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Após o alerta, vem a demissão

Responsável no Inpe pelo trabalho de avaliação do desmatamento na Amazônia, Lubia Vinhas é exonerada dias depois de o instituto apontar alta em degradação. Órgão alega que pesquisadora foi %u201Crealocada%u201D e promete manter %u201Ccritérios técnicos%u201D no monitoramento

Na semana seguinte à divulgação de dados de desmatamento da Amazônia que contrariam o discurso do governo de Jair Bolsonaro — feito a empresários e fundos de investimento internacionais que exigem medidas eficientes de preservação do meio ambiente —, a pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo trabalho de monitoramento da devastação florestal, foi exonerada.
A demissão de Lubia Vinhas, coordenadora-geral de Observação da Terra do Inpe, departamento responsável pelos sistemas Deter e Prodes — que acompanham o desmatamento da Amazônia —, foi publicada no Diário Oficial da União de ontem, assinada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.


Na sexta-feira passada, o Inpe atualizou dados referentes ao desmatamento da Amazônia em junho, o que mostrou o ritmo crescente. Os alertas mostraram devastação de 1.034,4km², 11% acima do mesmo mês de 2019. A exemplo do que fez no ano passado, quando demitiu o então presidente do Inpe Ricardo Galvão, o governo segue na linha de “matar o mensageiro” em vez de combater o desmatamento.


Para o secretário-geral do Observatório do Clima (OC), Márcio Astrini, a demissão é preocupante. “Temos receio de que o governo comece a desmontar o Inpe, com a estratégia de colocar em dúvida a capacidade do órgão de gerar dados, para poder colocar em dúvida os dados gerados, que não agradam ao governo. Este governo, quando não gosta da verdade, tenta obstruí-la”, disse.


Astrini alertou que o Inpe é referência absoluta global em monitoramento de florestas. “Ninguém tem, no mundo, um sistema tão refinado quanto o do Inpe”, explicou. O OC vai continuar municiando o Congresso Nacional de informações para que os parlamentares possam cobrar do Executivo ações efetivas de combate. “Estamos processando o governo em várias áreas, mas é sempre muito difícil mandar fazer o que não quer”, ressaltou. “Queremos saber o motivo da demissão.”


“Em face dos resultados negativos da política ambiental brasileira, que têm trazido impactos seríssimos para a floresta, seus povos, e também para a imagem e a economia brasileira, tudo indica que o governo decidiu, mais uma vez, culpar o mensageiro. A demissão da pesquisadora do Inpe não surpreende. Seguida de tantas outras demissões de servidores técnicos e competentes, nos dá novamente a entender que o governo é inimigo da verdade”, afirmou Luiza Lima, porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace. “Mas não será escondendo, passando uma maquiagem nos dados ou investindo em propaganda que o governo vai mudar a realidade. E isso acontece por uma razão bem simples: Bolsonaro não quer mudar os rumos da sua política. Afinal, a destruição é o seu projeto do governo.”


Em nota, o Inpe afirmou que Lubia Vinha foi “realocada” no cargo de “chefe da Divisão de Projeto Estratégico, que tratará da implementação da nova Base de Informações Georreferenciadas (BIG) do Inpe, uma demanda do ministro Pontes”. “Esta, por sinal, é a área primária de formação e expertise da dra. Lubia Vinha”, emendou o comunicado.
“A Direção do Instituto reforça que as atividades associadas ao monitoramento do desmatamento da Amazônia, bem como as demais atividades operacionais do Instituto, continuarão sendo realizadas e tendo como premissas os critérios técnicos e científicos de praxe”, destacou a nota.

 

Memória

Negação e exoneração
No ano passado, quando alertas do sistema Deter começaram a indicar que a Amazônia estava sendo devastada, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rejeitaram, inicialmente, os dados e chegaram a alegar que eles eram mentirosos. O estresse acabou culminando, em agosto, na exoneração do então diretor do Inpe, Ricardo Galvão.


Alguns meses depois, quando foram divulgados os dados do sistema Prodes, que traz as informações oficiais de desmatamento na floresta, confirmou-se que a perda de vegetação na Amazônia, entre agosto de 2018 e julho de 2019 havia sido a maior desde 2008.


Apesar dos números alarmantes, da cobrança de investidores estrangeiros e nacionais, das denúncias feitas por agentes ambientais, pesquisadores e ambientalistas, o problema não cessa, As taxas mensais de alertas do Deter continuaram em alta desde então.


O governo enviou, em maio deste ano, uma nova operação militar para a floresta amazônica, a Verde Brasil 2, mas, no mesmo período, o desmatamento continuou subindo.