Manifestantes ergueram bandeiras antifascistas e em defesa da democracia na Esplanada dos Ministérios. O ato pacífico aconteceu na manhã de ontem, após uma concentração no Museu Nacional, e reuniu milhares de pessoas em uma caminhada pacífica até o Palácio da Justiça. O protesto ocorreu em resposta ao crescente movimento a favor de medidas ditatoriais no país, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), e contra ações de autoritarismo e racismo. Também estiveram em pauta a valorização do Sistema Único de Saúde (SUS) e o pedido por medidas governamentais mais eficazes de combate ao novo coronavírus.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) montou um esquema de policiamento especial para evitar conflitos entre apoiadores e críticos do presidente Jair Bolsonaro. Foi formado um cordão de policiais no gramado que separa as duas vias da Esplanada, com um grupo de cada lado. Houve, ainda, proteção ao limite do trajeto e aos prédios dos ministérios. Não foram registradas grandes confusões. O grupo antifascista estava em milhares e chegou a trocar ofensas com algumas dezenas de defensores do governo, mas a Polícia Militar conteve os envolvidos. Durante a semana passada, o presidente chegou a chamar os opositores de terroristas e pediu que apoiadores não participassem do ato.
O protesto teve diversas lideranças, mas foi inflado por um movimento espontâneo de união de ideais. Integrantes de torcidas organizadas de diferentes times, como Corinthians, Flamengo e Gama, uniram-se na bandeira com a frase “todos pela democracia”. O servidor público Pedro Amaral, 45 anos, estava com a camisa da torcida Flamengo Antifa. “Essa resistência é fundamental e nasceu sem um planejamento muito bem definido, sem uma liderança única. É simbólico o futebol participar disso, porque ele faz parte da nossa cultura e tem capacidade de mobilizar a troca de chave, da zona de conforto e ações que ficam apenas em notas de repúdio, para a defesa ativa da democracia”, avaliou.
Antirracismo
Apesar da preocupação com a covid-19, manifestantes argumentavam que os problemas sociais obrigaram o grito das ruas. “Nós não temos opção. O coronavírus veio potencializar o genocídio que acontece há anos no Brasil e isso tudo precisa de um basta. Temos que lutar contra o alvejamento de pessoas negras, que está sendo normalizado nesse atual cenário, inclusive com criança morrendo para gente branca fazer a unha”, lembrou Letícia de Almeida, 44 anos. A pedagoga fez referência à tragédia que vitimou Miguel Otávio Santana, o garoto de 5 anos que morreu após cair do 9º andar do prédio em que a mãe trabalhava, enquanto era cuidado pela patroa, acusada de negligência.
Outro nome homenageado nos cartazes foi o de João Pedro Mattos, morto aos 14 anos após operação policial no Rio de Janeiro. O contador Jeferson Leal, 44, esteve no ato para reforçar o combate a atitudes de autoritarismo contra a população. “Tive que sair de casa nesta pandemia porque a rua está presenciando atos antidemocráticos e de opressão, de um sistema que é máquina de matar preto e pobre”, afirmou. Essa também é a visão de Dulce Rocha, 63. Mesmo no grupo de risco da covid-19, a aposentada participou da manifestação por considerar que a luta pela democracia é essencial. “Acredito que se é para morrer, temos que morrer de pé, não ficar de longe olhando os absurdos que estão ameaçando a história que construímos”, opinou.
Houve quem tomasse a iniciativa de proteger os manifestantes com orientações e medidas de combate ao vírus, como o estudante Enzo dos Santos, 17. Ele pedia pelo distanciamento de dois metros para cada pessoa presente e distribuía álcool em gel. “Temos que ajudar o povo que mais sofre com a doença. A periferia está em um local em que nunca existiu democracia de verdade e sempre presenciamos o fascismo. Somos diariamente tratados de forma diferente. Por quê tem lockdown em Ceilândia e não no Plano Piloto?”, questionou.