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Discussão sobre foro privilegiado deve voltar ao plenário do STF

Nas últimas semanas, ministros da Corte divergiram em decisões sobre busca e apreensão em gabinetes do Congresso

O alcance do foro privilegiado foi revisto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há pouco mais de dois anos, em maio de 2018, definindo a prerrogativa de deputados federais e senadores em relação apenas a crimes praticados no exercício do mandato e relacionados ao cargo. O que fugir disso fica com juízes de primeira instância. À época, o STF era formado pelos mesmos ministros que hoje lá estão. Apesar disso, juristas avaliam que o assunto pode voltar ao plenário depois de recentes decisões de integrantes do Supremo em relação a parlamentares, especificamente o senador José Serra (PSDB-SP) e os deputados federais Paulinho da Força (Solidariedade-SP) e Rejane Dias (PT-PI).

 

Isso porque, enquanto os ministros Rosa Weber e Marco Aurélio Mello entenderam que os casos envolvendo os parlamentares seriam de competência dos juízes da primeira instância, tendo como base a definição de 2018, o presidente da Corte, Dias Toffoli, , no Senado Federal, que foram decididas por um juiz de primeira instância. E mais:. A justificativa envolve a possibilidade de apreensão de material relativo à atuação de Serra como parlamentar.

 

Para especialistas, a situação gera insegurança jurídica e precisará ser revista pelo plenário. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Gustavo Assed Ferreira avalia que será preciso rediscutir as questões relativas ao foro e como são as regras para busca em gabinete parlamentar. Conforme Assed, Toffoli errou ao desautorizar um juiz de primeira instância, colocando-se contra a jurisprudência estabelecida em 2018. “Tenho para mim que o (Luiz) Fux (novo presidente a partir de setembro) deve levar esse caso ao plenário”, diz. Para ele, a divergência fragiliza o país.

 

Constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Vera Chemim frisa que o STF definiu que só seria de competência da Corte avaliar casos envolvendo parlamentares que tenham cometido atos ilícitos no exercício do mandato e relacionados com a atividade. Para ela, é claro que Rosa Weber agiu de forma correta quanto à deputada Rejane Dias; Toffoli, não. “Ele tomou decisão divergente do que o plenário do STF decidiu”, avalia.  A advogada acredita que o tema precisa voltar à discussão no plenário para evitar qualquer tipo de brecha - apesar de entender que a definição de 2018 foi bastante clara. 

 

Segundo o criminalista Andrew Fernandes, o desrespeito a precedentes gera insegurança jurídica, sendo nocivas ao sistema judicial quando a isonomia é um dos princípios norteadores. “O problema que está acontecendo é que estamos reféns da interpretação do magistrado. E gera esse problema que vemos hoje: você rompe com a isonomia e afeta a credibilidade da instituição”, pontua. O advogado interpreta que o Supremo cometeu um erro com a jurisprudência de 2018 e que os casos envolvendo senadores e deputados federais deveriam seguir no STF, como previsto na Constituição. 

Professora de direito constitucional da USP de Ribeirão Preto e do Centro Universitário de Bauru, Eliana Franco Neme diz que o foro deve voltar a ser discutido, principalmente, porque a situação afeta a seriedade e a imagem do STF. “Mas, até lá, Serra conseguiu resolver o problema dele.” Para ela, a decisão de Toffoli, que diverge do colegiado, passa mensagem de fragilidade e falta de unidade da Corte. “O Toffoli está votando contra uma decisão do colegiado. Não há outra interpretação”, diz. 

 

As divergências

Em 14 de julho, com um mandado expedido por um juiz de primeira instância, a Polícia Federal realizou busca e apreensão no gabinete de Paulinho da Força, na Câmara dos Deputados, em desdobramento da Lava-Jato. A investigação refere-se ao período em que ele era candidato. Na última segunda-feira, a corporação fez o mesmo no gabinete da deputada Rejane Dias. Trata-se da investigação de um esquema na Secretaria de Educação do Piauí à época em que ela era secretária da pasta. Antes da operação, autorizada por um juiz de primeira instância do Piauí, a representação foi remetida à ministra Rosa Weber, o.

