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Sexualidade não é igual a gênero

Joel Baum, diretor do Gender Spectrum, uma rede de apoio e educação norte-americana para famílias, crianças e adolescentes, fala sobre a necessidade de criarem um ambiente inclusivo para todos os gêneros

A formação da identidade de gênero é um processo que, na maioria dos casos, é natural. Entretanto, a sociedade ainda define os gêneros de forma bipolar: masculino ou feminino, o que causa transtornos aos pais com crianças que não se encaixam nas restritivas definições atuais. Joel Baum é diretor do Gender Spectrum, uma rede de apoio e educação norte-americana para famílias, crianças e adolescentes criarem um ambiente inclusivo para todos os gêneros. A Revista conversou com o especialista para esclarescer ainda mais sobre a necessidade de dar liberdade para as crianças descobrirem o que elas realmente são, e como os pais devem agir para aceitar os próprios filhos.

É sabido que as crianças desenvolvem a sexualidade desde que são bebês. Quando eles começam a entender o significado de gênero?

Sexualidade não é igual a gênero. A compreensão de uma criança das expectativas sociais atribuídas ao gênero começa muito cedo e é reforçada em muitas maneiras sutis - e não tão sutis - em toda a sua infância. Da maneira que os adultos tratam bebês do sexo masculino e feminino de forma bastante diferente. Esse processo continua à medida que crescem e inclui expectativas sobre as coisas que gostam de fazer, roupas que vestem, jogos, interesses e assim por diante. Essas expectativas são muitas vezes bastante estreitas, especialmente para uma criança com atributos do sexo masculino."Meninos não choram", "Aja como um homem" e muitas outras mensagens são entregues constantemente para os garotos. Mesmo os bem resolvidos em sua identidade como homens são levados a sentir que eles não são "suficientemente masculinos." Para as crianças que não têm o sentido de alinhamento entre o seu corpo e a sua identidade de gênero, essa diferença se torna muito clara desde muito cedo na vida. Em nosso trabalho com centenas de famílias em todo o mundo, ouvimos temas familiares e histórias:
; Quando pequeno, meu filho sempre preferiu brincar com as meninas.
; Minha filha gostava apenas dos personagens masculinos dos programas que assistia.
; Todos os bichos de pelúcia dele eram de meninas.
; Ela sempre pergunta quando é que vai ter um pênis.
; Por que Deus deu-me o corpo errado? ; Posso pedir para ser um menino no Natal? Muitas famílias informam esses e muitos outros indicadores das primeiras lembranças de seus filhos enquanto cresciam. Para muitas crianças, desde o começo, é possível articular isso. Essa sensação de estar no corpo errado é bastante aguda. Combinado com as mensagens que estão recebendo constantemente sobre como deveriam ser, eles rapidamente enfrentam uma desconexão entre a forma como todos querem que eles ajam e como eles mesmos querem agir.

No caso do pequeno Dyson Kilodavis, você acha que os pais estão fazendo a coisa certa? Por quê?
Os pais de Dyson estão fazendo a coisa absolutamente certa. Eles estão guiando a criança enquanto ele expande sua própria compreensão de si mesmo. Novamente, temos que voltar para a dimensão de gênero. Com o quê Dyson gosta de brincar, ou como ele gosta de se vestir, não implica, automaticamente, qualquer coisa, exceto que ele gosta de brincar com certos brinquedos ou que ele gosta de vestir certas roupas. Seus pais permitindo que ele tenha espaço para ver o que ele gosta é um presente para ele. Enquanto muitos usam o argumento de que eles estão "encorajando-o a ser uma menina", isso pressupõe que ser uma menina significa gostar apenas de determinados brinquedos ou roupas. Isso simplesmente não é verdade. E se aplicarmos regras ainda mais restritivas? Permitir que as meninas usem calças significa que estamos incentivando-as a serem meninos? Permitir que um menino toque flauta o encoraja a ser uma menina? Naturalmente, essas declarações são ridículas. Contudo, muitas pessoas aplicam a mesma lógica no caso de Dyson. Nós não temos nenhuma evidência que sugere que incentivar interesses particulares, roupas ou brinquedos terão impacto na forma como a criança vê a si mesma. Se enquanto crescia você fosse obrigado a vestir roupas do sexo oposto, você sentiria que faz parte desse outro gênero? Eu afirmo que você não sentiria. Enquanto você poderia ter ficado confuso por seus pais pedirem para você usar, ou fazer, ou gostar de coisas que o "outro sexo" usava, fazia ou gostava, você não se sentiria diferente sobre quem você era. No entanto, temos ampla evidência de que obrigar uma criança a se vestir, brincar ou agir de uma maneira que é dita ser errada para elas causa depressão, e leva a um risco significativamente maior de coisas como o uso de drogas, ser vítima de violência, abandono da escola, infectar-se pelo HIV, tornar-se sem-teto e suicida. Nós não podemos fazer alguém sentir-se como algo que não é, mas podemos fazê-lo se sentir deprimido, confuso e angustiado.

