É nesse cenário que as articulações nas duas Casas do Parlamento se entrelaçam. No Senado, a reeleição de Alcolumbre, embora pouco provável, seria positiva para o presidente Jair Bolsonaro, que tem no parlamentar um interlocutor de confiança. Porém, na Câmara, a PEC que pode permitir a manobra da manutenção de Alcolumbre na Presidência tem potencial para reeleger, também, Rodrigo Maia. Isso acabaria com os planos do Executivo e do Centrão de colocarem um governista para comandar a Casa. Seria uma derrota significativa para o chefe do Executivo e sua base, a postos para defendê-lo de eventuais processos de impeachment e para enfraquecer o poder de Maia entre os pares.
A ambição de Alcolumbre não é recente, mas ganhou força nos últimos meses. Primeiro, com a rusga entre Maia e o governo, há cerca de 60 dias, que culminou com uma entrevista de Bolsonaro a uma rede de tevê na qual afirmou que o presidente da Câmara estaria “conduzindo o Brasil para o caos”. A consequência da animosidade foi o projeto de ajuda a estados e municípios na pandemia começar a tramitar pelo Senado, o que fortaleceu a relação de Alcolumbre com o governo. Em seguida, o debate do adiamento das eleições municipais aproximou o presidente do Senado dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Corrida
O último elemento da equação é a aliança com a oposição na Câmara. Quando o governo fechou com o Centrão, levou para si pouco mais de 200 votos e parte dos partidos que apoiava Maia. O número é mais do que suficiente para barrar um eventual processo de impeachment. Mas a manobra também dividiu o Parlamento em três blocos: o do Centrão; o de um bloco independente com o presidente da Casa como representante; e o da oposição. Os parlamentares de esquerda têm 131 votos, portanto, só às custas de muito trabalho conseguem, por exemplo, alterar ou deter projetos de lei que contrariem suas pautas. A conta, no entanto, é significativa para as eleições e colocará o desunido grupo de partidos como fiel da balança.
O líder do PT, Enio Verri (PR), destaca, porém, que o antibolsonarismo é marca do grupo. “Se o prestígio de Jair Bolsonaro estiver em queda, ele não terá força para influenciar as eleições na Câmara. Digamos: ele tem uma base de eleitorado de 30%. Hoje, deve estar em 27%. Se chegar lá — com coronavírus, mortes, crise econômica, desemprego —, com 15%, ele não terá força para construir um candidato”, argumenta. “Mas é cedo para avaliar. Nós, da oposição, somos 131 votos. Somos determinantes em um resultado eleitoral. A postura da oposição é antibolsonaro. Isso pode nos levar à candidatura própria, ou a fazer alianças. É a conjuntura política que vai nos dizer.”
Um parlamentar próximo de Maia segue a mesma lógica. Se a dinâmica não mudar, ganhará o candidato apontado pela esquerda, avisa ele. “Se fechar com o candidato de Rodrigo Maia no primeiro turno, será difícil ter outra candidatura. A composição destruirá qualquer tipo de articulação”, acredita. Questionado sobre uma eventual reeleição do deputado, diz que apoiaria. Já o líder do DEM, Efraim Filho (PB), destaca que o próprio Maia se mostra mais voltado à sucessão. Ele não vê espaço para debater uma PEC dessa magnitude em um semestre com eleições municipais, coronavírus e reforma tributária.
“Ele (Maia) trabalha muito mais com foco na sucessão do que na reeleição. O Rodrigo é o melhor cabo eleitoral, e o candidato que ele apoiar surge com grandes chances de ser vitorioso. O Centrão levou 200 votos para Jair Bolsonaro, mas não tem a maioria. A maioria será construída pelo candidato dos independentes e da oposição, mas ninguém sabe quem é o candidato”, ressalta. “E o menos interessado em antecipar a disputa é o próprio Maia. Eu sei quem ele não vai apoiar. Não apoiará quem antecipar o processo sucessório, porque estará desconstruindo o mandato dele, que vai até fevereiro. As eleições no Congresso não são maratonas. São eleições de chegada, de tiro curto, uma corrida de 100m. O Alcolumbre, faltando 15 dias para a eleição (em 2019), poucos apostariam nele. E ele se elegeu. Quem adianta 10 meses com candidatura posta tem grande chance de errar.”
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) acredita que a possibilidade de reeleição de Alcolumbre ocorrerá até o fim de agosto. “No cenário da possibilidade de reeleição, ele deve ter uma reeleição muito tranquila pelo trabalho que realiza. Tem uma relação muito boa com todos os senadores e tem feito um trabalho de muito equilíbrio, reconhecido por todas as correntes políticas”, frisa. “Não havendo a possibilidade de reeleição, é uma coisa que se abre para muitas alternativas, e não dá para antecipar.”
Covid
O analista político Melillo Dinis diz que o número de mortos por coronavírus, a gravidade da crise econômica causada pela pandemia e a capacidade de articulação do governo serão preponderantes para definir se Bolsonaro terá forças capazes de construir um candidato com o Centrão. “O governo federal adentrou na composição na disputa política da Câmara tentando mudar o jogo a partir de 2021, o que tem sido feito a duras penas, e com descumprimentos de acordos de votação. Não sei como o governo vai ser eficiente se não tem palavra”, afirma. “No jogo da política, mesmo que tenha jogo duplo, triplo, você vai ter dificuldade de fazer acordo com quem você não confia ou não tem poder de retaliação.”
Sobre a eventual reeleição de Alcolumbre, o especialista avalia como remota. “Não vejo muita possibilidade, a não ser uma forma de lidar com uma hecatombe. Mas, no momento, o grupo dos eleitores do Senado está aguardando a definição de quem cairá no colo de Alcolumbre. E é possível ter alguém do MDB, do PSDB. Eu suspeito que teremos surpresas. O mais provável são novos presidentes da Câmara e do Senado”, argumenta. “E as lógicas das casas são completamente diferentes. Enquanto o Senado tem essa realidade de um clube muito próximo da Academia Brasileira de Letras, uma academia de políticos experientes, a Câmara vai ter uma disputa fratricida, um jogo pesado, em que se prometem mundos e fundos e, às vezes, se entregam os mundos e os fundos.”