 

O entendimento, no entanto, foi diferente quando a PF bateu no gabinete do senador José Serra, no último dia 21. Quem autorizou a operação foi também um juiz de primeira instância, uma vez que o caso envolve Serra na campanha eleitoral de 2014. A mesa diretora do Senado Federal não autorizou a entrada da polícia, alegando que a decisão deveria caber ao STF.

 

Protocolaram, então, pedido de suspensão das diligências sob alegação de que a competência para decidir por medida cautelar nas dependências do Senado e do Supremo. O presidente do STF suspendeu o mandado contra o tucano, afirmando que a ordem expedida era ampla, podendo gerar apreensão de documentos relacionados à atividade de senador. “O que, neste primeiro exame, pode implicar na competência constitucional da Corte para analisar a medida”, entendeu Toffoli.

 

A Câmara também pediu a suspensão de busca e apreensão no gabinete de Paulinho da Força após o caso, alegando que a competência era do STF. Mas o pedido foi rejeitado pelo ministro Marco Aurélio, que, na decisão, citou o fato de a prerrogativa do caso ser do juiz de primeira instância — entendimento similar ao de Rosa. No mesmo dia, Toffoli acatou um pedido da defesa de Serra para anular investigações em âmbito eleitoral e no da Lava-Jato. Ele também mandou lacrar todas as provas e aguardar decisão definitiva do relator do caso, o ministro Gilmar Mendes.

Gabinetes não são invioláveis

Especialistas consultados pelo Correio discordam das justificativas que constam nas decisões do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que suspendeu busca e apreensão no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) e, depois, barrou as investigações envolvendo o tucano. Toffoli, presidente da Corte, relatou que, no Senado, estão guardados materiais ligados à função parlamentar e que a ordem expedida era muito ampla, podendo gerar apreensão de documento relacionado à atividade de senador.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Gustavo Assed Ferreira afirma que a inviolabilidade do parlamentar não se estende ao gabinete ou à casa dele. “Não é porque tem material parlamentar no gabinete que a polícia não pode entrar. Isso praticamente estende inviolabilidade para qualquer investigação envolvendo parlamentar”, argumenta. O professor explica que esse princípio serve para garantir ao parlamentar o direito de se expressar de forma livre, mas não abrange crimes cometidos. “A rainha da prova no direito é a documental. Sem isso, vou fazer o quê? Isso está dando salvo-conduto para deputado, senador, todo mundo. Se essa decisão prospera, vai bater nas câmaras municipais. Olha a caixa de pandora perigosa que estamos abrindo no Brasil por um casuísmo. Isso tem que ser revertido, porque, se prosperar, vai atingir as Casas legislativas do Brasil todo”, alerta o professor sobre risco de precedentes.    

Proteção

Há uma decisão de 2017 no STF que debateu sobre medidas cautelares contra parlamentares, definindo que, em casos que dificultem ou impeçam o exercício regular do mandato, a decisão deveria ser remetido à Casa Legislativa em 24 horas. O criminalista Andrew Fernandes avalia que será preciso também discutir melhor sobre medidas em gabinetes de deputados federais e senadores. “Entendo o Toffoli, o problema é que, em muitos outros casos, não tinha impedimento e, agora, tem? Isso gera insegurança jurídica”, reforça.

Professora de direito constitucional da USP de Ribeirão Preto e do Centro Universitário de Bauru, Eliana Franco Neme detalha que a proteção aos parlamentares foi colocada na Constituição Federal para que eles possam exercer a função sem medo de serem punidos por isso. “São invioláveis por suas palavras e votos”, ressalta, explicando que a deputados e senadores também foram concedidas garantias formais, como a prerrogativa de serem processados pelo Supremo — nesse caso, desde 2018, apenas por crimes cometidos no exercício do mandato e que tenham relação com a função.

Para Eliana, não deve haver regra diferente para busca e apreensão em gabinetes parlamentares. “A proteção do parlamentar é em razão do meio. Se, na busca e apreensão, aparecer uma declaração de voto, algo da atividade, não se consegue nem usar, porque diz respeito ao trabalho dele. Mas não posso usar uma proteção material da Constituição Federal para acobertar crimes”, afirma.