Na prateleira da sala ou na cabeceira do quarto, repousa um velho amigo. Sempre disponível para consultas, esse senhor de capa dura e lombada brochura não costuma poupar palavras. Às vezes, os livros nos acompanham ao longo da vida. E essa constância admirável nos enche de conforto. Quando ministrada na dose correta, a leitura diária de um punhado de páginas pode até ter efeito terapêutico. Em linhas gerais, é isso que propõe a biblioterapia.
Ao ler histórias sobre personagens que passam por conflitos semelhantes aos nossos, vislumbramos saídas e alternativas. Mas como encontrar ;o; livro que poderia mudar a nossa vida? Dado o número de títulos disponíveis na literatura universal, a triagem pode ser extenuante. É aí que entram em ação os biblioterapeutas. Trabalhando como verdadeiros investigadores, eles pesquisam a ;vida literária; dos pacientes para descobrir qual autor poderia catalisar o processo de cura.
Apesar de ainda ser pouco conhecido, o método vem sendo testado com sucesso em diversos países. Na Inglaterra, o pioneirismo coube à School of Life, instituição encabeçada pelas especialistas em letras Susan Elderkin e Ella Berthoud. Após um período de cinco meses de entrevistas (que podem ser feitas cara a cara ou a distância, por telefone ou e-mail), as duas traçam o perfil dos pacientes. O segundo passo é fazer a lista de obras a serem lidas. E se você pensou apenas em livros de autoajuda, saiba que não poderia estar mais enganado: de Ovídio a Saramago, tudo entra na dança.
Para o médico e escritor Moacyr Scliar (foto), a biblioterapia está tão integrada à vida das pessoas que, às vezes, pode até passar desapercebida. ;As pessoas lêem a Bíblia em busca de amparo emocional, por exemplo;, pondera. Além disso, o autor frisa que os efeitos práticos da biblioterapia vão muito além da mera abstração dos problemas. Graças à catarse provocada pela identificação com as obras, os sentimentos reprimidos podem ser verbalizados, colocados para fora ; e trabalhados. ;Os textos consolam, amparam, dão esperanças e acenam com uma vida melhor;, defende.
Autora de diversos artigos e livros sobre biblioterapia, a bibliotecária e professora Clarice Fortkamp Caldin destaca que há duas modalidades de biblioterapia. Enquanto a biblioterapia de desenvolvimento é executada por bibliotecários, na biblioterapia clínica o foco é o trabalho feito por psicólogos. ;Por meio da leitura, narração ou dramatização de um texto literário, procura-se instigar a imaginação do público-alvo, ao mesmo tempo permitindo livre expressão de suas emoções;, complementa.
Biblioterapia aplicada
A ideia de ler os livros certos e, de repente, ver seus problemas evaporarem é um tanto simplista. A bibliotecária e professora Maria Alice Borges alerta que uma escolha de títulos feita de forma inadequada pode não dar resultado algum. Para não correr o risco de errar na mão, ter sensibilidade para perceber as reais necessidades dos pacientes é essencial. Uma pessoa com tendências suicidas, por exemplo, não se beneficiará com leituras apenas sobre suicídio. ;Você passa pelo tema, mas sob o ponto de vista de uma discussão, sabendo que nós poderemos chegar a uma situação igual a outra pessoa que não tenha passado por isso.;
Diferentemente de uma leitura banal, a biblioterapia busca dar informações sobre os problemas vividos e os resultados que se espera alcançar ; que mudam dependendo do público-alvo abordado. ;Se for em um hospital, você tem que ter uma literatura que não seja de reforço àquela dependência hospitalar, mas uma que mostre que aquela dependência é um período transitório para uma mudança;, ilustra a bibliotecária. Ela explica que, quando o trabalho é feito com crianças abandonadas, por exemplo, o cuidado com os livros receitados deve ser redobrado.
A biblioterapia se divide em alguns tipos diferentes. Saiba mais sobre eles:
Biblioterapia institucional
Provavelmente, você já passou por ela. Muito utilizada em ambientes institucionais públicos e privados, é aquela palestra onde a empresa trás um conteúdo novo que os funcionários precisam aprender. Pode ser feita em grupo ou de forma individual e não utiliza literatura, mas material didático.
Biblioterapia clínica
Feita em grupo, é voltada para pessoas com problemas emocionais ou comportamentais. É feita com uma equipe de médicos e bilbliotecários, e utiliza literatura ficcional como base dos debates entre os participantes.
Biblioterapia desenvolvimental
Também em grupo, os participantes não precisam, necessariamente, estar passando por problemas psicológicos. Em muitos casos, o paciente está mentalmente saudável, mas atravessa um período de crise. A literatura utilizada pode ser ficcional ou didática.