O ministro Luís Roberto Barroso votou contra a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) número 572, que questiona a validade do inquérito 4.781 contra as fake news aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No voto, o magistrado argumentou a favor do artigo número 43 do regimento interno do STF que dá ao órgão o poder de abrir inquéritos, e destacou a excepcionalidade do caso. Barroso também foi duro ao afirmar que financiar e coordenar redes de fake news para atacar instituições democráticas e seus membros não é exercício da liberdade de expressão, mas crime.
O argumento usado pelo ministro e pelos colegas de toga Alexandre de Moraes, relator do Inquérito, e Edson Fachin coincide com a impressão dos membros da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News.
“A crítica pública severa de pessoas e instituições não se confunde com a possibilidade de, em associação criminosa, agredir ou ameaçar pessoas e os próprios bens físicos onde se reúne a instituição”, afirmou Barroso. “Aqui, uma observação que considero muito importante. A democracia comporta militância sim. Faz parte da vida. Agora, quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante. Primeiro, é mercenário que recebe dinheiro para a causa. E segundo é criminoso”, completou.
“Atacar as pessoas com ódio, violência ou ameaça, não é coisa de gente de bem, É gente capturada pelo mal. Não há causa que possa legitimar esse tipo de conduta. Tudo que é bom e legítimo deve prevalecer no espaço público, e quem tem causa boa e legítima deve ir ao espaço pública. Mas, você não consegue conquistar espaço público com violência, ameaça ou intimidação. Causas financiadas de ódio, isso é bandidagem pura, e é preciso reagir a isso. grupos armados que fazem ameaças não são militantes”, afirmou.
No início de seu voto, Barroso destacou os questionamentos sobre o inquérito. “Se o presidente (do STF) poderia instaurar o inquérito, se poderia escolher quem serão o relatores e se deveria ir à distribuição, o que pode ser objeto deste inquérito instaurado pela presidência, se pode ser instaurado, e quem pode ser objeto de investigação nesse inquérito. Essa é a questão posta perante o STF. O início de busca das respostas para as indagações encontra-se no Regimento Interno do STF, cujo artigo 43 tem a seguinte dicção: ocorrendo infração de lei penal na sede e dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará essa atribuição a outro ministro”, expôs o magistrado.
Interpretação atual
Na sequência, o ministro argumentou que o dispositivo do regimento interno continua a valer, que é compatível com a Constituição Federal, e que vale, por exemplo, sobre dispositivos do próprio pacote anti crime, por se tratar de uma legislação específica. Também destacou, como o próprio relator, que o Ministério Público não tem competência exclusiva para iniciar investigações, o que também compete às polícias judiciárias e outros órgãos, como a Receita federal, o Banco Central, As CPIs do Congresso, e ao STF, como garante o artigo 43 do regimento da Casa.
Outra defesa feita pelo ministro é que, embora o artigo 43 faça menção a atos ocorridos nas dependências do STF, o trecho é passível de interpretação, pois trata-se de agressões, em sua maioria, ocorridas pela internet. “No mundo da terceira revolução industrial, marcado pelas tecnologias da informação, universalização de computadores pessoais e da rede mundial de computadores, a ideia de sede ou dependência não pode mais ter conotação puramente física. Boa parte da vida contemporânea é vivida virtualmente, como comprova essa sessão, que estamos em locais distintos, em estados distintos, e reunidos virtualmente no mesmo lugar que é a plataforma pela qual estamos nos comunicando”, explicou-se.
“Portanto, ataques virtuais ao STF, via rede mundial de computadores e múltiplos instrumentos oferecidos, todos eles permitem que se amplie a ideia de sede e dependência para significar aquilo que, de alguma forma chegue ao tribunal agredindo sem que seja necessário invadir as dependências do prédio. Sede ou dependência não exclui a possibilidade que os ataques ao supremo sejam por via virtual”, prosseguiu.
