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Cerco a Dallagnol é novo ataque à Lava-Jato

Coordenador da operação em Curitiba entra, mais uma vez, na mira do CNMP, após fazer críticas a Toffoli por ter barrado diligência no gabinete de Serra, suspeito de crime eleitoral. Órgão também repassa a outro relator pedido de remoção dele da força-tarefa



O coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, entrou novamente na mira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na mesma semana em que criticou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que proibiu operação de busca e apreensão no gabinete de José Serra (PSDB-SP) no Senado. Além da abertura de um procedimento para apurar as críticas do procurador ao magistrado, o conselho redistribuiu para outro relator um pedido de remoção dele da força-tarefa, apresentado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO).

Nas críticas em redes sociais, Dallagnol disse que foi “casuística” a decisão de Toffoli de barrar a diligência no gabinete de Serra. O parlamentar é investigado por suposto caixa 2 na campanha eleitoral de 2014. Segundo afirmou o procurador, o STF já definiu que o foro privilegiado deve ser concedido apenas para a investigação de crimes que teriam sido cometidos durante o mandato de determinada autoridade e a ele relacionados.

As declarações do coordenador da Lava-Jato e a controvérsia criada pela decisão de Toffoli provocaram uma discussão interna entre os ministros do STF, divididos em relação à atitude do presidente da Corte. Magistrados já admitem se debruçar novamente sobre a controversa questão do foro privilegiado.

Uma das figuras mais destacadas da Lava-Jato, Dallagnol é alvo de 19 procedimentos no CNMP, vários deles relacionados a declarações sobre o STF e seus ministros. Após a crítica a Toffoli, ele virou alvo de um procedimento preliminar de investigação, instaurado pelo corregedor nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima.

Em outro revés contra Dallagnol, o CNMP redistribuiu para o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho o pedido de remoção dele da força-tarefa, de autoria da senadora Kátia Abreu. Na peça, protocolada em outubro do ano passado, a parlamentar cita, entre outros fatos, a decisão do STF que proibiu a criação de um fundo da Lava-Jato com dinheiro recuperado da Petrobras. Kátia Abreu também faz questionamentos sobre a remuneração obtida por Dallagnol, em paralelo à operação, com a realização de palestras.

O pedido da senadora vinha sendo relatado pelo conselheiro Valter Shuenquener de Araújo, que não avançou no caso. Agora, está nas mãos de Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário-geral da Mesa do Senado e indicado da Casa ao CNMP.

Em agosto do ano passado, Mello Filho votou pela abertura de um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) contra Dallagnol, no julgamento de um outro requerimento de Kátia Abreu. Segundo a petição da parlamentar, o coordenador utilizou suas redes sociais para divulgar um suposto pagamento de caixa 2, pela construtora Odebrecht, a ela, no valor de R$ 500 mil. O pedido da senadora foi arquivado pela maioria do plenário, inclusive com o voto da então presidente do colegiado, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge.

A situação de Dallagnol coincide com o momento vivido pela Lava-Jato. Desde a posse do procurador-geral da República, Augusto Aras, no ano passado, a força-tarefa passa por um processo de esvaziamento.

Contestação
Para Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), a posição da força-tarefa dentro do Ministério Público e do Judiciário, em geral, está sob contestação. “Vários grupos querem encolher a Lava-Jato. Isso é mais alinhado à estratégia do presidente Jair Bolsonaro, dentro do Supremo (Tribunal Federal), no Congresso, de esquerda e de direita. Houve muita contestação à operação, e esses grupos estão alinhados, não formando uma aliança, mas contra um inimigo comum”, frisou.

No entanto, acrescentou o professor, a Lava-Jato tem capacidade de mobilizar as pessoas, além de amplo apoio em diferentes segmentos da sociedade, tendo preservado capital político para resistir a esses ataques. “Isso vai continuar pelos próximos meses. Estamos longe do desfecho”, estimou.

Na opinião do cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente e sócio da Arko Advice, as ações contra Dallagnol acabam fragilizando a força-tarefa. “Colocam dúvidas sobre algumas decisões e ações da operação. Antes, a Lava-Jato era incontestável. Quando Sergio Moro aceitou ser ministro, passou para uma segunda fase, de contestação”, avaliou, numa referência ao ex-juiz, que comandou a pasta da Justiça no governo Bolsonaro e saiu atirando contra o presidente. Depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) passou a ter acesso a dados da operação, foram descobertos excessos, de acordo com Noronha. “A operação parece querer se colocar maior do que o Ministério Público Federal. Com isso, fica difícil se manter incontestável”, assinalou.

André Rosa, cientista político e especialista em relações governamentais, afirmou que Dallagnol passou a comprometer a imagem da Lava-Jato quando apresentou o Powerpoint “sem provas e com muita convicção”, para justificar uma denúncia contra o ex-presidente Lula, condenado, posteriormente, por corrupção e lavagem de dinheiro.




Restrição da regalia
Em maio de 2018, o STF decidiu restringir o foro privilegiado de senadores e deputados federais. O entendimento passou a ser de que a regalia permanece apenas para crimes cometidos por parlamentares no exercício do mandato e que tenham relação com a atividade legislativa.



"Vários grupos querem encolher a Lava-Jato. (…) Esses grupos estão alinhados, não formando uma aliança, mas contra um inimigo comum”
Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília



"Antes, a Lava-Jato era incontestável. Quando Sergio Moro aceitou ser ministro, passou para uma segunda fase, de contestação”
Cristiano Noronha, cientista político