Carolina Samorano / Especial para o Correio
A moda funciona mais ou menos como uma eficiente máquina do tempo. Vai e volta nos anos, abusando dos benefícios que a tecnologia trouxe para a indústria na criação de novos cortes, estamparias e modelagens ao mesmo tempo que resgata o que houve de melhor em décadas que há muito se foram. Sendo assim, vez ou outra o baú da vovó, aquele empoeirado e trancado no quartinho da despensa, pode ser uma ótima fonte de renovação do closet. Os sapatos de couro pouco usados, as bolsas com alça de correntes dos anos 1950, as camisas de seda, as rendas, as joias. Tudo isso um dia integrou o guarda-roupa dela e bem que poderia figurar entre os queridinhos de uma moçoila antenada de hoje. Pois não é à toa que alguns fashionistas trocariam sem hesitar a coleção de um estilista atual pelo guarda-roupa da avó estilosa.
Nos últimos anos, vimos desfilar pelas passarelas mais importantes releituras de quase todas as épocas passadas, de 1920 aos recentes 1990 ; e inclua aí os tresloucados anos 1980, amados por uns e odiados por outros, pelo menos no quesito moda. ;Já vimos a moda resgatar várias vezes as mesmas décadas com diferentes interpretações. E é assim que ela se reinventa;, avalia a consultora de moda Ana Paula Lima. A última da tal máquina do tempo foram as saias esvoaçantes na altura do tornozelo e de cintura marcada emprestadas dos anos 1950 e desfiladas pela Louis Vuitton, Ralph Lauren e Diane Von Furstenberg nas semanas de moda de Paris e Nova York. O shape dos anos 1950 chegou até a ser chamado de ;novo comprimento; por algumas publicações, embora de novo não tenha nada. Pouco depois, a nova velha mania já se apresentava nos tapetes vermelhos, com sucesso de crítica. Não há dúvidas de que o passado esteja entre as maiores fontes de inspiração dos criadores. E, mais do que fonte de inspiração, para Ana Paula, ele chega a ser até mesmo fonte de renovação. ;As formas e as tendências voltam, mas mais atuais e modernas que na época original e, assim, viram novidade.;
Se a moda é cíclica, como dizem alguns especialistas, Ana Paula há de ter razão. E algumas fashionistas mais apegadas ao passado que ao presente também. Esse grupo daria o reino por um vestido com cheirinho de naftalina. Por nada nesse mundo trocaria uma rendinha desgastada dos anos 1920 ou um óculos engatinhado dos anos 1950 por modernidades futuristas, estampas digitais, cortes a laser. Esse tipo que não resiste a uma velharia você encontra na internet ; tanto apego ao retrô tinha que ganhar seu toque de modernidade, afinal ;, escondido nos quartos das avós vasculhando armários, baús e gavetas e enfiado em brechós, concentrado para não perder nenhum bom.
Para essas blogueiras, é a roupa com história que lhes prende a atenção. A maioria delas ostenta páginas virtuais que poderiam pertencer a uma verdadeira pin up dos anos 1950 ou a uma elegante senhora dos 1940. Como a página da fashionista vintage Natasha Bailie, 26 anos, cujo site, que leva seu nome, virou referência na web para as pin up modernas. ;Eu adorava assistir a filmes como Alta sociedade e Cantando na chuva. Adorava a atmosfera, os romances, o glamour e, claro, os vestidos. Comecei a colecioná-los e, hoje, eles são mais da metade do meu guarda-roupa;, confessa Natasha.
Se ;metade; parece suficiente para Natasha, para a blogueira Jennifer Siggs, 25, do blog Yesterday Girl, não. ;Com certeza 95% do meu closet é vintage. Acho que só meus pijamas e roupas velha de ficar em casa escapam da conta;, brinca. A paixão pela moda com cara ; e data de fabricação ; antiguinha começou como um protesto fashion contra o ritmo frenético de atualização das tendências. ;Costumava gastar muito dinheiro em roupas quando era adolescente, e percebi que usava cada uma delas duas ou três vezes porque depois ela saíam de moda. Fiquei entediada com essa coisa de seguir tendências e fui buscar meus estilo nos clássicos.; Hoje, nada melhor do que olhar-se no espelho vestida num original dos anos 1950. ;Não há sentimento como o de quando você veste um vestido vintage que lhe cai perfeitamente. Não me lembro de me sentir assim com nenhuma outra roupa atual. Além disso, é algo que você tem para sempre;, descreve Jennifer.
