A recriação do Ministério das Comunicações trouxe incertezas sobre o leilão para exploração da tecnologia 5G no Brasil, anteriormente previsto para ocorrer até o fim deste ano. A informação é de uma alta fonte do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), desmembrado com as mudanças. Analistas consideram que a nomeação de Fábio Wajngarten como secretário executivo da nova pasta representa dificuldades adicionais para a implantação da tecnologia chinesa no país, em razão de seu alinhamento com os interesses dos Estados Unidos.
Os EUA têm recomendado a vários países que evitem a 5G, dominada pela chinesa Huawei. Desde o ano passado, os americanos vêm defendendo a tese de que o governo de Pequim utiliza companhias do país como instrumentos de espionagem industrial. Segundo essa ótica, usar equipamentos fabricados pela empresa poderia colocar em risco a privacidade de usuários de serviços de telecomunicações.
Ontem, o embaixador americano em Brasília, Todd Chapman, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, disse que Washington já discute com o governo brasileiro e empresas do país o financiamento para a compra de equipamentos da Ericsson e da Nokia para a infraestrutura da rede 5G no Brasil. Segundo afirmou o diplomata, esse tipo de medida é do interesse da “segurança nacional” dos EUA. A ideia é evitar que empresas chinesas forneçam equipamentos às operadoras de telefonia brasileiras.
Fábio Wajngarten, que antes chefiava a Secretaria de Comunicação do Planalto, pertence à chamada ala ideológica do governo. Em razão de seu posicionamento pró-Washington, a questão da tecnologia 5G deve ser motivo de divergências com o titular da pasta, Fábio Faria (PSD-RN), integrante do Centrão no Congresso.
“Existe a participação da ala ideológica na atuação do secretário Wajngarten. Mas o ministério recém-criado foi entregue ao Centrão, para o qual o leilão 5G pode será muito interessante. Nesse sentido, haverá disputas concomitantes acontecendo”, disse Günther Richter Mros, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Kalinka Castelo Branco, professora de segurança digital da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que a pressão americana pode privar o Brasil de dispor de uma tecnologia altamente necessária para os dias de hoje. “Sempre existe a possibilidade dessa pressão. Temos o problema de o nosso presidente ser ‘aliado’ ao presidente dos EUA e querer fazer o que eles pedem”, argumentou. “O uso de 5G é algo que terá de acontecer, porque temos, cada dia mais, dados sendo trocados e precisamos melhorar o desempenho dos dispositivos conectados às redes.”
Juliano da Silva Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que “os Estados Unidos não podem acusar nenhum outro país de práticas de espionagem, porque eles são líderes mundiais nesse tipo de atividade e já tiveram, ao longo das últimas décadas, um comportamento ilegal nesse sentido”. Ele citou como exemplo as revelações de Edward Snowden, ex-analista da Agência de Segurança Nacional americana, sobre atividades de espionagem do governo dos EUA.
Prioridade
Segundo o presidente Jair Bolsonaro, o ministro das Comunicações terá de seguir uma série de recomendações durante as negociações do leilão do 5G no país, entre eles a política externa adotada pelo governo. Dessa forma, no embate entre Estados Unidos e China pelo mercado no Brasil, a nação norte-americana deve ter prioridade, sobretudo pela proximidade do mandatário brasileiro com o presidente Donald Trump.
“O barato nem sempre é o melhor, como nem sempre o mais caro é também o melhor”, comentou o chefe do Planalto. “Faremos o melhor negócio, levando em conta vários aspectos e não apenas o econômico. Vamos atender aos requisitos da soberania nacional, da segurança de informações, da segurança de dados e, também, da nossa política externa.”
“Faremos o melhor negócio, levando em conta vários aspectos e não apenas o econômico. Vamos atender aos requisitos da soberania nacional”
Jair Bolsonaro, presidente da República, sobre o leilão de 5G