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'Sim, desta vez, é verdade', diz Weintraub ao confirmar demissão

Demissão põe fim a uma gestão tumultuada, provocada pelo estilo sem filtro e agressivo do ex-ministro na defesa ideológica do governo. Indicado para um cargo no Banco Mundial, só assume se tiver o nome aprovado por um grupo de países

Após um ano e dois meses, Abraham Weintraub foi demitido do Ministério da Educação, na tarde de ontem. Em meio a uma gestão marcada por polêmicas e projetos parados, ele anunciou a saída por meio de um vídeo postado nas redes sociais, ao lado de Jair Bolsonaro. Afirmou que deixará o governo para, provavelmente, assumir um cargo na direção do Banco Mundial (Bird) –– conforme indicação do presidente, numa saída honrosa para não abandonar seu fiel escudeiro. Assim, o presidente tenta diminuir o atrito entre o Executivo e o Judiciário cujos insultos do ex-ministro aos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) foram uma mancha a mais no relacionamento.


“Sim, desta vez é verdade. Eu estou saindo do MEC e vou começar a transição, agora. E, nos próximos dias, eu passo o bastão para o ministro que vai ficar no meu lugar, interino ou definitivo”, anunciou, no vídeo.


Weintraub também não quis comentar os motivos que levaram a sua saída. “Neste momento não cabe. O importante é dizer que eu recebi o convite para ser diretor de um banco. Já fui diretor de um banco no passado. Volto ao mesmo cargo, porém, no Banco Mundial. O presidente já referendou e, com isso, eu, minha esposa, nossos filhos, e até a nossa cachorrinha, Capitu, vamos poder ter a segurança que hoje está me deixando muito preocupado”.


E completou: “Estou fechando um ciclo e começando outro. E é claro que eu continuo apoiando o senhor (Bolsonaro), como fiz nos últimos três anos, desde que a gente se conhece. Neste período, eu vi um patriota, que defende os mesmos valores que eu sempre acreditei: a família, a liberdade, a honestidade a franqueza o patriotismo e que tem Deus no coração. Agradeço a honra que foi participar do seu governo, desejo toda sorte e o sucesso que o senhor merece, nesse desafio gigante que é tentar salvar o Brasil. Eu continuarei lutando pela liberdade, mas de outra forma”, concluiu.


Com ar grave, Bolsonaro comentou, em seguida, classificando o momento como “difícil”. “É um momento difícil. Todos os meus compromissos de campanha continuam de pé. Busco implementá-los da melhor forma possível. A confiança você não compra, você adquire. Todos que estão nos ouvindo agora são maiores de idade, sabem o que o Brasil está passando. E o momento é de confiança. Jamais deixaremos de lutar por liberdade. Eu faço o que o povo quiser”, disse.


Na volta ao ministério, após reunião com Bolsonaro, Weintraub se recusou a falar com a imprensa e justificou ironizando a multa que recebeu do governo do Distrito Federal por não usar máscara numa manifestação, na Esplanada dos Ministérios. “Não estou podendo falar. Estou obedecendo ao Ibaneis e, com isso aqui (a máscara), não consigo falar”.
Com a saída de Weintraub, o secretário executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel, assume interinamente. Na lista de possíveis sucessores, o secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim, tido como favorito, está praticamente fora. Como o ex-ministro, é seguidor do escritor Olavo de Carvalho e defensor do homeschooling, mas, também por ter perfil radical, perdeu pontos na indicação.


O governo também oficializou a indicação de Weintraub para diretor-executivo do grupo de países –– conhecido como constituency — que o Brasil lidera no Bird (do qual fazem parte Colômbia, Equador, Trinidad e Tobago, Filipinas, Suriname, Haiti, República Dominicana e Panamá, que precisam aprovar o nome do ex-ministro para que ele possa assumir o cargo). (Colaborou Rosana Hessel).

 

No último ato, a suspensão de cotas

 

Antes de ser demitido do Ministério da Educação, Abrahan Weintraub revogou uma portaria de cotas para minorias poderem ter acesso à pós-graduação. A Portaria Normativa nº 13, de 11 de maio de 2016, estipulava que programas reservassem vagas para negros, índios e pessoas com deficiência. O cancelamento surpreendeu a comunidade acadêmica, que, tal como aconteceu com a medida provisória que o ex-ministrou tentou emplacar –– que possibilitava a ele indicar reitores de universidades federais durante o período em que durar a pandemia do novo coronavírus ––, promete reagir para que o último ato de Weintraub seja suspenso.


A nota do MEC tenta esclarecer a decisão: “O Ministério da Educação esclarece que a Portaria Normativa nº 13/2016, cujo teor trata de ações afirmativas e cotas para cursos de pós-graduação, foi revogada com base no artigo 8º, do Decreto nº 10.139/2019. Cabe acrescentar que a Lei nº 12.711/2012, em vigor, prevê a concessão de cotas e ações afirmativas exclusivamente para cursos de graduação”.