Você acha que é mais difícil para os pais ou a criança aceitar que a sociedade tem definições restritivas de gêneros? E como você faz a consulta, treinamentos e eventos para ajudá-los?
Nossa experiência na realização de treinamentos nos Estados Unidos e no mundo é que os adultos têm muito mais dificuldade em entender as questões da diversidade de gênero que as crianças. Ou, dito de outro modo, os adultos aceitam mais as restrições da sociedade em torno do gênero do que as crianças. Os adultos são mais temerosos, mais rígidos e mais desconfortáveis com o gênero que não está de acordo com as expectativas sociais. Vez após vez, nós achamos que o trabalho que fazemos nos treinamentos em escolas é de longe mais difícil com os pais e os professores do que com as crianças. Quanto mais velhas as crianças ficam, mais rígidas se tornam, mas até estudantes do ensino médio, quando dados à chance de entender o gênero como um espectro de múltiplas dimensões, normalmente entendem. Quem entende mais do que uma criança ou adolescente o desejo de simplesmente poder ser você mesmo? O nosso trabalho de formação é projetado para iniciar com o entendimento de gênero como um espectro complexo e, em seguida, fornecendo exemplos de crianças, famílias e sistemas que aceitam sexo de maneiras mais aceitáveis. Nós, então, trabalhamos para ajudar as famílias e as crianças a ver que eles não estão sozinhos, que há outras crianças e famílias na mesma situação, e que isso não tem que ser uma coisa negativa. Trabalhamos para ajudar as escolas a se tornarem mais inclusivas sobre a diversidade de gênero para todas as crianças. Deve ser permitido a qualquer um jogar futebol, ou usar rosa, ou gostar de cozinhar, e não tem que ter a ver com o fato de usar cueca!

É normal ver meninos que usam algumas roupas da mãe ou meninas que gostam de futebol. Então, como podemos saber que a criança tem transtorno de gênero? E quando os pais têm que começar a se preocupar com eles?
Muitas crianças passam por fases de todos os tipos. Minha filha achou que era um cão por vários dias! Ao olhar para ver se o sexo de uma criança é, de fato, fora dos padrões típicos, pedimos aos pais para pensar sobre persistência e consistência. Isso é algo que vem acontecendo há muito tempo, durante um período de meses e meses? É algo que está constantemente ocorrendo, ou seja, a criança afirma constantemente um senso de gênero contrário ao que nasceu? O "isso é uma fase?" é uma questão muito comum. Os pais devem ficar preocupados quando veem seus filhos tornando-se deprimidos, retraídos, com raiva ou infelizes. No entanto, quando eles veem essas coisas, a questão não deve ser "o que há de errado com meu filho?", mas sim "o que está acontecendo para que meu filho se sinta dessa maneira?" Em outras palavras, a tristeza da criança é por causa do desejo de vestir roupas diferentes da maioria das pessoas do mesmo sexo, ou, mais provavelmente, pela forma como está sendo tratada por causa desse desejo? A criança está preocupada em se sentir "outra" ou porque sabe que seus pais, amigos ou a comunidade pode não aceitá-la? Essas são questões muito complicadas e se uma criança que está apresentando gênero de maneiras não tradicionais mostra quaisquer sinais de sofrimento mental, nós encorajamos os pais a procurar apoio profissional para ajudar a compreender as raízes dessa angústia. Mas é fundamental que eles procurem ajuda para entender melhor seus filhos e ajudar a criança a compreender a si mesma, e não simplesmente para ajudar seu filho a começar a "agir da forma que deveriam."

O entendimento da própria sexualidade desde a infância pode ser uma oportunidade para começar a vida sexual mais cedo?
Novamente, o próprio senso de gênero não significa automaticamente sua atividade sexual ou atrações. Não existem estudos que mostram que ajudar uma criança a compreender o seu próprio gênero aumentará sua atividade sexual. Saber como complexo e interessante é o gênero não cria um desejo de se tornarem sexualmente ativas.

Há muitos artistas que hoje exploram a androginia, como Lady Gaga e Justin Bieber. Eles podem confundir o entendimento dos jovens e crianças sobre sexo ou são apenas comportamentos atuais?
Em vez de confundir os jovens sobre sexo, artistas que empurram esses limites criam espaço para todas as pessoas serem elas mesmas. Os artistas são frequentemente as primeiras pessoas a explorarem temas que acabarão por tornar-se mais aceitáveis para todas as pessoas, e assim também com o gênero. O importante é que nós separamos os comportamentos, os olhares e as ações desses artistas, e qualquer pessoa dessa maneira, a partir de seu gênero. Torna-se problemático quando olhamos para um artista e falamos que eles "não estão agindo como um menino (ou menina) deveria", porque então começaremos a tomar um curso que só pode se tornar cada vez mais estreito.
Em vez disso, precisamos nos tornar mais confortáveis com a ideia de que existem muitas maneiras de ser meninos ou meninas, ou ambos, ou nenhum. O que importa é quem somos e como nós tratamos os outros. A história é marcada por níveis cada vez maiores de aceitação e celebração das diferenças, e assim também é com o gênero. Não é muito mais interessante desse jeito?

Para mais informações, acesse: http://www.genderspectrum.org/