Diante da resistência de alguns países da Europa de sacramentar acordos comerciais com o Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro pediu aos demais chefes de Estado do bloco sul-americano que façam uma força-tarefa para que os pactos com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta) sejam finalizados ainda neste ano. Ontem, durante a 56ª reunião da cúpula de presidentes do Mercosul, o mandatário brasileiro ainda falou em “desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil”, sobretudo em temas voltados ao meio ambiente, para tentar viabilizar a assinatura dos acordos.
Atualmente, organizações não-governamentais ambientalistas pressionam nações europeias a não dar sequência aos dois pactos, que foram selados no ano passado, e países como Áustria, Irlanda, França e Países Baixos já sinalizaram que não darão aval às propostas, sobretudo por não aceitarem a forma como o governo Bolsonaro lida com o tema ambiental. As queimadas na região amazônica são um dos principais empecilhos, bem como a destruição de reservas indígenas por empresas mineradoras.
“Nosso governo vai desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil, mostrando ações que temos tomado em favor da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas”, disse o chefe do Planalto aos mandatários de Argentina, Uruguai e Paraguai. Ele acrescentou que “está disposto a avançar em outros empreendimentos com parceiros mundo afora” e destacou que “o Mercosul é o principal veículo” para que o Brasil possa se inserir “mais e melhor” no mundo.
“Queremos levar adiante as negociações abertas com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura e Líbano, expandir os acordos vigentes com Israel e a Índia e abrir novas frentes na Ásia. E temos todo interesse em buscar tratativas com os países da América Central”, frisou Bolsonaro. O presidente pediu a mobilização dos demais membros do Mercosul para o desafio de “conciliar a proteção da saúde das pessoas com o imperativo de recuperar a economia” em meio à pandemia do novo coronavírus. “Senhores presidentes, os próximos meses serão de grandes desafios para todos nós. Tenho certeza de que o Mercosul é parte das soluções que estamos construindo”, destacou ele, que cogitou, no ano passado, a saída do Brasil do bloco.
Ataques e acenos
O encontro foi cercado de expectativa porque se tratava do primeiro compromisso oficial envolvendo Bolsonaro e o presidente da Argentina, Alberto Fernández. Os dois colecionam desentendimentos desde o ano passado, quando o chefe de Estado vizinho derrotou Mauricio Macri nas eleições para a Casa Rosada.
Durante o seu discurso, Bolsonaro não citou o nome do argentino, mas o alfinetou em, ao menos, três ocasiões: ao defender a revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul — cobrada sobre a importação de produtos e serviços de empresas dos países-membros do bloco —; ao criticar Nicolás Maduro — tido por Fernández como o presidente da Venezuela —; e ao lamentar a ausência da presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, nos trabalhos do Mercosul no último semestre — o argentino não reconhece o governo de Áñez e ainda concedeu refúgio, em Buenos Aires, ao ex-presidente boliviano Evo Morales.
Fernández também não se dirigiu diretamente a Bolsonaro, mas observou que “precisamos integrar uma única nação em nível regional” e que “as diferenças que possam surgir passam a um segundo plano”. “O importante é o desejo de nossos povos de se vincular, acima dos governos, que, ocasionalmente, governam cada uma de nossas Repúblicas. A união dos nossos povos precede a nossa posição como governantes ocasionais”, comentou.
Fernández também ressaltou a importância da globalização, fenômeno bastante criticado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. “Estamos chamados a ser um grande país, a América Latina. O mundo se globalizou, isso é fato. Brigar contra isso é bobeira, o que não é bobeira é ver como nos integramos a um mundo globalizado, como região. Aqui, ninguém vai se salvar sozinho, precisamos ver como vamos construir um mundo mais igual e desenvolvido depois da pandemia. Temos de encarar juntos esse debate”, frisou.
Por sua vez, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que assumiu a presidência pró-tempore do Mercosul durante a reunião, firmou o compromisso de trabalhar com o governo da Alemanha, um dos principais defensores do acordo comercial entre o bloco sul-americano e a União Europeia, para acelerar a assinatura e ratificação do pacto. Ele defendeu que o Mercosul tem de trabalhar a zona de livre comércio, consolidar o trato nacional de produtos e aperfeiçoar a união aduaneira.
Na visão do mandatário uruguaio, o fato de os países europeus tentarem, ao máximo, se proteger da covid-19 pode levá-los “inconscientemente ao protecionismo”, o que é uma “tentação” para algumas nações, em especial as maiores. “O Mercosul precisa aproveitar e terminar o que começou. Não deve haver sinal global pior do que não concluir os processos que levaram tantos anos de negociação, e estamos na reta final. Portanto, se possível, nestes meses, temos de assinar com a União Europeia e com a Efta”, salientou Pou.
“Nosso governo vai desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil, mostrando ações que temos tomado em favor da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas”
Jair Bolsonaro, presidente da República
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Número de países do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). A Venezuela também fazia parte, mas teve a participação suspensa em 2017 por ruptura da ordem democrática