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Cabeleira ou não, eis a questão

Médicos ingleses alertam para o perigo que o mega-hair pode trazer à saúde do couro cabelo e lançam a polêmica sobre o uso de aplique, técnica cada vez mais procurada nos salões

Neste mês, uma notícia deixou os donos de salões de beleza do Reino Unido de cabelos em pé. O alvoroço foi provocado pela Sociedade Britânica de Tricologia. Especialistas pedem a proibição de apliques de cabelo devido ao dano irreversível que as extensões trouxeram ao couro cabeludo de milhares de mulheres do país. Um dos mais famosos especialistas em cabelos da Grã-Bretanha, Steve O;Brien confirmou um aumento no número de tratamentos devido aos danos causados pelo popularmente conhecido megahair. Instrumento embelezador, ostentado principalmente pelas famosas, o aplique provoca alopecia de tração. Ou seja, calvície provocada pelo peso da madeixa colada ou presa aos fios originais.

Uma das motivações atribuídas por Steve O;Brien para essa crescente procura por aplique capilar e, consequente aumento do número de danos irreversíveis ao couro cabeludo, é a padronização da beleza na mídia. Sob os holofotes de filmes, novelas e propagandas, atrizes exibem invejáveis cabeleiras, mostrando como é fácil e simples ostentar mais volume ; mesmo que ele seja, na maioria das vezes, artificial. Presidente da Sociedade Brasileira de Tricologia (Sbtri), o médico tricologista Luciano Barsanti, autor do livro Dr. Cabelo (Ed. Elevação), concorda. ;As novelas, por exemplo, poderiam mostrar a diversidade da beleza brasileira, mas acabam padronizando o cabelo longo e volumoso que muitas mulheres não têm.;

Barsanti mantém discrição quanto à identidade das pessoas que atende no consultório, mas deixa escapar: famosas estão fazendo tratamento porque sofrem com o uso excessivo de apliques. ;No meio artístico, mulheres trabalham com o visual e fazem papéis em que precisam de um cabelo comprido. Como elas são formadoras de opinião e de estilo, outras tantas pessoas se espelham e repetem o visual sem saber os riscos que correm;, alerta.

Perigo de calvície
Cada fio de cabelo é sustentando, dentro do couro cabeludo, por um micromúsculo chamado músculo sustentador do fio ou eretor do cabelo. Quando se acrescenta qualquer quantidade de peso ao peso natural do fio, esse músculo arrebenta, matando o bulbo capilar, que é a ;fábrica; do fio. O bulbo é nutrido por artérias, que levam nutrientes aos fios. Ao tracionar o bulbo, o músculo arrebenta. Ou seja, ele se desliga da fonte nutricional e morre, o que resulta em uma calvície que recebe o nome de alopecia de tração.

Tá na moda
A cabeleireira Socorro Souza, 48 anos, trabalha há cinco em um salão especializado em aplicações de fios. Clientes dos 14 aos 70 anos querem o mesmo volume e extensão dos cabelos das celebridades que admiram. ;Se antes estava na moda o modelo ondulado da Taís Araújo, hoje todas querem o cabelo da Deborah Secco;, conta. Desde que abriu o negócio, Socorro nunca escutou queixas de calvície ou de outros danos ao couro cabeludo. Salvo casos de apliques com tic-tac ; que ela e demais profissionais do salão alertam para o uso moderado a fim de prevenir a queda de fios. ;Já atendemos clientes com falhas no couro cabeludo por usarem constantemente esse tipo de aplique, mas não com a técnica que adotamos que é a da cola de queratina;, garante.

A maioria das mulheres que procuram o salão, segundo a cabeleireira, quer alongar os fios por pura vaidade. Esse é o caso da auxiliar administrativa Gabriela de Britto, 25 anos. Há cinco, ela aposentou o secador de cabelos para domar as mechas finas e passou a usar madeixas loiras ;emprestadas;. A manutenção ela faz a cada três meses e pode custar, em média, R$ 800. ;Já usei muitas ampolas e medicamentos, mas o aplique foi a solução. Me consultei com um dermatologista para saber se estava tudo bem com meu couro cabeludo e está. Só vou deixar de usar o aplique quando perceber algum problema;, conta.

Socorro também gosta de apliques, uma alternativa para o cabelo que demora a crescer. ;Esse é um serviço caro, mas que compensa fio por fio de autoestima. Eu mesma fiz o meu primeiro mega-hair aos 45 anos e me achei linda. Não adianta: a gente pode estar com a unha feita, com a roupa certa, mas se não estivermos com o cabelo bonito, não nos sentimos bem.;
Bom senso

À frente dos britânicos que começaram a debater o assunto este ano, os médicos tricologistas brasileiros vêm divulgando há mais tempo os danos causados pelas extensões, alongamentos, entrelaçamentos, tranças naturais e artificiais. ;Muitas vezes, alguém com pouco cabelo, com fios fragilizados ou com problemas de bulbo capilar procura o aplique como uma muleta psicológica. Só que os danos a curto e médio prazos são maiores e irreversíveis;, avisa Luciano Barsanti. No consultório, o médico tricologista sente a resistência das mulheres que não querem abrir mão da cabeleira. ;Gasto mais tempo tentando convencê-la a tirar o aplique do que para fazer o tratamento.;

Se por um lado os salões de beleza investem no tratamento para alongar as madeixas, por outro a Sociedade Brasileira de Tricologia não recomenda apliques duradouros. Já os apliques temporários (para uma festa ou casamento) não são contraindicados, mas devem ser usados por, no máximo, 48 horas e retirados antes de dormir. Mas o aplique capilar não é proibido no Brasil.

E enquanto Socorro não receber queixas das clientes, ela e outros donos de centenas de salões credenciados no país vão continuar a fazer apliques em famosas ou em mulheres que economizaram centavo a centavo para parecer uma celebridade. Para isso, a cabeleireira investe em queratina de qualidade, madeixas de cabelo humano bem tratadas e em profissionais qualificados. ;Não dá para fazer um aplique de 1,99, nem pagar pelo serviço de alguém que ;aprendeu; a técnica em vídeos tutoriais na internet;, adverte.

Atento a essa demanda nos salões, Barsanti enfatiza o bom senso e a responsabilidade dos cabeleireiros. ;Notamos que profissionais informados estão mais conscientes desse risco e avaliam muito bem o fato de recomendar ou não os apliques mais duradouros. Até porque, posteriormente, eles podem ser responsabilizados por danos ao couro cabeludo da cliente;, reforça.

A biomédica Isabel Oliari, 32 anos, está satisfeita com o aplique, mas sabe os riscos que corre. O mega-hair deu um jeito no corte de cabelo que a desagradou. ;Não me arrependo de ter um aplique e, mesmo sabendo que posso perder um ou outro fio de cabelo, vou continuar com a extensão. Até porque está tudo bem. Só pretendo retirar as madeixas quando meu cabelo estiver batendo na metade das costas;, avisa.

Apliques famosos
O fato é: se alguma famosa adota um mega-hair, as mulheres correm para o salão e pedem o mesmo. O pedido agora é o mesmo de Deborah Secco, na novela Insensato Coração. A atriz, aliás, já assumiu publicamente que adota o mega-hair porque está ficando careca. Outras beldades também sacodem ; ou já sacudiram ; a cabeleira artificial na TV ou no palco.