A ideia de um imposto nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF, infiltra-se lentamente no Congresso. Nos bastidores, o Executivo conversa com parlamentares do Centrão em busca de apoio para avalizar uma proposta nesses moldes. A contrapartida seria a derrubada do veto à desoneração da folha de pagamento. A chave para abordar o assunto são as discussões sobre a reforma tributária. Mas o governo não terá vida fácil com a proposta. A oposição ao modelo da CPMF será grande, e a derrubada do veto à desoneração não chega a ter tanta força, pois a anulação da determinação presidencial já é dada como certa.
O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), defende que a desoneração seja mantida de forma permanente, custeada com a arrecadação prevista com a nova CPMF. “Acho perfeitamente viável, se a arrecadação for compatível com a perda com a desoneração da folha de encargos da empresa. Sou totalmente favorável. Certamente, apoiaria proposta nesse sentido”, disse.
Alencar afirmou que o tributo tem uma função “muito nobre” no combate à lavagem de dinheiro, por permitir rastrear valores. “Pode acabar com esse tipo de prática”, destacou. “O Brasil é o melhor meio de cultura para sonegadores, contraventores e pessoas que lavam dinheiro de drogas, jogo do bicho e rachadinhas. A melhor maneira de se controlar isso é com a CPMF.”
Para o líder do PP no Senado, Esperidião Amin (SC), o assunto deve ser levado à discussão, assim como outras alternativas para fazer frente à desoneração da folha. Mas a proposta, segundo o parlamentar, deve partir do governo. “Isoladamente, sou contra a CPMF, porque significa majorar impostos. O que quero é que haja discussão sobre como compensar a desoneração. Pode acontecer na reforma tributária, que seria o ideal, porque teria visão orgânica da coisa. Temos, diante de nós, a expectativa da reforma tributária, a mais importante”, ressaltou. “Teremos de ter um acordo que promova redução da folha, sem prejudicar o governo, que já está quebrado, o que significa dizer que nós estamos quebrados. Nessa discussão sobre como ter fundos para diminuir os encargos da folha devem ser colocadas todas as opções, imposto sobre grandes fortunas, Imposto de Renda.”
Na Câmara, o presidente da Comissão Especial da Reforma Tributária, Hildo Rocha (MDB-MA), também fala a favor da CPMF. Ele disse, no entanto, que não soube de nenhuma tratativa do governo em nome do imposto. “Eu não sei. Eu acho que, para a frente, talvez seja necessário, em função da situação do país, para arrecadar dinheiro para fazer a máquina funcionar. Eu acho que o que nós temos de trabalhar é a simplificação do sistema tributário atual, mas um debate não atrapalha o outro. É uma ideia jogada, mas não significa que terá apoio. Está sendo debatida.” Porém, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já avisou, mais de uma vez, que se o governo mandar uma proposta similar à da CPMF terá uma “derrota desnecessária”.
Resistência
Entre as críticas à antiga CPMF, que vigorou entre 1996 e 2007, está o fato de que taxava os mais pobres com o mesmo peso que os mais ricos. Vice-líder do Republicanos, Silvio Costa Filho (PE) é categórico. “Nosso sentimento é que, neste momento, não passa nenhum aumento de impostos. O momento é de focar na reforma tributária, e que o governo apresente sua versão para construirmos um texto de forma coletiva. Quem levantou essa bola lá atrás, e sempre que pode trata do assunto, é o Paulo Guedes (ministro da Economia). Mas esse processo não avançou”, disse. “Foram feitas algumas consultas, mas o sentimento é de não prosperar.”
Fernanda Melchionna (RS), líder do PSol na Câmara, afirmou que o governo está “contrabandeando a CPMF”. “Eu acho isso um escândalo. Não tem como derrubar a desoneração da folha e manter empregos em um momento que crise. Ele viu que a Câmara vai derrubar o veto. Ele viu que vai perder e tentar botar de contrabando a CPMF para onerar todo mundo. E faz isso sobrecarregando a taxação sobre os mais pobres. O que é inaceitável. O PSol luta para taxação de grandes fortunas, de lucros e dividendos e pela construção de políticas sociais”, enfatizou.
Doutor em ciência política e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ricardo Ismael vê um cenário desfavorável para o governo Bolsonaro no que diz respeito à CPMF. Na opinião dele, misturar Centrão e um novo imposto vai demandar sacrifício dos parlamentares desse grupo, o que pode corroer a base do governo. Além disso, uma aprovação ainda levaria o chefe do Executivo a perder apoio entre os próprios eleitores.
“É um imposto muito antipático, que deve causar reação contrária, inclusive, na base do presidente, que sempre se colocou contra a criação da CPMF. Vai ser um desgaste grande, e se o Centrão for votar, o custo vai ser elevado. Vai ter que ir contra uma parte da sociedade, e a oposição vai aproveitar para desgastar o governo”, argumentou. “A CPMF, depois de derrubada, sempre volta à pauta. É evidente que a base de arrecadação é mais fácil, e difícil de sonegar. O problema é botar isso goela abaixo da sociedade, que não superou a crise de 2015-2016, e tem muita gente perdendo renda este ano por conta da crise do coronavírus. Vai ser muito ruim”, avisou.
Mourão defende discussão
Na segunda-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou não ter uma posição formada sobre uma nova CPMF, mas voltou a defender que a possibilidade de criação de imposto único ou sobre transações financeiras seja discutida no Congresso. Horas antes, em live promovida pela Genial Investimentos, ele defendeu a retomada do debate, apesar da contrariedade do presidente Jair Bolsonaro em relação ao tema.