A ânsia por ingressar no mercado de trabalho está chegando cada vez mais cedo à população jovem. Hoje, mesmo antes de concluir o ensino médio ou fundamental, muitos rapazes e moças buscam os cursos técnicos para conseguir o mais rápido possível um emprego que lhes sustente ou ajude a aumentar a renda da família. Mas existem, ainda, estudantes muito jovens que buscam os cursos técnicos por outros motivos. Eles pertencem a uma nova e diminuta categoria: os alunos com altas habilidades ; aqueles que apresentam potencial superior ou desempenho em diferentes áreas do conhecimento humano.
Para a professora do departamento de psicologia escolar da Universidade de Brasília (UnB), Angela Vergolim, uma das características desse novo perfil de alunos é a tendência a ter mais pressa em subir degraus na carreira profissional. ;Esses rapazes e moças acabam mais cedo os cursos do ensino médio e não apresentam interesse em fazer vestibular, por achar perda de tempo. Preferem entrar logo no mercado de trabalho para desempenhar aquelas habilidades que eles já dominam;, observa a psicóloga, citando como exemplo um aluno que ainda no colégio desenvolveu um software digno de prêmios internacionais. O garoto, então com 17 anos, não se adaptou ao modelo tradicional de vestibular por saber que não precisaria de um diploma para se sobressair no mercado. ;Ele sempre teve uma habilidade muito grande e fazia sozinho. A escola não quis acelerar o processo para que ele ingressasse na universidade e ele acabou desistindo;, exemplifica.
Para a psicóloga, o sistema acadêmico às vezes afasta o aluno resistente ao ensino tradicional. É comum encontrar jovens que querem avançar o sinal e fugir do modelo de graduação, especialização e mestrado. ;Essa ânsia de chegar logo à frente, em um país como o nosso, em muitos casos prejudica o processo de integração a esse novo perfil. E o curso técnico surge como uma solução imediata para que o processo seja menos moroso;, avalia Angela.
O economista José Pastore concorda e, mais que isso, comemora os novos rumos abertos pelo ensino técnico profissionalizante. ;O povo brasileiro começa a entender que os técnicos do futuro terão um perfil dominado pelos conhecimentos teóricos aliados às habilidades manuais. São novas profissões e novos horizontes para seus ocupantes;, endossa o especialista em mercado de trabalho.
Futuro brilhante
O caminho técnico foi o escolhido pelos irmãos Willian e Wilker Grassioti, de 22 anos e 20 anos, respectivamente. Os dois rapazes herdaram do pai o interesse por comandos elétricos e sistemas de ar. Desde meninos, viam o chefe da família trabalhando com refrigeração e foram aprendendo o ofício na prática até ingressarem no Senai para aperfeiçoar os ensinamentos recebidos em casa. E foi aí que o mais velho, Willian, viu sua vida mudar rapidamente.
Enquanto muitos colegas da mesma idade ainda pensavam no que iam ser quando crescessem, o rapaz viajou a Londres, na Inglaterra, com tudo pago. De lá, trouxe não somente uma medalha de ouro no maior torneio de educação profissional do mundo, a WorldSkills, mas também várias propostas de emprego. Muitas delas bem atraentes e com cifras muito acima do que um estudante de 18 anos poderia sonhar em ter no contracheque. ;Agarrei essa oportunidade com unhas e dentes, concorri com os melhores estudantes da área do mundo todo e mostrei que era o melhor;, orgulha-se William, que não se arrepende em tempo algum dos momentos de lazer que abdicou para o treinamento.
Seguindo o exemplo do irmão mais velho, Wilker estuda no Senai e vai representar o Distrito Federal neste ano em um projeto especial dentro da Olimpíada do Conhecimento, na área de Mecânica de Refrigeração. O concurso é o passaporte ideal para a próxima WorldSkills, que será realizada pela primeira vez na América Latina, em São Paulo, no ano que vem. ;O retrospecto do meu irmão é um incentivo a mais para que eu tente traçar o mesmo caminho;, diz o rapaz, que passou por diversos cursos como Montagem e Configuração de Microcomputadores; Elétrica Predial; e Mecânica de Refrigeração.
;A gente fica muito perdido no colégio com relação ao futuro profissional. Por meio de um curso técnico, as condições de descobrir a vocação profissional são maiores. Assim, a chance de errar na carreira é menor;, calcula Wilker, que já se sente pronto para enfrentar o mercado de trabalho.
Tanto Willian quanto Wilker têm na Engenharia Civil um caminho a seguir quando o assunto é o futuro. Mas eles podem, se quiserem, continuar suas carreiras sem o diploma. Afinal, segundo José Pastore, a cultura bacharelesca que dominou a tradição educacional brasileira durante séculos começa a mudar. ;Os que passam pelas escolas profissionais conseguem emprego com mais facilidade, sofrem menos rotatividade, raramente ficam desempregados e sobem mais depressa na carreira. O ensino superior já não é mais o único caminho certo para o sucesso profissional", finaliza.
Vantagens e desvantagens de trabalhar cedo
Não importam os motivos que leve um jovem a ingressar antes dos 18 anos no mercado de trabalho. Os impactos dessa decisão irão acompanhá-los para o resto de suas vidas. Confira as vantagens e as desvantagens dessa decisão, de acordo com a especialista Angela Vergolim, da UnB:
PRÓS
; ter acesso a algumas tarefas fora do ambiente escolar é um ponto positivo para que o adolescente amadureça;
; conhecer melhor uma área profissional que pretenda explorar no futuro pode ser benéfico;
; poder experimentar diversos tipos de trabalho, antes de iniciar uma carreira, ajuda a diminuir a instabilidade profissional na vida adulta;
; começar a trabalhar traz consciência sobre o valor do dinheiro, o que é muito válido em uma sociedade onde o capital dita as regras;
; ter a oportunidade de possuir uma renda aliada ao conhecimento pode estimular o desejo de aprimorar o desempenho escolar, trazendo um currículo voltado mais à prática;
CONTRAS
; acelera um processo de amadurecimento pessoal que poderia ser deixado para mais tarde, visto que a entrada no mercado de trabalho é uma mudança radical na vida de uma pessoa e dificilmente tem volta;
; o trabalho pode desviar o foco da principal responsabilidade de um jovem: o estudo;
; diminuir as horas de lazer e de sono comprometem a capacidade de aprendizado e até mesmo o sistema imunológico, além de prejudicar a produtividade decorrente da pressão de trabalhar e estudar ao mesmo tempo;
; quem entra cedo no mercado inicia a vida de adulto muito cedo e deixa de ter tempo para fazer cursos de línguas, praticar esportes e até namorar. O abandono precoce da adolescência costuma trazer arrependimentos futuros;
; conhecer a competitividade do mercado de trabalho e o lado pesado dos jogos de poder é algo poderia ser deixado para mais tarde, na opinião de muitos pais e especialistas. Mas isso tem a ver com superproteção e pode interferir no crescimento do adolescente, que talvez precisasse aprender a lidar com a realidade desde cedo;