Correio Braziliense
postado em 25/06/2020 06:00
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não pretende dar trégua a envolvidos em atos antidemocráticos. O magistrado determinou, ontem, a libertação de seis integrantes do grupo bolsonarista 300 do Brasil, entre os quais a líder Sara Winter, mas impôs uma série de restrições a todos.
Além de Sara, estavam em prisão preventiva Emerson Rio Barros dos Santos, Érica Vianna de Souza, Renan de Morais Souza, Arthur Castro e Daniel Miguel (que, segundo a defesa da extremista e dos outros quatro, não integra mais o grupo).
Os seis estão proibidos de manter contato com outros alvos do inquérito que apura a organização e o financiamento de protestos que pediram fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. Entre as quais estão blogueiros, empresários e políticos, incluindo deputados federais do PSL, como Carla Zambelli (SP), Bia Kicis (DF) e Daniel Silveira (RJ).
Os liberados ontem terão de pedir autorização para sair para trabalhar e estudar, sendo que, nesse caso, deve ser respeitada uma distância mínima de um quilômetro dos edifícios do Congresso, do STF e das residências e trabalho de outros investigados. Caso os bolsonaristas não cumpram as medidas do Judiciário, poderão ser presos preventivamente.
Sara estava presa desde 15 de junho. A extremista saiu da Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia, no fim da tarde de ontem, e foi levada para a sede da Secretaria de Estado de Administração Penal do DF (Seap-DF), no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), onde colocou tornozeleira eletrônica, assim como os outros cinco suspeitos, conforme decisão de Moraes.
O magistrado baseou-se em pedido do Ministério Público Federal (MPF) e pontuou que “fica demonstrado o risco à investigação e a necessidade de restrição à atuação dos integrantes do grupo com relação aos fatos aqui investigados”. “Considerando, todavia, a gravidade e reprovabilidade das condutas até agora a eles atribuídas, entendo ser suficiente para a garantia da ordem pública e a regularidade da instrução criminal, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, inclusive, com a utilização de monitoração eletrônica.”
Na manifestação, o MP afirmou que tem sido realizado o compilado de diversos dados obtidos das mídias apreendidas (celulares e computadores) pela operação da Polícia Federal e que esse processo tem “retardado as ações de exploração, pois a maior parte das atividades de investigação se deu com o emprego destes dispositivos”. Ainda informou que a “inexistência de indícios de autoria e materialidade da prática de crimes associativos”, além da ausência de dados concretos e individualizados, afasta no momento “a necessidade de manutenção das constrições formalizadas”.
O órgão destacou que o acesso aos elementos contidos nos aparelhos eletrônicos pode gerar a decretação de novas medidas cautelares. “Levando-se em consideração a gravidade e a reprovabilidade das condutas atribuídas aos membros do grupo, importa resguardar, ainda que de forma não tão intensa, a garantia da ordem pública e a regularidade da instrução criminal, de modo a reduzir os riscos de atos de interferência ou prejudiciais à investigação advindos das respectivas solturas”, ressaltou.
Defesa
Em nota, a defesa de Sara disse que as restrições de circulação e comunicação da investigada são “absolutamente desproporcionais e desprovidas de razoabilidade”, com ofensa ao “princípio de presunção de inocência”.
Segundo Renata Tavares, uma das advogadas da extremista e dos demais integrantes do 300 do Brasil, os suspeitos tiveram de informar o endereço onde vão residir durante o processo no STF. “Arrumamos um lugar para cada um deles aqui em Brasília e, por conta das restrições, eles ficarão separados. Todos devem permanecer na capital por, pelo menos, 48 horas”, esclareceu.
O advogado Henrique Quintanilha, que havia protocolado, de forma independente, um pedido de habeas corpus a favor de Sara, disse que vai entrar com uma medida judicial contra o uso da tornozeleira. O HC feito por ele foi negado pela ministra Cármen Lúcia, do STF. O defensor disse que vai recorrer, mesmo com a libertação da extremista, “pois persiste risco de ela ser presa novamente”. “O inquérito continua em segredo, e as decisões têm sido tomadas de modo repentino e nada transparente”, avaliou. Ele também havia protocolado um pedido de revogação de prisão a Alexandre de Moraes. (Colaborou Darcianne Diogo)
"Entendo ser suficiente, para a garantia da ordem pública e a regularidade da instrução criminal, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, inclusive, com a utilização de monitoração eletrônica”
Trecho da decisão de Moraes
Pedido de afastamento
Os advogados de Sara Winter apresentaram, ontem, um pedido ao STF para afastar Alexandre de Moraes do caso. A defesa acusa o ministro de abuso de autoridade e alega que ele está “perseguindo” a extremista. Sara foi denunciada pelo Ministério Público Federal pelos crimes de injúria e ameaça, “praticados de forma continuada”’, contra o ministro. Após ser alvo de buscas no inquérito das fake news, em que também é investigada, ela xingou e fez uma série de ameaças ao magistrado, chamando-o para “trocar socos”. Além disso, prometeu perseguir e “infernizar” a vida dele, responsável por determinar a ação da Polícia Federal.
