O protesto realizado em São Paulo por torcidas organizadas fez com que outros atos marcados pelo país ganhem força. Grupos pró-democracia pretendem se concentrar no próximo fim de semana em diversas cidades, entre elas Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília, além da capital paulista, que deve voltar a ser palco de mobilizações. Apesar do objetivo único, que envolve ainda lutas contra o racismo e o fascismo, as entidades se dividem e resistem ao apoio de partidos e agentes políticos. A pandemia de coronavírus acaba impedindo o avanço dos protestos presenciais, em decorrência da recomendação de especialistas para que as pessoas evitem aglomerações.
No entanto, a movimentação na internet demonstra a força dos grupos. O manifesto Estamos Juntos, que reúne na internet nomes da arte, medicina, educação e da política, já conta com 272 mil assinaturas virtuais em apoio. O grupo surgiu em oposição às políticas do presidente Jair Bolsonaro e ameaças de retrocesso no regime democrático. A intenção é que os protestos virtuais avancem para as ruas. “Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”, descreve um texto publicado pelo grupo.
O manifesto pede que agentes políticos se mobilizem para assegurar que os Três Poderes continuem mantendo sua harmonia. “Somos a maioria de brasileiras e brasileiros que apoia a independência dos poderes da República e clamamos que lideranças partidárias, prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores, procuradores e juízes assumam a responsabilidade de unir a pátria e resgatar nossa identidade como nação”, completa o texto. A mobilização surgiu quase no mesmo momento que o “Basta!”, abaixo assinado virtual que já obteve 42 mil apoios..
Este segundo movimento faz críticas diretas ao presidente Jair Bolsonaro e o objetivo é pressionar o setor político para que ocorra o afastamento dele do cargo. Os argumentos são de que Bolsonaro comete crime de responsabilidade ao não adotar políticas de combate a pandemia de coronavírus e atenta contra os demais poderes. Brasil, suas instituições, seu povo não podem continuar a ser agredidos por alguém que, ungido democraticamente ao cargo de presidente da República, exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar com os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito, contra a saúde dos brasileiros, agindo despudoradamente, à luz do dia, incapaz de demonstrar qualquer espírito cívico ou de compaixão para com o sofrimento de tantos.
Ambos os grupos se assemelham ao das Diretas Já, que reunia apoiadores de diversas ideologias descontentes com o governo da época e conclamavam adoção de um regime democrático integral, com participação direta na política. Apesar de ter se tornado uma importante voz contra Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, não consegue obter o apoio irrestrito destes grupos, mas faz com que os então apoiadores do chefe do Executivo mudassem de lado. A ligação da imagem dele com os protestos vem sendo rejeitada pelos manifestantes.
O cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira explica que o panorama mostra um “ressentimento” com os fatos atuais. “Tem feridas na política brasileira, como o processo de impeachment, que ainda não foram curadas. E seria muito importante você pensar em uma frente em que as pessoas tivessem a grandeza de superar feridas, se é que elas acham que essa frente é feita a partir de uma ação comum”, disse.
Teixeira pontua que o objetivo comum parece existir, sendo ele a ação de se contrapor, de certa forma, ao presidente Jair Bolsonaro e a seus apoiadores. “Mas o ressentimento do passado dificulta. E óbvio que isso enfraquece os propósitos dos 70%”, disse, se referindo ao movimento amplamente vistos nas redes sociais de pessoas que se opõe a Bolsonaro.
O professor explica que qualquer aumento de oposição ao governo de Jair Bolsonaro passa também por atrair aqueles que já o apoiaram. “Se quiser fortalecer a oposição tem que atrair descontentes do próprio governo”, explicou. Dentre pessoas que já estiveram no governo e hoje se opõe estão os deputados federais Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP), sendo o mais recente o ex-juiz federal Sergio Moro.
Moro não é uma figura bem vista por segmentos de esquerda, apoiadores do ex-presidente Lula e críticos à Lava Jato, justamente por sua atuação na operação. Muitos, então, rejeitam sua participação no movimento anti-bolsonarista. “São agentes políticos importantes para, de uma maneira, somar nesse momento. Não enxergar isso é de alguma maneira não querer que o movimento se fortaleça até o limite em que ele pode se fortalecer”, explicou.
Entidades
Saiba Mais
Embora não tenham peso em quantitativo para engrossar o número de manifestantes, as entidades tem influência política, jurídica e social, dando mais força e obtendo apoio junto as autoridades. Na manhã de ontem, um ato em defesa de liberdade de imprensa atraiu entidades de classe dos jornalistas e parlamentares de oposição. Integrantes do MDB, Rede, PV, PSB, PDT, PT, Cidadania e PSOL participaram do ato virtual e prometeram continuar as articulações tanto no Congresso quanto nas ruas.