisa, tanto a de época quanto a de moda, são os ingredientes para realizar o figurino dessa fábula. O figurino do Cordel é de época, mas com uma ;pegada; contemporânea.

O figurinista tem um pouco de estilista?
São trabalhos diferenciados. O trabalho do figurinista é em cima de um personagem, de uma encomenda dos diretores e do texto. Já o estilista tem um trabalho direcionado pelas tendências .