Jornal Correio Braziliense

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Fãs sem limites

Você rodaria o mundo atrás do seu ídolo? Pagaria uma viagem cinco estrelas para ele? Vestiria um disfarce de segurança só para chegar mais perto? Pois encontramos gente que já fez tudo isso - e faria muito mais

Carolina Samorano
Especial para o Correio

Quem nunca teve um ídolo? Alguns se contentam com pais, avós, irmãos. Outros reverenciam cantores, bandas, atores e celebridades em geral. Marco Antônio viajou ao exterior mais de uma vez na tentativa de conseguir um aperto de mão dos legendários integrantes dos Beatles e acabou conseguindo mais. Júlio tem guardada em casa, entre pôsteres, livros e discos, uma cópia da certidão de nascimento de Roberto Carlos. Os admiradores de uma ex-BBB resolveram presenteá-la com uma viagem cinco estrelas à Europa pelo seu aniversário. Já as fãs mirins de Luan Santana, o mais novo fenômeno pop sertanejo, usam anéis de coco iguais aos do cantor como símbolo do seu compromisso com o amado platônico, a quem elas chamam de ;melhor namorado do mundo;.

;Ter um ídolo é um fenômeno comum na adolescência. Todo mundo teve um dia, mesmo que em diferentes níveis de fanatismo. Às vezes, passa; às vezes, a pessoa cresce e continua fã. Na maioria dos casos, é inofensivo;, garante a professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Leila Tardivo.

Se os fãs precisam do ídolo, é fato que ele também não vive sem seus admiradores. A cantora Ivete Sangalo, por exemplo, dedica enorme atenção aos fãs no Twitter. Sandy segue a mesma linha, assim como Luan Santana ; que se refere aos admiradores como ;amores;.

A Revista entrou no mundo dos chamados fãs de carteirinha, daqueles que investem tempo, dinheiro e amor incondicional numa relação que, muitas vezes, é apenas platônica.


Emoções ele viveu

Entrar na casa do policial civil Júlio José Teixeira, 41 anos, é como visitar um museu da vida e obra de Roberto Carlos. Em cada cômodo e porta de armário, uma revista, um livro, uma fotografia antiga, um disco raro encapado. A começar pelo lado de fora. O fã do rei recebe a reportagem com uma camisa cujos dizeres são impossíveis não reconhecer: ;Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi;. É impressionante a desenvoltura com que fala da vida do ídolo. Diga uma música e ele de pronto lhe dará a autoria, o ano em que foi gravada e até com quem Roberto era casado. ;Às vezes, eu sei a época pelo estilo da música. Se é mais alegre, mais divertida, provavelmente é da época de Myrian Rios (segundo casamento do cantor).;

Uma foto na parede do escritório denuncia que o policial não é o único fã da casa. Nela, a filha de 9 anos, a mulher e Júlio sorriem abraçados a Roberto, num show que fez em Brasília em 2008. ;Nunca tinha conseguido entrar num camarim dele antes. E olha que foram mais de 10 shows.; Danielle, a filha, herdou do pai a paixão. Sabe de cor as músicas, avisa sobre aparições na TV e nas revistas. ;Ela começou a gostar naturalmente, de tanto ouvir aqui em casa;, palpita Júlio. Foram 34 anos de espera, desde que o fã ouviu pela primeira vez a voz de Roberto no rádio, cantando Eu quero apenas, até aquele primeiro encontro, que resultou na foto, há dois.
;Como ele diria, ;com palavras não sei dizer;;, descreve Júlio, sobre aquele encontro. ;As pessoas dizem que pode ser ruim você conhecer pessoalmente o seu ídolo porque pode se decepcionar. Não foi assim com ele. Eu estava com um blazer preto e fiquei com medo de ele não gostar, por causa da superstição, mas ele veio até mim, me abraçou, pediu para tirar foto. Eu estava com as pernas bambas;, relata. A segunda vez, no ano passado, não foi diferente. ;A gente sempre fica nervoso, pensa em coisas para falar. Na hora nunca sai nada do que você planejou.;

Júlio tinha só 5 anos quando ouviu pela primeira vez Roberto Carlos cantar na rádio que queria ter um milhão de amigos. Cantarolava o refrão o dia inteiro, mas nem sabia de quem era a voz. Três anos depois, ganhou o primeiro compacto, com a mesma música. ;Como era o único que a gente tinha em casa, escutava o dia inteiro;, lembra. A coleção que hoje Júlio foi iniciada um pouco depois, quando ele começou a dedilhar canções do ídolo no violão. ;As músicas dele são fáceis para quem está aprendendo. Eu comprava aquelas revistas com cifras e vinha um pouco da história do cantor junto. Foi aí que comecei a me encantar por ele.; As revistas do outrora aprendiz de violão ainda estão lá, preservadas como se tivessem saído ontem da banca.

