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Cara de um, focinho do outro

Cães e gatos têm características muito diferentes - e os donos deles também. É o que garantem alguns especialistas. E, você, joga em que time?

O embate clássico entre cães e gatos não fica restrito ao imaginário dos desenhos animados. Quando chega a hora de defender os bichos, os donos têm, na ponta da língua, os motivos que os fazem amar os seus e querer distância da outra espécie. Sem que eles percebam, os animais de estimação acabam influenciando o jeito de agir e reagir do dono, emprestando-lhes características que separam os criadores de caninos e de felinos.

;A personalidade dos animais e daqueles que os criam estão conectadas. Vão se estabelecer diferentes qualidades de relacionamento de acordo com a afinidade que cada um sente por determinada espécie;, garante a veterinária Ceres Berger Faraco, especialista em interação humano-animal e presidente da Associação Médico Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal (Amvebbea). Para ela, pessoas com maior afinidade por cães, por exemplo, podem até criar gatos, mas a comunicação entre o dono e o bichano não será a mesma.

Até mesmo porque, afirma a veterinária, as expectativas criadas para cada bicho de estimação são diferentes. A estudante de artes cênicas Mikaella Dias, 19 anos, mora sozinha e tem como companheira uma gata, batizada de Noite. Apesar de ter criado diversos animais na infância ; ela já teve cachorro, papagaio e coelho ;, foram os felinos que mais a cativaram. ;Os gatos têm um comportamento mais misterioso, só que mais sincero que o dos cachorros. Só chegam perto de quem eles realmente gostam;, acredita.

A personalidade forte dos gatos é definida pelo comportamento arisco deles ao preservar um espaço próprio. Essa foi uma das conclusões da vetarinária Luciana Ribeiro Camargos em seu projeto de conclusão de curso na Universidade de Brasília (UnB). O objetivo da pesquisa era analisar o comportamento dos bichos e sua interface com a personalidade dos donos. ;Aqueles que garantem não querer gatos rechaçam a personalidade independente dos bichanos. Enquanto os que criam gatos veem nessa independência um atributo positivo e primordial;, explica.

Para realizar a pesquisa, a veterinária entrevistou 240 clientes do Hospital Veterinário da UnB, entre donos de cães, de gatos e de ambos. Ela constatou que 76% do grupo nunca tiveram um gato. E, dentre esses, 86% garantiram que nunca os terão. ;Ainda existem muitos estereótipos sobre os felinos, especialmente entre aqueles que são donos de cachorros. Muitos ainda pensam que eles passam doenças ou que são traiçoeiros;, observou. Entre os criadores de gatos, Luciana traçou algumas características que se repetem: eles são mais atenciosos quanto aos problemas de saúde do pet e mantêm-se mais informados sobre as necessidades dele.

A veterinária Ceres Berger Faraco frisa que os donos de cachorro, em sua maioria, são pessoas mais amistosas que os donos de gato. Isso de deve muito à capacidade da espécie canina em garantir uma troca imeditada de interação, o que faz com que seus criadores levem o mesmo comportamento para a vida particular.
O sorriso sempre aberto da professora Mariella Lacerda, 30 anos, parece corroborar a hipótese de Ceres. Apaixonada por cães e membro de uma ONG que trata dos bichinhos, ela cria John John como se fosse um filho. Aos 11 anos, o animal é pequeno, mas late grosso sempre que alguém chega perto da dona. ;Ele era do meu pai, que faleceu há cinco anos e eu era a número dois da casa para o John John, que me escolheu. Me casei, vim morar em Brasília e ele veio comigo, porque sou apegada demais a ele;, conta.

A professora acredita que seu amor pelos cachorros é explicado pela capacidade que eles têm de demonstrar o que sentem pelos donos de forma mais intensa do que os felinos. ;O cachorro expressa mais o carinho. Quando saio, ele chora, e quando chego da rua, ele sempre abana o rabo, pula, pede para segurá-lo no colo. Isso não acontece com os gatos.; Uma das prováveis explicações para a diferença de comportamento entre as duas espécies é o tempo de domesticação de cada uma.

Os cães estão entre os humanos há cerca de 14 mil anos. Isso faz com que o misticismo em torno deles seja menor e, como consequência, a maioria das pessoas estejam mais abertas a se relacionar com eles. ;Sempre que você busca interação com um cachorro, você consegue. Isso obriga os donos a definir comportamentos a partir dessa característica;, explica Ceres. O gato está no convívio humano há apenas cinco mil anos. Por esse motivo, os felinos ainda mantêm muitos traços do seu passado caçador, justificando assim seu jeito bem menos interativo.

;Eles são caçadores por natureza, o que muita gente confunde com individualismo. Os felinos ainda não estão totalmente adaptados à vida humana;, explica a veterinária Manoela Collaço de Carvalho. Esse menor interesse em manter laços intensos faz do gato um bicho querido por quem não gosta de relações humanas baseadas em dependência emocional. Pelo menos é o que afirma a psicóloga Ana Sílvia Pires da Silva, 41 anos.

Dona de três felinas, ela garante que não suporta relacionamentos passionais e que isso se reflete na sua escolha por gatos. ;Cachorros, mesmo quando você os trata mal, eles voltam para você. É o que chamam de ;amor incondicional;. Nem mãe tem amor assim. O que eu gosto nos gatos é que você precisa conquistá-los.;
A psicóloga acredita que o cão é um animal muito subserviente e que seus donos, por adorarem o fato dele estar sempre a postos, tendem a ser pessoas com dificuldade em aceitar a rejeição, algo que gatos fazem com talento. ;Acho que os donos de gato são pessoas que sabem lidar melhor com os outros porque se tornam mais autoconfiantes. O gato, quando nega um carinho, não o faz por desgostar do dono: ele só não quer você naquele momento;, explica.

Já a veterinária Ceres Faraco tem outra teoria. Segundo ela, os cães associam muito o lúdico ao movimento, o que exige dos donos uma forma de relação baseada em brincadeiras. Enquanto os gatos têm uma capacidade inerente de silêncio e de isolamento, o que exigiria de quem os cria uma maior capacidade de aceitação dos desejos do próprio animal. Foi justamente a falta dessas brincadeiras diárias e intensas que fez a estudante de nutrição Carolina Sardi, 21, adotar um novo cãozinho logo depois que o seu faleceu. Pop, um yorkshire de 15 anos, foi embora e ela não suportou mais que três meses sem os latidos e correrias dentro de casa. ;Compramos a Paçoca, que hoje tem cinco meses. Não consegui ficar sem a companhia de um cachorro;, confessa.

Até mesmo a escolha da raça do novo bichinho foi focada nas brincadeiras. Carolina optou por um maltês, conhecido por não ficar quieto. ;Não me imagino com um gato porque eles são tranquilos demais. Quero um animal que brinque comigo, que esteja sempre esperando por mim e é isso que um cachorro faz. Hoje sei que não consigo viver sem um cão.;

Contudo, é no amor que dão aos seus bichos que as diferenças entre donos de cachorros e de gatos cessam. Até mesmo os gastos são parecidos. De acordo com a pesquisa da veterinária Luciana Ribeiro Camargos, o valor mensal dos criadores oscila entre R$ 110 e R$ 200, não importa a espécie. ;Independentemente de ser gato ou cachorro, quando você tem um bichinho, escolheu ter uma ;criança; que não vai crescer, não vai para a faculdade, não vai arrumar emprego e que dependerá sempre dos seus cuidados. Ou você entende que vai passar 10, 12, 20 anos com aquela ;criança; ou então não crie um animal de estimação;, completa a psicóloga Ana Sílvia Pires da Silva.