Segundo Charles Morphys, coordenador do Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação das IFES (Copropi), “normatizações como a PN 13 foram um importante estímulo para mudar essa situação (de desequilíbrio no acesso às vagas de pós-graduação), dando possibilidades às instituições de discutirem suas estratégias de operacionalização das demandas por inclusão”.

 

Apesar da medida assinada por Weintraub, Charles explicou que as instituições federais de ensino superior (Ifes) têm autonomia para decidir sobre reserva de vagas. “Revogar a PN 13 não significa mudar as normativas internas de cada Ifes”, pontuou.

Unanimidade nas críticas: foi o pior

A saída de Abraham Weintraub repercutiu, dentro e fora das redes sociais. Políticos de diversas legendas se manifestaram sobre a saída do MEC. Com ironia, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), comentou a ida do ex-ministro para o Banco Mundial (Bird) durante entrevista de ontem: “Não sabem que trabalhou no Banco Votorantim, que quebrou em 2009?”.


O ex-bolsonarista e hoje tucano Alexandre Frota (SP) também lembrou do passado do ex-ministro, fazendo um vídeo no qual dança com um guarda-chuva, assim como Weintraub havia feito, ano passado, para rebater as críticas que recebeu por promover um contingenciamento no orçamento das universidades públicas.


Já o PSDB salientou que “Weintraub nunca se portou como um ministro, mas como um provocador barato em nome de uma ideologia autoritária e obscura. Que o próximo nome esteja à altura dos desafios do cargo”. A União Nacional dos Estudantes (UNE) também se pronunciou. “Educação é prioridade para os brasileiros. Não tente seguir com o seu projeto de desmonte da educação pública”, tuitou.


A deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP), expoente da bancada em defesa da educação na Câmara, publicou: “Não fosse uma crônica de morte anunciada, diria que a saída do Weintraub, hoje, seria artimanha do PR para abafar a prisão do Queiroz. A saída do pior ministro da Educação da história é um alívio”. Marcelo Ramos (PL-AM), também deputado federal, publicou: “Presidente Bolsonaro acaba de tomar a sua mais importante decisão a favor da educação brasileira desde que tomou posse”, ironizou.

 

O ex-presidenciável Guilherme Boulos listou as controvérsias do ex-ministro: “437 dias de Weintraub no MEC: ataques diários à ciência, Erros gramaticais, ofensas a Paulo Freire, desrespeito à autonomia universitária, ida a manifestações pelo AI-5. Weintraub é o pior ministro que já passou pelo MEC”.

 

Uma longa lista de intransigências, agressões e provocações

 

Um dos nomes da linha de frente ideológica de Jair Bolsonaro, Abrahan Weintraub ocupou o Ministério da Educação mais com o objetivo de defender as ideias do governo do que, de fato, comandar um salto do ensino brasileiro rumo à modernidade. Em 14 meses, colecionou polêmicas, provocações e agressões, que aumentaram seu cacife entre os radicais apoiadores do presidente, mas, sobretudo, com os integrantes do chamado Gabinete do Ódio –– grupo palaciano que distribui ataques e falsidades pelas redes sociais contra os desafetos de Bolsonaro. Mas, para a comunidade científica e acadêmica, Weintraub foi um tormento, um atraso para a educação. O ex-ministro é considerado um dos mais aplicados porta-vozes do olavismo e ponta de lança da chamada “guerra cultural”. Veja, a seguir, atropelos em que se envolveu.

CORTE DE VERBAS DAS UNIVERSIDADES 
No final de abril do ano passado, estudantes, professores e apoiadores da Educação saíram às ruas contra o bloqueio de investimentos, depois que Weintraub acusou as universidades federais de estarem “fazendo balbúrdia em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico”. Os principais alvos foram a UFF, a UnB e a UFBA.

DANÇA DA CHUVA 
Ainda por causa da redução de verbas, Weintraub divulgou vídeo negando que o governo tenha tirado dinheiro para a recuperação do Museu Nacional — que ficou completamente destruído num incêndio, em setembro de 2018. Mas o fez de forma prosaica: como no filme Cantando na Chuva, apresentou-se com um guarda-chuva cantando Singing in the rain para dizer que “está chovendo fake news”.

LITERATURA OU CULINÁRIA? 
Weintraub, em vários momentos, demonstrou ter dificuldades com o vernáculo e com a cultura. Numa audiência no Senado, em 7 de maio de 2019, quis citar o escritor tcheco Franz Kafka, mas disse “Kafta” –– prato da cozinha árabe. Outra mancada: confundiu “asseclas” (correligionários, partidários) com “acepipes” (petiscos, iguarias), num post em que pretendeu ofender o PT. “Tranquilizo os ‘guerreiros’ do PT e de seus acepipes”, anotou. Virou meme nas redes sociais.

