Jornal Correio Braziliense

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As emoções dos anos 1980

Confira a entrevista com Mariana Claudino e Luiz André Alzer, autores do livro Almanaque dos anos 1980

Responda rápido: quantos joysticks você quebrou jogando Atari? Teve pesadelos com bonecos do Fofão? E ouviu Ultraje a Rigor, Ritchie e Dr. Silvana? Assistiu na Sessão Comédia a Super Vicky, A gata e o rato e Punky, a levada da breca? Tentou descobrir quem matou Odete Roitman? Fez bola de chiclete com Bubbaloo? Essas e outras recordações, descritas e ilustradas no livro Almanaque dos anos 1980 (Ed. Ediouro), foram pinceladas cuidadosamente pelos autores Mariana Claudino, 36 anos, e Luiz André Alzer, 39, autênticos personagens da época. Cada capítulo provoca a nostalgia nos leitores que viveram a infância e a adolescência da década. ;Tanto Luiz André quanto eu somos dois saudosistas de mão cheia. A gente fez o livro com emoção mesmo;, confessa Mariana. Publicado em 2004, ainda é livro de cabeceira da geração que viveu a época e até mesmo de jovens que gostariam de ter dançado música lenta ao som de Menudos ou ter assistido no cinema a Os Goonies. Em entrevista à Revista, os autores contam como tiraram a poeira de marcantes episódios dos anos 1980.

Como foi feita a seleção dos eventos, personagens e invenções que marcaram a década de 1980?
Mariana ; Fizemos um trabalho intenso na Biblioteca Nacional, pesquisamos jornais e revistas desde 1; de janeiro de 1980 ; que teoricamente não é década de 80, já que a década começa oficialmente em 1981, mas resolvemos incluir ; até 31 de dezembro de 1990. Passamos alguns meses vasculhando o que julgávamos interessante. Mais do que notícias, que serviram para contextualizar a época, a gente se deparou com anúncios e propagandas de brinquedos, guloseimas, tijolinho de cinema, grade de programas de televisão... O termômetro era a nossa lembrança e a lembrança dos amigos. Depois dessa fase de pesquisa, contamos com ajuda de amigos, sites e empresas e fomos à caça de fotos e mais informações.

Luiz André ; O trunfo do Almanaque é misturar essa memória afetiva com dados precisos, datas checadas, informações de fato pesquisadas. Poderíamos simplesmente fazer um livro com as nossas saudades, mas a ideia era que fosse um retrato da geração. Daí a necessidade de checar se determinada banda só lançou um disco ou teve, realmente, alguma representatividade. E mais do que isso: por se tratar de um livro nacional, não dava para entrar algum produto ou personagem unicamente regional. Quanto às pesquisas, isso era quase uma necessidade nossa da profissão. Não queríamos um livro frouxo, apenas saudosista. Era preciso ir a campo, pesquisar em jornais, revistas, com empresas... Vale dizer que quando o livro foi lançado, em 2004, a quantidade de informações e fotos sobre a década na internet era muito limitada. Especialmente informações precisas.

Vocês acreditam que o almanaque abraçou todos os episódios marcantes da época ou tiveram que deixar de fora episódios interessantes?
Mariana ; A gente incluiu muita coisa, mas são só 304 páginas para uma década inteira... Além disso, a ideia nunca foi fazer uma enciclopédia, um tratado ou um trabalho jornalístico. O que quisemos foi fazer um apanhado do que foi mais marcante e divertido para a geração que era criança/adolescente na época. O livro tem muito desse lado divertido, lúdico mesmo.

Luiz André ; Deixamos propositalmente de fora alguns acontecimentos marcantes da década. Por exemplo, a queda do Muro de Berlim, já no apagar das luzes da década, não está no livro. É indiscutível que foi um dos fatos mais relevantes da década, mas não era um símbolo daquela geração, mas sim dos nossos pais. Assim como também não entraram as mortes de ícones com Elis Regina e Garrincha ; dois personagens brasileiros fundamentais, mas muito distantes da juventude/infância da década. Por outro lado, falamos de economia, mas por uma outra ótica. Destacamos, por exemplo, o que se dava para comprar com a nota de ;um barão; (ou mil cruzeiros) ano a ano, e fica evidente a desvalorização da moeda. Ou seja, é uma forma de falar de inflação, só que como atingia as pessoas.