Os anos 1950 são a grande paixão da maioria dessas meninas. Seja pelos vestidos marcados na cintura com saias amplas e busto ajustado ou pelo jeans, que nessa época passou a ser usado no dia a dia e não somente como uniforme de trabalho. ;Acho que essa década tem uma identidade fashion bastante forte;, opina Jennifer. ;Foi um retorno à feminilidade depois das privações da Segunda Guerra, e tem o shape que mais valoriza o corpo feminino;, acrescenta Gemma Seager, outra blogueira, dona do Retro Chick. Os anos 1940, pela elegância e vaidade das mulheres, ainda que sob racionamento pesado em função da Segunda Guerra Mundial, no entanto, também está entre os favoritos de algumas fãs do vintage, embora mais difíceis de encontrar em boas condições de conservação pelos brechós e baús abandonados. ;Os 1940 são uma fonte de inspiração. O esforço de se arrumar, de se maquiar e de pentear os cabelos mesmo sob toda aquela dificuldade. Toda mulher deveria ter um pouco disso;, complementa Jennifer.
De brechó em brechó
Amar uma década passada de nada vale se você não tem uma boa coleção de peças que remetem a essa época no seu guarda-roupa. Mesmo as mais modernas podem incrementar o visual com uma ou duas peças antigas de personalidade. Uma saída é vasculhar os brechós em busca de bons achados. A paixão pelo vintage e a coleção de peças que já nem mais cabiam no acervo acabaram levando a estilista brasiliense Fernanda Ferrugem a inaugurar em 2009 um espaço no seu ateliê só para vender achados de outros tempos, o Ferrugem Vintage. ;Sempre gostei e o vintage foi também uma das minhas grandes inspirações na hora de desenvolver as coleções. Abri o espaço por hobby.; O espaço acabou virando queridinho das brasilienses chegadas a um bom achado antiguinho, como as blogueiras Luísa Forani e Laura Sousa, 25, donas do Modismo e fãs incorrigíveis de um bom brechó e dos baús das avós. ;Minha mãe ainda não me deixa roubar as coisas dela, então vivo atacando o guarda-roupa da minha avó!”, revela Luísa.
De calça e blusa rendada dos anos 1920 garimpados num brechó em Londres e acessórios moderninhos, Luísa acredita que com um pouco de bom senso e sorte dá para sair do brechó com uma peça nova legal para o guarda-roupa. ;A moda vai e volta. Muitas vezes, para você adiantar uma tendência, acaba tendo que buscar nos brechós uma peça legal;, ensina. ;Além disso, tem a coisa de ser exclusiva;, completa Laura. A dica das duas para quem pretende fazer uma incursão a um brechó é prestar atenção à qualidade das peças e não fazer listas. ;Vem com a mente solta. O legal é encontrar algo que você nem sabia que queria;, diz Laura. Como ainda rola um certo preconceito com a roupa de segunda mão, vale também investir nos acessórios. ;Óculos, bolsas de couro e joias são legais e duram muito;, Luísa dá a dica.
Mas para se jogar na aventura, invista nos clássicos que viraram ícones das décadas. ;O legal é achar uma calça boca de sino original dos anos 1970, por exemplo;, explica a consultora de moda Ana Paula Lima. ;Vestidos de festa e boas alfaiatarias, que são peças clássicas, também são uma boa.; Vale misturar até mais de uma década no mesmo look. Só tome cuidado para não ficar com cara de quem acabou de sair de uma máquina do tempo. ;Use sempre uma peça atual no look. Um vestido vintage, por exemplo, fica bem com uma sandália moderna. Assim não fica caricato;, completa a consultora.
Em quem se inspirar
Sienna Miller: a atriz norte-americana vive aparecendo em blogs de moda graças ao estilo calculadamente despretensioso que carrega por aí. E isso inclui misturar peças-desejo recém-lançadas pelas grifes mais badaladas da moda a rasteiras de couro, saias longas, e casaquinhos daquele tipo que não fica nunca desatualizado. É uma das fontes de inspiração para quem curte o estilo boho e o vintage.
Alexa Chung: a it-girl e ex-apresentadora da MTV é quase uma unanimidade quando o assunto é estilo entre as mais antenadas. Consegue como ninguém aliar o moderno ao vintage sem perder a linha. Sapato com meia soquete, cardigã com vestido rodadinho, saias acinturadas, cintura marcada com cinto de couro fino e muita renda. Ela já declarou em várias entrevistas que vive garimpando bons achados em brechós.
Mary Kate Olsen: o vintage da atriz americana não é óbvio. Mas também faz sucesso entre as assíduas fashionistas espalhadas pelo mundo. A gêmea de Ashley Olsen, assim como Sienna Miller, é uma fã incondicional do boho, estilo lá dos anos 1960 e 1970. Muito jeans detonado, cabelo bagunçado, rasteira de couro, bata estampada e saia longa. Longe do estilo retrô rococó.
Sarah Jessica Parker: as referências de outros tempos estão espalhados pelos looks desfilados pela atriz ; sempre entre nas listas das mais bem vestidas ano após ano ; e por sua eterna personagem fashionista de Sex and the City, Carrie Bradshaw. Num turbante enfeitando uma produção mais modernosa, num casquete nada discreto desfilado no tapete vermelho ou no casamento da ficção e mesmo nos shapes dos vestidos.