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''Foi a própria PGR que criou e prorrogou forças-tarefas'', diz Dallagnol

Confira entrevista com o coordenador da Operação Lava-Jato

Na visita à Curitiba, a dra. Lindôra Araújo (sub-procuradorta-geral da República) explicou se estava ali a pedido do procurador-geral Augusto Aras?
Não conseguimos entender se sua atividade era correicional, administrativa ou em razão da atuação em processos. Não informou a pauta nem apresentou qualquer pedido formalmente. Temos uma base de dados com muitas informações fiscais e bancárias, apreendidas de centenas de investigados, que devem ser custodiadas com responsabilidade e acessadas de acordo com a lei.

O senhor acha que as decisões do ex-juiz Sergio Moro, que autorizaram o compartilhamento dos dados da Lava-Jato para uso no Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, permitem que a Procuradoria-Geral da República acesse as informações que foram solicitadas pela dra. Lindôra, como informou a PGR? 
As decisões proferidas pela 13ª Vara autorizam o compartilhamento para a finalidade de instruir investigações e processos. Não é uma carta branca. E temos materiais de outras varas que não deram decisões similares. Ao longo dos últimos seis anos, dezenas de vezes compartilhamos informações com a PGR e outros órgãos, mas nunca aconteceu nada parecido. Agora, pediu-se um acesso amplo e irrestrito sem indicar quais investigações ou processos da PGR que justificariam esse acesso. Há limites legais. Essa, também, é a posição das forças-tarefas do Rio e de São Paulo.

O procurador Augusto Aras manifestou ao senhor, ou a membros da força-tarefa, insatisfação com os rumos da Lava-Jato? 
O PGR soltou uma nota afirmando que as forças-tarefas seriam clandestinas. Isso não faz nem sentido. Foi a própria Procuradoria-Geral que criou e prorrogou as forças-tarefas, e seu trabalho vem sendo feito de modo transparente há seis anos, com importantes resultados sociais. A ideia delas é simples: há trabalhos que são grandes demais para um procurador só realizar e, por isso, são designados outros procuradores para trabalhar junto, formando uma equipe.

O senhor acha que está havendo um desmonte das forças-tarefas?
Além das notas públicas da PGR colocando em dúvida o trabalho das forças-tarefas, houve uma asfixia da que trabalha na Operação Greenfield, que apura desvios milionários de fundos de pensão estatais e ainda tinha um importante trabalho a desempenhar. A razão disso deve ser questionada ao procurador-geral. O trabalho contra a corrupção precisa continuar. Não é adequado acabar com forças-tarefas sem que exista algo no lugar para fazer o trabalho.

A PGR disse que a Lava-Jato “não é um órgão autônomo” do MPF e fala em clandestinidade e “aparelhamento”.
Como as acusações não se reportaram a nenhum fato concreto, acredito que não agregam para o debate público. Fica parecendo uma desqualificação do trabalho para gerar um ambiente propício ao desmonte das forças-tarefas, quando a própria Corregedoria fez um relatório, neste ano, ressaltando os méritos desse tipo de trabalho e que precisa continuar.

O que está gerando essa tensão entre a PGR e a Lava-Jato? 
Não saberia dizer, mas gostaria de ressaltar que tenho um profundo respeito pela Procuradoria-Geral e por nossa instituição. Nada mudou no nosso trabalho para gerar essas ações inusitadas.

Em ofício assinado na última terça-feira pelo vice-procurador, Humberto Jacques, ele disse que o modelo de FTs é “pródigo em anomalias”, incompatível “com o perfil constitucional do MP”.
Refleti sobre a íntegra deste parecer dele e creio que não é o mesmo discurso do procurador-geral de clandestinidade das forças-tarefas. Acredito que o colega quis dizer que o Ministério Público, originalmente, foi pensado dentro de um modelo de atuação individual, não coletivo. Ele está defendendo a criação de uma Unidade Nacional Anticorrupção, o que é uma ideia boa, desde que essa unidade tenha assegurada sua independência. O que não dá para fazer é acabar com as forças-tarefas sem colocar nada no lugar que assegure um trabalho robusto e independente do MPF em grandes casos de corrupção.

O senhor acha que as críticas da PGR à Lava-Jato tem alguma relação com a saída de Moro do governo?
Houve de fato mudanças na conjuntura política e há especulação sobre o ex-ministro Sergio Moro ser candidato em 2022. Embora isso não tenha nada que ver tecnicamente com a Lava-Jato, a imagem de Moro se vinculou à da Lava-Jato no imaginário social. Por isso, criar artificialmente erros na Lava-Jato e atacar a sua reputação passou a ser do interesse de vários novos atores. Contudo, o Ministério Público é um órgão de Estado, independente em relação ao governo, e confiamos questões político-partidárias não deverão afetar o necessário apoio institucional ao trabalho feito pelo próprio MP no caso Lava-Jato.
 
O discurso anticorrupção gerado após a Lava-Jato foi muito usado pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha. Não por um acaso, ele escolheu Moro para ser um dos seus ministros. Para o senhor, o presidente conseguiu colocar em prática o discurso de campanha?
A Lava-Jato jamais apoiou qualquer político. O presidente, como alguns outros políticos, fez um discurso eleitoral de apoio ao trabalho contra a corrupção. Contudo, temos dificuldades de ver esse discurso sendo colocado em prática. Ele não apoiou o pacote anticrime, que foi drenado no Congresso, não está defendendo a prisão em segunda instância, não vetou regras de leis aprovadas que são prejudiciais à causa e ataca a imprensa e a democracia, das quais dependem o trabalho anticorrupção. Foram retomadas negociações de cargos com partidos e políticos investigados pelo envolvimento em esquemas. Há ainda as notícias de interferência na atividade da polícia, Receita e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e de envolvimento com a disseminação de notícias falsas, rachadinhas e milícias, o que está sendo investigado.