O acervo de Júlio

Nenhum episódio da vida do rei passou despercebido por Júlio. O primeiro casamento? Está lá, em páginas plastificadas de uma revista antiga. Filhos? Também. Discos, CDs, livros que o cantor escreveu em 1967 (você sabia?), tudo arquivado em pastas com uma organização de causar espanto. Até uma gravação de 1966 em que Roberto Carlos mostra uma nova composição à banda. Os especiais de fim de ano da Globo ficam enfileirados na prateleira, um a um, desde 1974. ;Só não tem o de 1999;. Como assim? ;Foi o ano em que Maria Rita (última mulher do cantor) morreu. Não teve especial;. Ah, bom! E, entre pastas, revistas, LPs e CDs, lá estão uma cópia da certidão de nascimento e uma do rei. Entre outras relíquias, pétalas e folhas de rosas que ele recebeu das mãos do ídolo em alguns dos shows em que foi. Em quase todos, sentou-se na primeira fila.

Por falar em show, Júlio puxa da memória algumas histórias que consegue lembrar das 14 apresentações a que foi aqui em Brasília. A primeira em 1984, no Ginásio Nilson Nelson, quando tinha apenas 15 anos. A apresentação estava marcada para as 22h, mas o relógio não marcava nem uma da tarde quando Júlio e mais dois amigos esperavam os portões serem abertos. ;Levamos um bolo, seis iogurtes e nove sanduíches para beliscar;, recorda-se. ;Quando o pessoal começou a chegar, era todo mundo mais velho, meio chique. Ficamos com vergonha de abrir a mochila e comer as coisas. Passamos fome até o fim do show;, lembra, entre risadas.

Em outra ocasião, disfarçou-se de segurança para tentar se aproximar do ídolo. ;Vesti a roupa e disse que queria fazer uma vistoria no palco. Fiquei lá um tempo, vi a banda passar o som. Quando foi chegando a hora do show, sentei em uma cadeira da primeira fila, para convidados, e fiquei torcendo para ninguém chegar. Acredita que o dono da cadeira não apareceu? Foi por Deus;, acredita. Em 2005, Júlio esteve em Cachoeiro do Itapemerim (ES), cidade natal do ídolo. Ele foi com seu acervo representar a região Centro-Oeste na 1; Semana do Rei. ;Conversei com o primeiro professor de violão dele. Visitei a casa em que ele morou, o quarto que nasceu, vi tudo.;

De todo fã-clube que tem notícias da existência, Júlio logo se adianta em fazer um cadastro. Foi ele, aliás, quem criou em 1997 o primeiro fã-clube virtual do rei. ;Fiz tudo meio artesanalmente, virava noites no computador para criar o site.; Por meio dele, fez amigos do Brasil inteiro. Um deles é Eduardo Lages, o maestro de Roberto Carlos. ;Foi por causa dele que consegui entrar no camarim. Ele sempre pede a nossa opinião quando vai gravar uma música. Virou um amigo.; Recentemente, Júlio sofreu com o ídolo a morte da mãe, eternizada na música Lady Laura. ;Vi quando ele chorou ao cantar a música no primeiro show que fez depois de enterrar a mãe. Não tem como não se emocionar vendo a cena. É como se ele fosse alguém da família, um amigo;, compara.

Entre as relíquias
# Cópias da certidão de nascimento e identidade do cantor
# Uma gravação de 1966 de um ensaio do rei com a banda
# Livros de 1967 escritos por Roberto Carlos

Com eles em qualquer lugar

Eles estão nos shows, nos hotéis e nos camarins. E agora também nas redes sociais. No Twitter, os fãs quase fazem o contador de seguidores do site entrar em pane nas páginas dos ídolos. Tudo para ficar cada vez mais perto deles.

  • A disputa entre o ator Ashton Kutcher e Britney Spears pelo primeiro lugar no ranking dos mais seguidos no Twitter é acirrada. O bonitão de Hollywood tem 4.974.328 seguidores, enquanto a loura já contabiliza 4.997.719
  • A banda Hori, que tem como vocalista Fiuk ; filho de Fábio Jr., o Bernardo na trama teen Malhação ID, da TV Globo ;, pretende entrar para o Guinnes Book no ano que vem com a maior carta já escrita por fãs. A campanha está rolando no site da banda. Até agora a carta tem 20km.
  • O disco Xou da Xuxa 3 (1988) vendeu 3,5 milhões de cópias e levou a Rainha dos Baixinhos ao livro dos recordes. Até 2006, quando Xuxa completou 20 anos de Globo, ela havia ganhado mais de 30 mil presentes dos fãs.
  • No Brasil, o campeão de seguidores no Twitter é Luciano Huck, com 1.926.285. Depois vem a cantora Ivete Sangalo, com 915.094 fãs twiteiros. Pelo perfil, ela acompanha os fã-clubes: segue mais de 30.
  • Nada de carteirinha. Fã-clube moderno é no Orkut. A busca do site mostra mais de mil comunidades dedicadas ao cantor Luan Santana. No site oficial dele, são 417 fã-clubes registrados, sendo São Paulo o estado campeão (109). Os fãs estão até fora do país ; há um fã-clube português cadastrado na página.
  • O cantor Elvis Presley tem um fã-clube no Brasil em atividade desde 1962. O mais antigo dos Beatles por aqui é o Cavern Club Brasil, que existe desde 1977.
O melhor namorado do mundo