Barroso também expôs que, iniciada a investigação dentro do Supremo, caso parte dos investigados, posteriormente, não possuissem foro para a instância, o inquérito poderia ser desmembrado e encaminhado para instâncias superiores. E sobre o objeto do inquérito, o ministro começou afirmando que não se trata de cerceamento de liberdade de expressão ou de imprensa. Ele também afirmou que o Supremo é guardião da liberdade de expressão, uma “pré condição para exercício de outras liberdades fundamentais”.
A livre circulação de ideias, fatos e opinião é pressuposto do exercício de muitas outras liberdades, como participar da vida pública na democracia, não apenas no voto, mas no debate de ideias e prevalecimento de argumentos no espaço público. É importante até para construção de soluções e criações de políticas públicas. A liberdade de expressão e imprensa, mesmo em confronto com outros direitos, tem posição preferencial, o que aumenta o ônus argumentativo de quem queria restringi-la para demonstrar imprescindibilidade em nome de algum valor fundamental. A regra geral no direito brasileiro é que não se admite censura prévia”, afirmou.
Democracias iliberais
Dito isso, Barroso destacou que nada impede que a Justiça, eventualmente, responsabilize o autor de uma determinada manifestação. “É preciso não confundir liberdade de expressão com outros comportamentos. Em uma democracia há espaço para a manifestação do pensamento e das convicções qualquer linha, conservadora, liberal, progressista, e a alternância no poder faz bem às instituições democráticas. Mas não tem espaço para a violência, as ameaças e o discurso de ódio. Isso não é liberdade de expressão. Tem outro nome. É a criminalidade. Não faz parte do inquérito o cerceamento da liberdade de expressão”, proferiu.
Saiba Mais
“O que devemos entender como sendo infração a lei para demarcar o âmbito legítimo do inquérito instaurado pela presidÊncia do STF com base no art 43 do regimento interno? Me parece legítima a instauração de inquérito para apurar ataques massivos, orquestrados e financiados com propósitos destrutivos da instituição STF, com propósitos intimidatórios de seus ministros, inclusive de ameaça não apenas aos ministros, mas suas famílias, mulheres e filhos. Nenhuma sociedade civilizada pode tolerar esse tipo de conduta, de desrespeito às instituições e as pessoas. Juiz tem que ser independente. Tem que poder julgar sem medo. Não exerce poder em nome próprio, mas em nome da sociedade, sob a Constituição, para fazer o que é certo. Não tem amigo ou inimigo, adversário ou aliado”, posicionou-se.
Fascismo
Nesse ponto, Barroso lembrou que ninguém é dono da verdade em um regime democrático, e que é preciso buscar consensos na sociedade. “É claro que a vida comporta muitos pontos de observação, pois a verdade não tem dono. Uma das disfunções do pensamentos autoritário, do pensamento fascista, é a inaceitação do outro. É a crença de que existam donos da verdade. Na democracia, a verdade não tem dono. Tenta se chegar à verdade possível, ainda que plural, pelo exercício legítimo das liberdades públicas, o que não inclui ameaçar de violência física ou moral ou atacar destrutivamente as instituições”, avisou.
Barroso também destacou que não há problema em atacar o STF, embora tenha deixado claro que os ataques difamatórios por meio de fake news não podem ser considerados como críticas. “Em conclusão do meu voto, eu considero que a portaria que instituiu o inquérito é válida. Estou de pleno acordo com o que afirmou o ministro Luiz Edson Fachin, quando escreveu que o limite do inquérito era manifestações que apresentam risco efetivo à independência do poder judiciário, sendo assim compreendida as que integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa em redes sociais. Portanto, nessas palavras, ataques massivos, orquestrados e financiados de caráter destrutivo das instituiçõe e intimidatório de seus ministros. E entendo ser imprescindível a participação da Procuradoria Geral da República, e acesso dos advogados, e não é legítimo cerceamento de liberdade de imprensa”, expôs.
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