COCAÍNA E BLOQUEIO
Por causa da descoberta de 38kg de cocaína no voo presidencial ao Japão, ano passado, Weintraub começou a ser cobrado nas redes sociais. Reagiu à sua maneira: “No passado, o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?” Foi bombardeado. Decidiu, então, que não queria “gente chata e de esquerda” a incomodá-lo. “Caso contrário, bloqueio”, disse.

ATESTADO DE INÉPCIA 
Numa coletiva em outubro de 2019, defendeu punições para alunos com notas baixas no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). Segundo Weintraub, quem acertasse 10% das questões não deveria ter direito a se formar. Para ele, quem acerta menos de 20% “sabota” a prova.

MACONHA NO CAMPUS 
Numa audiência na Câmara dos Deputados, em dezembro passado, disparou: existem plantações de maconha e produção de drogas sintéticas em universidades federais. Weintraub fora convocado exatamente para provar tais acusações, o que jamais fez. Foi além: disse que, como a polícia militar não entra nos campi, os traficantes se sentem à vontade para agir.

ATAQUE AO VERNÁCULO 
Weintraub jamais escondeu que ele e a língua portuguesa não eram amigos. Numa resposta ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), escreveu “imprecionante” (correto: “impressionante”). Antes, já tuitara “suspenção” e “paralização” –– as grafias certas são “suspensão” e “paralisação”.

DEBOCHE COM A CHINA 
Era por meio de tuítes que Weintraub mais criava desavenças. Em meio às falsas acusações de que o novo coronavírus era uma invenção chinesa, com o objetivo de pôr o mundo de joelhos, quis fazer uma ironia com o suposto modo de os chineses falarem o português. Para isso, usou o personagem dos quadrinhos Cebolinha –– que troca o R pelo L. Foi repreendido pela Embaixada chinesa, que o acusou de racismo, e pelo criador da Turma da Mônica, Maurício de Sousa.

CORREÇÃO DE NOTAS 
Weintraub acusou a gráfica que havia impresso as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pelo problema que afetou aproximadamente 6 mil candidatos. O então ministro garantiu que ninguém seria prejudicado, mas demorou a concordar com a recontagem.

ENEM MANTIDO 
Apesar de a pandemia avançar dia a dia, Weintraub se recusava a adiar a data do Enem. Cedeu depois de intenso clamor popular. A nova data ainda não está decidida e, para tal, abriu uma enquete no Ministério da Educação para que os candidatos escolhessem o melhor período.

VAGABUNDOS E CANCRO 
Na reunião ministerial de 22 de abril, tomou a palavra e, exaltado, dirigiu-se aos ministros do Supremo Tribunal Federal como “vagabundos” e disse que, por ele, colocava “todos na cadeia”. Empolgou-se na agressividade e ainda classificou Brasília como um “cancro”.

SILÊNCIO E RACISMO 
Por causa da ofensa aos ministros do STF, teve de depor na Polícia Federal –– mas ficou em silêncio. E se submeteu ao mesmo ritual por causa da acusação de racismo contra os chineses. Na saída, foi levado sobre os ombros por radicais bolsonaristas.

NOITE DOS CRISTAIS 
Weintraub voltou a exagerar quando comparou uma ação da PF, no âmbito do inquérito das fake news, no STF, contra figuras da base bolsonarista, à noite do ataque a comerciantes judeus na então Alemanha nazista, marco temporal do começo do holocausto. Entidades judaicas repudiaram veementemente a comparação.

VAGABUNDOS DE NOVO 

Weintraub participa de ato em defesa de Bolsonaro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e diz a manifestantes que tinha dado sua opinião sobre “vagabundos”, em uma referência às ofensas que dirigira ao STF, na reunião ministerial de 22 de abril. Estava sem máscara e provocou aglomeração. Foi multado pelo Governo do Distrito federal em R$ 2 mil por violar as regras sanitárias de 
combate à covid-19.

REITORES BIÔNICOS
Weintraub articulou uma medida provisória para nomear diretamente reitores de universidades federais, durante o período da pandemia –– os nomes saem de uma lista tríplice de indicações da comunidade acadêmica. A MP foi devolvida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Terminou extinta.

GOLEADA NO SUPREMO 
Por 10 a 1, o STF mantém Weintraub entre os alvos do inquérito sobre a disseminação de fake news e ataques aos membros da Corte, rejeitando habeas corpus apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. O ex-ministro é investigado por ter defendido a prisão dos membros do STF e por tê-los chamado de “vagabundos”.