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Cuidado caro demais

Ser alérgico exige uma rotina de cuidados especiais. Para viver bem, são necessários produtos com fórmulas específicas, que, muitas vezes, têm preços bem elevados

Alergia é doença de rico! Quem vive entre espirros, coceiras, problemas digestivos e falta de ar ouviu essa expressão milhares de vezes. Por milhares de vezes também precisou cortar gastos para custear medicamentos para tratar o problema. Ainda precisou percorrer consultórios médicos e lojas especializadas em busca de produtos antialérgicos, que custam mais caro que os comuns. Uma rotina bem conhecida por pais como Christina e Wesley. Eles acompanham de perto a rotina das filhas Clara e Maria Eduarda, respectivamente, que são alérgicas e precisam de cuidados especiais e constantes.

A médica Fátima Emerson explica que a alergia nada mais é do que a reação exagerada do organismo a um fator externo. ;O gatilho para uma reação alérgica pode ser a poeira, umidade, alimentos ou remédios. Os sintomas também são variados. Mesmo sem saber como e quando uma alergia vai se desenvolver, a melhor prevenção é ficar longe do que provoca as crises;, afirma a alergista.

O certo é que ser alérgico custa caro. Um estudo americano revelou que os empregados com alergias dão um prejuízo de US$ 250 milhões às empresas em que trabalham. Tudo isso por causa das faltas constantes ao trabalho. Na casa dos alérgicos, a despesa também é alta. Os tratamentos também oneram a renda familiar. Nos Estados Unidos, os casos de rinite geram um gasto anual de US$ 3,4 bilhões com consultas, medicamentos e produtos específicos para tratar a doença. No Brasil não há estatísticas, mas as constatações médicas confirmam as altas cifras. ;Um tratamento para rinite e asma pode consumir mensalmente a metade de um salário mínimo;, diz o médico Raul Emrich Melo, autor do livro História e alergia (Editora Via Lettera).

Leite da sobrevivência

A pequena Clara, 5 anos, é uma criança normal. Tem 1m15 de altura e 24 quilos. Medidas esperadas para sua idade. Só na hora das refeições se torna diferente. Portadora de uma alergia alimentar múltipla, a pequena só pode comer uma coisa: o leite da marca Neocate, isento de proteína de vaca. É justamente essa proteína que desencadeia a intolerância. Com o tempo, o quadro agravou-se e a menina ficou resistente aos demais itens do cardápio de uma pessoa sem o mesmo problema.
O caso dela prova a tese de que alergia é cara. Mas não há escolhas. Clara sobrevive graças ao leite. Cada lata, com 300 gramas, custa entre R$ 270 a R$ 490. São cinco mamadeiras por dia. Qualquer outro alimento causa diarréia e inflama a pele da menina. Os médicos até orientaram a mãe a introduzir, aos poucos, outros tipos de comida na rotina de Clara. Não adiantou. ;Na festa do Natal dei um pedacinho de peru para ela experimentar, mas veio a diarréia. Na viagem das férias, tive que levar as latas do leite;, conta a mãe, a médica dermatologista Christina Bittencourt de Santana Abreu. ;Se Clara tivesse pais carentes, com certeza não teria sobrevivido;, reconhece a mãe.

A luta de Clara e de seus pais pela sobrevivência começou quando ela completou quatro meses de vida. Amamentando o bebê, Christina iniciou a introdução de outros alimentos como frutas e legumes. Tudo em forma de papinha leve. A menina passou a apresentar um quadro severo de diarréias constantes e foi internada algumas vezes com desnutrição. ;Suspeitei de alergia alimentar e, mesmo sem apoio de pediatras, passei a fazer um diário das refeições, a cuidar da alimentação da minha filha e a verificar as reações que ela apresentava;, conta Christina. ;Parei de trabalhar por dois anos;, acrescenta.

A menina até experimentou algumas marcas de leite, todos sem lactose, mas o quadro alérgico persistia. Em novembro de 2008, Christina soube da história de um garoto, também portador de alergia alimentar grave e que durante anos se alimentou apenas de carne de rã. "Levei a minha para o mesmo médico, um gastroenterologista no Rio de Janeiro. Ele receitou um leite especial e diagnosticou que Clara tem alergia a proteína da vaca. A restrição da alimentação inclui até o consumo de carne bovina;, conta Christina. Segundo o especialista, o organismo da garota não possui uma enzima específica para a digestão dessa substância animal. Com base no parecer médico, ela e o marido têm um gasto excessivo na alimentação de Clara. Eles sabem que essa é a única forma de garantir a saúde dela e têm sorte de pode pagar por isso.

