O médico psiquiatra Renato Del Sant é diretor do Hospital Dia de adultos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPqHCFMUSP), membro da câmara técnica de saúde mental do conselho regional de medicina de SP e Mestre em Psiquiatria FMUSP e coordenador do curso Psicopatologia do programa de residência médica em psiquiatria da FMUSP. Aqui, ele fala sobre as possibilidades de causas e perspectivas de tratamento das doenças mentais. Ele garante que a qualidade dos atendimentos, especialmente a longo prazo, e a participação da família são essenciais para que o paciente apresente melhoras e, inclusive, leve uma vida saudável e produtiva.
Podemos estimar quantas pessoas sofrem de transtorno mental no país?
Depende muito do método de investigação. Aplicar questionários em massa acaba aumentando a prevalência. Entrevistas mais prolongadas diminuem a taxa. Parece estar havendo uma banalização do diagnóstico. Qualquer tristeza, por exemplo, vira doença depressiva. Qualquer ansiedade, vira transtorno de pânico. Tenho muitas ressalvas para esses métodos diagnósticos tipo questionários, pois acabam aumentando as taxas das doenças.
Qual a idade mais comum de aparecerem os primeiros sintomas de uma doença mental?
Em geral, no fim da adolescência e início da vida adulta jovem, período onde a pessoa tem que se confrontar com a realidade e os obstáculos, fazer sua independência afetiva e econômica. Para a esquizofrenia, cerca de 0,8 % (mais de um milhão de brasileiros) da população é acometido pela doença na faixa dos 15 aos 25 anos.
Quais são os quadros de doenças mentais mais comuns hoje?
A esquizofrenia, com 1% da população, e o transtorno bipolar, que as estimativas mais restritivas dizem ser por volta de 0,5%. Depois, vem o alcoolismo, farmacodependências, transtornos de personalidade, quadros neurotiformes (ansiedade, obsessões-compulsões). Com o envelhecimento da população, quadros demenciais tipo Alzheimer também estão aumentando.
Como o senhor avalia o tratamento da doença mental no Brasil? Quais são as novidades que tenham apresentados resultados promissores?
Durante a fase aguda, os tratamentos são eficazes. Mas, na fase evolutiva, temos pouco investimento na área psicossocial. Os pacientes na fase aguda recebem os melhores remédios, tal qual no primeiro mundo, mas na fase de recuperação e retorno sócio-profissional-familiar, ainda engatinhamos. Um país bom em psiquiatria é aquele que sabe lidar com os crônicos. Desde os anos 1950, com o advento da psicofarmacoterapia, os resultados são muito bons. Antes de 1950, um paciente ficava internado 30 anos, agora fica só 30 dias. De 1990 para cá, novos fármacos apareceram e minimizaram os efeitos colaterais. Também surgiram no país os CAPS, Centros de Reabilitação Psicossocial, que são um caminho muito bom, mas ainda precisam ser melhor aparelhados. Também temos uma política de internar menos e tentar tratar ambulatorialmente.
As famílias estão preparadas para lidar com os pacientes em casa? Quais são as maiores dificuldades?
Ter um doente em casa é um fardo. Doença mental é agente empobrecedor, a pessoa não trabalha, muitas vezes fica incapacitado para sempre. Antes, havia família unida, hoje é um grupo de pessoas que convivem num espaço, muito individualismo, cada um precisa trabalhar. Fica, então, difícil ter um doente em casa. Quando os familiares recebem apoio de grupos interdisciplinares (médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros), acabam colaborando bastante e os resultados são melhores. Precisa haver mais equipes dessas no país e não somente no ambulatório dando remédios e, se piorar, internando. Também é responsabilidade da sociedade como um todo tratar o doente.
Que tipo de iniciativa melhora a situação do doente mental?
Sabemos que em iniciativas de empresários que empregam doentes (inclusive mentais, a melhora é bastante significativa. Toda vez que um doente mental se sente pertencente a um grupo ele melhora. No nosso Hospital Dia, é impressionante ver que como eles melhoram quando lhe atribuímos tarefas como estágios. Fazemos atividades, tipo passeio num fim de semana, e damos aos pacientes a reponsabilidade de acertarem as rotinas ( ônibus, quem faz o churrasco, quem determina as tarefas de limpeza, quem elabora as tabelas de partidas de futebol etc).Nesses momentos, a doença desaparece, eles se portam normalmente. Alguns pacientes chegaram a me representar em algumas reuniões, e se saíram muito bem. Isolacionismo acentua a psicopatologia. Vida comunitária é sempre mais saudável.
O que desencadeia a doença mental?
Não sabemos a maior parte das causas das doenças mentais. Trabalhamos com fatores que as podem desencadear, como drogas, álcool em demasia, pobreza, falta de contatos sociais, ausência de projetos, falta de fé em algo ( político, religioso, filosófico), ânsia por ser feliz (comprar o que as mídia dizem), desenraizamento cultural, luxúria, perdas afetivas e materiais, isolamento, falta de cultura, descuido com o corpo, ânsia desmedida pelo poder e riqueza, ócio, imaturidade afetiva, individualismo, falta de sentimento social, necessidade de ser rico, belo, magro, ;corpo sarado;.
Quais são as expectativas hoje de cura ou uma considerável melhorar da doença? O paciente poderá um dia ter uma vida ;normal;?
Para as doenças mentais, como não sabemos as causas, não podemos falar em cura. Hoje podemos controlar muito bem as recaídas e manter um doente mental produtivo, social e laborialmente. O paciente precisa não se estigmatizar, é muito comum o próprio doente se rotular como possuidor de um diagnóstico e onde ele vai se apresenta como tal (numa rerunião social, num encontro amoroso, numa igreja, nos eventos familiares e numa entrevista de emprego). Isso é prejudicial. A estigmatização é muitas vezes do próprio doente, mais do que da sociedade. A história mostra que personalidades famosas eram doentes mentais e realizaram coisas fantásticas. Freud demonstra que não há normalidade. O ser humano precisa ter um projeto de vida e tentar levá-lo em frente, só assim será feliz e saudável e, no final, poderá dizer que a vida valeu.