As namoradas ; sim, são quase 600 ; nunca o abraçaram por mais que alguns segundos. Algumas nunca chegaram a tocá-lo. O namorado em questão é Luan Santana, cantor sertanejo de 19 anos que tem feito suspirar adolescentes do país inteiro. Algumas chegam a usar um anel igual ao do amado na mão esquerda como sinal do compromisso. ;É que ele diz em todos os shows que é namorado das fãs, então;;, justifica Janara Silva, 18 anos.

As namoradas que Luan Santana têm em Brasília fazem parte do fã-clube Amor além da vida, que nasceu de um grupo de amigas aficionadas pelas músicas do ídolo. ;Para falar a verdade, no início eu nem fui muito com a cara dele;, confessa a vice-presidente e uma das fundadoras do fã-clube, Andressa Soares, 14 anos, segurando numa das mãos a pasta recheada de fotos do cantor e na outra um pôster com o dobro do seu tamanho. Quando o assunto é o que elas mais gostam no ídolo, impossível chegar a um consenso. ;O carisma!”, uma delas se adianta. ;A simpatia;, diz a outra. ;Porque as músicas dele são legais;, grita uma terceira. ;Ah, é tudo;, resume a última. Mas se você pergunta detalhes da vida do cantor, elas sabem o dia do aniversário, o número que ele calça e até o jeito como ele dorme: ;De camiseta e cueca;, respondem em uníssono.

;A gente fala dele o dia todo, inclusive na escola. Lá, nos deram o apelidos de ;luanetes; ;, conta Tatiana Reis, 16. Em casa, a briga é para ver quem consegue tirar o CD do cantor do aparelho de som. ;É quase um ritual. Eu vejo o DVD todos os dias, decorei todas as músicas, até os gestos que ele faz. Ninguém mais aguenta lá em casa, mas eu não ligo;, diz Tatiana. E ai de quem se atreva a dizer o nome do ídolo em vão na frente dessas ferozes namoradas. ;Uma vez, falaram no Twitter que o Luan era vesgo. A gente se juntou em peso para brigar com ele. Ele bloqueou todo mundo;, conta Andressa. As supostas namoradas (as de verdade, no caso) que saem na mídia também não escapam do veneno das fãs. Há algumas semanas, saíram boatos sobre o cantor estar namorando uma atriz de novela. Os dois desmentiram. ;Ela é feia!”, opina Janara. ;Ah, não é que ela seja feia. Na verdade, a gente que implica, rola ciúmes mesmo;, pondera Juliana Gurgel, 15, presidente do fã-clube.

Para chegar perto do ídolo, essas meninas fazem qualquer coisa. No dia da entrevista, faziam revezamento com um rádio no ouvido. Não queriam perder a hora de ligar para a rádio e concorrer à chance de entrar no camarim do ídolo num show que ele faria no dia seguinte. Numa outra oportunidade, seis delas ganharam em uma dessas promoções a chance de assistir a um show do cantor só para fãs. Entregaram, na ocasião, uma carta quilométrica ao ídolo, cheia de declarações de amor e beijinhos de batom, mas não puderam chegar muito perto ; fazia parte das regras. Como se isso fosse impedimento. ;Segui o ônibus dele até uma churrascaria. Quando cheguei lá, ignorei os seguranças e agarrei ele!”, conta Mariana Isa, 16. A camiseta que ele autografou nunca mais foi lavada.
Fã-Clube Amor Além da Vida
# Originário de Brasília
# Fundado em 2010
# 579 fãs cadastrados, 1.554 seguidores no Twitter e mais de 2 mil

De olho neles

Alguns sinais podem ser a dica de que a idolatria do seu filho por alguém passou do limite do saudável e atravessou a linha do patológico

  • A pessoa começa a se afastar da família e dos amigos e passa a prestar cada vez mais atenção a sites, revistas e tudo o que tenha relação com o seu ídolo
  • Ela começa a achar que o ídolo é a única pessoa que realmente a entende e começa a criar uma relação de amizade ilusória com a celebridade
  • A criança ou adolescente não sente prazer em atividades comuns a pessoas da idade dela como se reunir com os amigos ou praticar esportes. Prefere dedicar esse tempo ao ídolo

Fonte: Jim Houran, psicólogo da Southern Illinois University.