Escalada antidemocrática
19 de abril
Uma série de manifestações ocorre no país. Algumas são marcadas por faixas e palavras de ordem pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) e
pró-ditadura militar. O presidente Jair Bolsonaro participa de um dos atos, diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, e até discursa. No protesto, há faixas fazendo menção ao AI-5, o ato institucional mais duro instituído pela repressão militar nos anos de chumbo, em 13 de dezembro de 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito até de cassar mandatos de parlamentares.
20 de abril
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pede ao STF a abertura de um inquérito para investigar “fatos em tese delituosos”, envolvendo a organização de protestos antidemocráticos. No pedido, o PGR não cita Bolsonaro. Ele justifica a solicitação à Corte dizendo que os atos foram cometidos “por vários cidadãos, inclusive deputados federais”.
21 de abril
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, decide atender ao pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e abre inquérito para investigar organização e financiamento de atos antidemocráticos. O magistrado é o relator do caso.
13 de junho
Cerca de 20 manifestantes bolsonaristas autodenominados 300 do Brasil simulam, com fogos de artifício, um ataque ao STF. Os artefatos são disparados na direção do edifício principal da Corte, na Praça dos Três Poderes, enquanto os participantes xingam ministros do tribunal. Uma das líderes do grupo é Sara Giromini, conhecida como Sara Winter.
15 de junho
Seis apoiadores do presidente Jair Bolsonaro são alvo de mandados de prisão temporária expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos. Uma das detidas é Sara Winter. Todos os outros também lideram o grupo 300 pelo Brasil, que disparou fogos de artifício contra prédio do STF. Os mandados de prisão haviam sido pedidos no dia 12, pelo vice-procurador-geral da República Humberto, Jacques de Medeiros. Em nota, a Procuradoria-Geral da República informa haver indícios “de que o grupo continua organizando e captando recursos financeiros para ações que se enquadram na Lei de Segurança Nacional”. O objetivo das prisões temporárias é “ouvir os investigados e reunir informações de como funciona o esquema criminoso” de organização dos protestos. Em depoimento, também no dia 15, Sara Winter nega que os integrantes do 300 pelo Brasil defendam uma intervenção militar no país e diz que não participou do ataque ao STF.
16 de junho
Um senador e 10 deputados bolsonaristas têm o sigilo bancário quebrado por determinação de Moraes. Assinada em 27 de maio, a decisão torna pública quando a Polícia Federal cumpre 21 mandados de busca e apreensão contra um parlamentar, políticos ligados ao Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar, além de blogueiros, como Allan dos Santos, e youtubers que apoiam o governo. Segundo a PGR, os investigados teriam agido para “financiar e promover atos que se enquadram em práticas tipificadas como crime pela Lei de Segurança Nacional”. Os deputados com sigilo quebrado são, principalmente, do PSL: Beatriz Kicis (DF), Daniel Silveira (RJ), Cabo Junio Amaral (MG), Alê Silva (MG), Carla Zambelli (SP), Guiga Peixoto (SP), Caroline de Toni (SC), Aline Sleutjes (PR) e General Girão (RN). Além deles, Otoni de Paula (PSC-RJ). O senador é Arolde de Oliveira (PSD-RJ). Todos negam irregularidades.
19 de junho
Alexandre de Moraes prorroga, por cinco dias, a prisão temporária da extremista Sara Winter e de mais cinco integrantes do grupo 300 do Brasil. Ele atende a um pedido da Polícia Federal, porque ainda está sendo feita a análise dos materiais apreendidos junto ao grupo.
22 de junho
Vem a público o conteúdo da decisão tomada por Moraes de quebra de sigilos de parlamentares bolsonaristas. A suspeita é de que investigados no inquérito atuaram para desestabilizar “o regime democrático” com o objetivo de obter ganhos econômicos e políticos. O ministro diz, no documento, que investigações da PGR “confirmam a real possibilidade de existência de uma associação criminosa”. Aliados de Bolsonaro podem ter lucrado mais de R$ 150 mil com a divulgação dos atos antidemocráticos. Dois canais pró-governo no YouTube, Folha Política e Foco do Brasil, podem ter embolsado até R$ 157 mil com transmissões dos discursos de Bolsonaro em protestos recentes, diz PGR. A arrecadação viria de parcerias, assinaturas, eventuais compras de produtos oferecidos pelos canais e até de anúncios pagos por empresas e órgãos públicos.
Ontem
Moraes decide pela libertação de Sara Winter e dos outros detidos que estavam em prisão temporária, mas determina que todos sejam monitorados por tornozeleira eletrônica. Eles também estão proibidos de manter contato com outros alvos do inquérito e terão de pedir autorização para sair para trabalhar e estudar. Também deverão respeitar uma distância mínima de um quilômetro dos edifícios do Congresso, do STF e das residências e trabalho de outros investigados.
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