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Politica

Comunidade acadêmica aponta interferência como plano de governo

Medida que autorizava Weintraub a nomear reitores é vista pela comunidade acadêmica como ação isolada do governo federal

O presidente Jair Bolsonaro revogou a medida provisória que modificava a forma de escolha de reitores de universidades e institutos federais, durante a pandemia do novo coronavírus, após a repercussão negativa. A decisão foi tomada após o Congresso Nacional ter devolvido, na última quinta, a MP a Bolsonaro, o que, na prática, cancelava os efeitos do texto editado na terça e publicado na quarta-feira. Manobra amplamente criticada, a MP não é vista por especialistas como uma ação isolada por parte do governo federal, que não possui boa relação com as instituições de ensino superior, em especial as federais. 
 
Tanto Bolsonaro quanto o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, veem as instituições como locais tomados por visões “esquerdistas”. O mesmo serve para o ensino básico, com a insistência do governo em reforçar o movimento “Escola sem Partido”, por exemplo. Assim que assumiu, em abril do ano passado, Weintraub falou que iria cortar recursos de universidades que não apresentassem bom desempenho e que estivessem promovendo “balbúrdia”. A declaração gerou uma intensa reação.

 Depois, ele defendeu a presença da polícia dentro dos espaços universitários, afirmando que autonomia das instituições não significava soberania. Em novembro do ano passado, ele disse que existem “plantações extensivas de maconha” nas universidades no Brasil.
 
Esses e outros pontos do histórico do ministro à frente da pasta sinalizaram, para especialistas da área, que a MP não é uma medida isolada. “O envio da MP não é um raio em céu azul, não é algo inesperado. Ao contrário: desde o início do governo Bolsonaro, a universidade tem sido objeto de vários ataques”, disse o presidente da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João Carlos Salles. 
 
Para ele, a MP se associa a outros gestos do governo de “acusação ou de crivo ideológico lançado pelo MEC” acerca das práticas científicas dentro das instituições. “Uma tentativa de condenar costumes das universidades, esquecendo que ela não é só um espaço de produção de conhecimento, é também de convívio, de formação cidadã. Há uma visão estreita do sentido da universidade e um ataque persistente”, afirmou.
 
Salles pontuou, ainda, que a ação lembra outra, a Medida Provisória 914, de dezembro do ano passado, que também tentava interferir na escolha dos dirigentes. Ela mudava as regras da nomeação do reitor, permitindo que o presidente escolhesse qualquer nome da lista tríplice enviada pela instituição, e não o mais votado. Na verdade, isso já é prerrogativa do chefe do Executivo, mas era convencional que o presidente nomeasse o mais votado da lista. Esta MP perdeu a validade no começo do mês após não ter sido apreciada pelo Congresso.
 
“Liberdade de cátedra”

Professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ) e cientista político, Michael Mohallem afirma que o pano de fundo da MP é justamente o histórico problemático entre o governo e as universidades federais. “Desde quando o presidente assumiu, o discurso no governo é de que universidades são espaços de esquerda, que os professores são de esquerda. Uma visão muito simplificada e maniqueísta.”
 
Mohallem ressalta que as universidades são espaços cuja autonomia é protegida pela Constituição Federal  — e aqui é englobado não só a autonomia financeira e de nomeações, mas também a pedagógica, desde que dentro dos limites da lei e das determinações do MEC. Além disso, os professores gozam da chamada “liberdade de cátedra”, princípio que garante aos docentes o direito ensinar, transmitir ideias, opiniões, sem represália ou pressão.
 
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida Santos afirma que o projeto do governo continua sendo o de controle das universidades. “É um governo contrário à ciência, que nega a pandemia. E quem constrói ciência e promove debate são as universidades, e, não por um acaso, as públicas. Desenvolvem pesquisa e pesquisam tudo que o governo quer negar.”