O Brasil está há dois meses sem ministro da Saúde, enquanto os casos de morte e infecção por covid-19 só aumentam. A situação da pandemia no país tem provocado uma enxurrada de críticas ao governo por manter no comando interino da pasta um militar, o general Eduardo Pazuello, que não é especialista em saúde pública. A pressão pela saída dele tem causado animosidade entre os poderes, e até a ala militar do Executivo quer a exoneração, por temer impactos à imagem das Forças Armadas.
Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que Pazuello deve deixar o Ministério da Saúde no mês que vem. “Pazuello assumiu interinamente. Acredito que em mais um mês, em agosto, Bolsonaro vai retornar da quarentena e analisar outros nomes”, afirmou, em entrevista ao portal UOL.
Enquanto Pazuello não é exonerado, o governo tenta frear as críticas. Ontem, o general ofereceu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acesso aos dados sobre as ações do governo no combate à doença. Os dois conversaram por telefone, após uma série de críticas feitas pelo integrante da mais alta Corte do país sobre a lotação de cargos por militares na pasta. Tanto integrantes do governo quanto os comandos das Forças Armadas se incomodaram após Gilmar Mendes afirmar que “o Exército está se associando a esse genocídio”, por desempenhar funções na alta cúpula do ministério.
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, a ligação partiu de Gilmar Mendes, que não conseguiu contato num primeiro momento. Mas Pazuello retornou a ligação em seguida, ao sair de uma reunião. O ministro interino ofereceu os dados para que o magistrado tenha informações “corretas” sobre a atuação do governo contra pandemia. Na ligação, não houve pedido de desculpas de Gilmar Mendes, como o governo aguardava desde a deflagração da crise. O ministro voltou a ressaltar a preocupação com a imagem das Forças Armadas atreladas ao Executivo. O magistrado já tinha afirmado ser preocupante que “28 militares ocupem cargos executivos no Ministério da Saúde” diante do aumento de mortes e novas infecções, em detrimento de técnicos da área.
As críticas de Gilmar Mendes foram rebatidas pelos ministros da Defesa, Fernando Azevedo, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; pelos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica; e por Mourão. Na terça-feira, Azevedo apresentou uma ação contra o magistrado na Procuradoria-Geral da República (PGR), que foi convertida em uma notícia de fato, ou seja, uma apuração preliminar, que pode ser mantida ou não pelo procurador-geral, Augusto Aras. O presidente Jair Bolsonaro preferiu não se envolver no assunto, mas determinou que seus auxiliares atuassem para evitar um acirramento de ânimos com a Corte.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, também agiu nos bastidores, ligando para integrantes do Executivo e destacando o respeito que o tribunal tem pelas Forças Armadas. As declarações de Gilmar Mendes ganharam repercussão e apoio na internet. Autoridades também se manifestaram endossando as preocupações do magistrado, como o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU).
Crise
A animosidade entre Gilmar Mendes e o governo foi deflagrada no sábado, quando o magistrado externou a preocupação com o que está ocorrendo na pasta em plena pandemia: sem ministro titular há dois meses e comandada por militares, em vez de especialistas na área. “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa”, ressaltou, em videoconferência realizada pela revista IstoÉ. “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”. As declarações foram classificadas pelo ministro Fernando Azevedo e pelos comandantes das três Forças como “acusações levianas”.
Exigência
Na prática, a exoneração de Pazuello tem sido forçada por integrantes do Exército. Se o general optar por continuar no Executivo, deverá pedir a transferência para a reserva. Militares que chegaram à pasta com Pazuello trabalham com a previsão de saída, no máximo, até setembro. Antes mesmo da eclosão da nova crise, o general já havia dito que o seu prazo à frente do ministério estava se esgotando.