Alergia familiar
Filho de alérgico, alérgico é! Pode parecer uma rima boba, mas é uma verdade científica. Estatísticas médicas revelam que pais com algum tipo alergia têm em torno de 40% de chances de ter um filho com o mesmo distúrbio. A pequena Maria Eduarda, de 4 anos, por exemplo, sofre de alergia à lactose e dermatite de contato. ;Ela enfrenta os mesmos problemas que tive na infância;, garante o pai, Wesley Sales, 28 anos, que faz de tudo para controlar as próprias crises de rinite. A mãe da menina foi poupada. Elaine não passa por esses transtornos.

Maria Eduarda, porém, tem mais sorte do que o pai. Hoje, ela conta com produtos capazes de controlar não apenas os surtos de alergia, mas também de melhorar a qualidade de vida. Para substituir o leite, até o início desse ano ela consumia Suprasoy, sem lactose, que custa cerca de R$ 12. Como o paladar da menina se aprimorou, os pais oferecem agora o Ades, um outro tipo de bebida láctea a base de soja, só que com sabores de frutas. O preço também é mais palatável: em torno de R$ 3.

Um problema resolvido. Mas como diz a médica Fátima Emerson, o portador de alergia não possui apenas um tipo de intolerância. ;Geralmente, uma pessoa com rinite também apresenta eczemas, pruridos e outras reações alérgicas na pele, por exemplo;, explica Fátima. É justamente a situação de Maria Eduarda. Com a pele extremamente seca, a menina usa um hidratante especial, o Ureadin 10.

Somando todos os cuidados, os pais gastam em média R$ 300, incluindo o plano de saúde. Durante as crises, as despesas sobem para R$ 600. Sem falar no desespero de Wesley e Elaine quando a doença ataca. Em junho, a garota comeu sucrilhos com leite durante um passeio à casa da tia. Foi internada em estado grave, com crise respiratória. ;Não podemos descuidar um segundo. No colégio, ela leva o próprio lanche. Também escrevemos na agenda que ela tem alergia à lactose;, conta a mãe. ;É um cuidado que não tem preço;, completa o pai.

Palavra do especialista
;Podemos dizer que a alergia é uma doença do mundo moderno. Apesar de existirem relatos de manifestações semelhantes a urticária, rinite e asma desde a Antiguidade, foi no século 20 que a incidência aumentou.
Hoje, a rinite é a doença alérgica mais comum. Na primeira metade do século passado ocorreu um aumento gradativo da doença, porém os números realmente explodiram na segunda metade do período, coincidindo com o fim da Segunda Guerra Mundial.
No início do século 21 notamos uma certa estabilização dos casos, mas a verdade é que estamos presenciando casos inusitados a cada momento, o que não observávamos anos atrás. Alergia ao gergelim, a frutas exóticas e reações a novos corantes são exemplos de manifestações alérgicas que não conhecíamos há 22 anos, quando comecei a clinicar.
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Raul Emrich Melo é médico alergista e autor do livro História e alergia (Editora Via Lettera).

O cinema copia a vida
A salvo (Safe) é um filme americano de 1995. Escrito e dirigido por Todd Haynes, e produzido por Christine Vachon, é baseado numa história real. Em 1987, no Vale de San Fernando, Califórnia, Carol White (Juliane Moore), uma dona de casa de classe média alta, leva uma vida aparentemente tranquila, numa bela casa no Sul da Califórnia ao lado do marido. Tudo se transforma quando ela se descobre subitamente a alergia a aparelhos de limpeza e artigos de uso diário. A busca pela cura da chamada doença ambiental a obrigará a procurar tratamentos não convencionais e equilíbrio espiritual.

O rapaz da bolha de plástico é outra produção baseada em fatos reais. Nessa fita de 1976, John Travolta interpreta Tod Lubitch, um jovem que nasceu com uma deficiência rara no sistema imunológico e foi obrigado a passar o resto de sua vida dentro de uma bolha de plástico. Baseado em uma história real, o filme tem a direção de Randal Kleiser.

Quem assistiu ao filme Hitch ; O conselheiro Amoroso (2005) deve lembrar da cena em que Will Smith fica com o rosto completamente inchado e quase sem respirar por causa de uma comida que tinha frutos do mar.

Já no filme My Girl (Meu primeiro amor), Thomas J. Sennett (Macaulay Culkin) sofre um choque anafilático provocado picada de abelhas. Vai dizer que não se lembra e que não chorou nesse filme?