Quais desses episódios, vocês apontariam como os mais interessantes publicados no almanaque?
Mariana ; O Almanaque trabalha muito com a questão da memória afetiva, então isso acaba sendo uma resposta muito pessoal, e a minha resposta pode parecer um pouco alienada, mas não é, porque a ideia do livro é matar saudade, emocionar quem era criança, jovem naquela época. Por isso, para mim, o que é mais interessante no Almanaque pode não ser o mais representativo politicamente, por exemplo. Eu fui ao comício das Diretas Já com a minha mãe, aos 10 anos, tinha consciência política, mas gostava mesmo era das minhas Barbies. As novelas e programas de televisão dos anos 1980 são, na minha opinião, imbatíveis. Atualmente, vejo a reprise de Vale tudo e percebo como aquela década foi interessante também por esse ponto de vista. Ao mesmo tempo, a nossa pesquisa revelou algumas informações engraçadas e pitorescas que pouca gente sabia: José Mayer, por exemplo, dublava a voz do Burro Falante, do Sítio do Pica-pau amarelo. Ou que Moacyr Franco fez teste para ser o Bozo...

Luiz André ; Para mim, o emblema da década é o rock brasileiro, com pesos pesados como Titãs, Legião Urbana, Paralamas, Barão Vermelho e Cazuza, Ultraje a Rigor... É a trilha sonora que marcou toda uma geração e que influenciou quase todo o rock que veio depois. Mas foi também a época em que a televisão teve alguns marcos importantes: as novelas de humor no horário das sete ; que teve como ícones Guerra dos sexos e Que rei sou eu? ;, que perduram até hoje. A linguagem de videoclipe e quadrinhos de Armação ilimitada e que até hoje é repetida nos programas jovens, inclusive os da MTV. E o humor escrachado e meio anárquico da TV Pirata e do Perdidos na noite, do Fausto Silva, que inspiraram quase todos os programas de hoje em dia. No esporte, um dos marcos dos anos 1980 foi a Fórmula 1. Nós conquistamos cinco títulos mundiais na década: três com Nelson Piquet (1981, 1983 e 1987) e dois com Ayrton Senna (1988 e 1990), que transformou o Tema da vitória num clássico dos anos 1980.

E por que a década de 1980 exerce tanto fascínio não só nas pessoas que a viveram, como também em jovens que não viveram, mas gostariam de ter experimentado tudo o que se passou no período?
Mariana ; Lembro que nos anos 1980 o revival era dos anos 1960. Na minha opinião, é preciso um distanciamento de tempo para rever e relembrar uma década. Hoje, estamos na época de relembrar os anos 1980, e daqui a pouco é a vez de lembrar os anos 1990. Sou suspeita para falar, mas os anos 1980 são muito particulares: início da era tecnológica, anistia e abertura política, movimento do rock nacional, nova linguagem de humor na televisão; Foi uma época de transição, e isso causa um certo encanto.

Luiz André ; Nela vimos a geração da transição. Juntou o analógico, que vigorou até os anos 1970, com o digital, que explodiu nos 1990. Talvez tenha sido a única geração em que a garotada teve tanto fascínio pela tecnologia do Atari e pela ;novidade; do videocassete quanto pelos jogos de tabuleiro, como War, Detetive, Master... Sem contar que é uma geração muito mais descompromissada, menos sisuda como as das décadas anteriores, que tinha uma bandeira para lutar. Foi a primeira geração depois de longos anos que poderia se expressar livremente, que podia tanto discutir as Diretas Já e dar um voto de protesto no Macaco Tião quanto dançar ao som de Dr. Silvana e Metrô. E esse fascínio com a garotada de hoje em dia também se deve a um ponto importante: quem tem hoje entre 35 e 50 anos, que viveu intensamente os anos 1980, hoje é pai/mãe de crianças e adolescentes. É natural que queiram mostrar para seus filhos o que de bom teve na sua época.