Com uma série de advertências à cúpula do governo, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu, ontem, não dar conhecimento ao pedido de deputados da oposição para que o celular do presidente Jair Bolsonaro fosse apreendido. A decisão foi tomada no inquérito que investiga suposta interferência do chefe do Executivo na Polícia Federal. Em seu despacho, o magistrado, relator da investigação, mencionou a declaração do comandante do Planalto de que não entregaria o celular, caso a apreensão do aparelho fosse determinada. Mello alertou que o descumprimento de decisão judicial por parte de um chefe de Estado “configura crime de responsabilidade”, o que abriria caminho para um processo de impeachment. Ele também mencionou uma frase do ex-deputado federal Ulysses Guimarães de que “traidor da Constituição é traidor da pátria”.
O pedido de apreensão do celular de Bolsonaro foi apresentado ao STF numa notícia-crime de autoria do PDT, PV e PSB. Os partidos solicitaram, também, a apreensão dos celulares do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e da deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Mello decidiu não dar prosseguimento à ação por não ver constitucionalidade sequer para julgá-la, por entender que não há legitimidade da parte de deputados para propor diligências em investigações, o que é exclusividade do Ministério Público.
A decisão de Mello encerra um dos capítulos da grave crise entre o Executivo e o STF. Em 22 de maio, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, divulgou a Nota à Nação Brasileira, na qual criticou o pedido de apreensão do celular do presidente e alertou para “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. No meio político, o comunicado foi interpretado como uma ameaça de golpe militar, o que Heleno negou.
O chefe do GSI emitiu o comunicado logo depois de Mello encaminhar o pedido de apreensão do celular de Bolsonaro para apreciação do procurador-geral da República, Augusto Aras, o que é uma formalidade jurídica. Na semana passada, o PGR emitiu parecer contrário, com o argumento de que não cabe a partidos políticos fazer esse tipo de solicitação.
Bolsonaro também desafiou o STF, na ocasião. “No meu entender, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, nem deveria ter encaminhado ao procurador-geral da República. Tá na cara que eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê? Alguém está achando que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como essa?”, disse à Jovem Pan.
Na decisão de ontem, Mello criticou a declaração de Bolsonaro. “É tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer dos Poderes da República (ou por qualquer cidadão) que, tratando-se do chefe de Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade”, escreveu.
O ministro afirmou que eventual “desobediência presidencial” seria desrespeito à Carta Magna. “Em uma palavra: descumprir ordem judicial implica transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato de desobediência presidencial e de insubordinação executiva como uma conduta manifestamente inconstitucional”, ressaltou.
Mello também ressaltou que, quando o Judiciário intervém para conter excessos do Executivo, está apenas desempenhando o papel que lhe foi atribuído pela Constituição. “É importante ter presente que o Judiciário, quando intervém para conter os excessos do poder e, também, quando atua no exercício da jurisdição penal ou como intérprete do ordenamento constitucional, exerce, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por tal razão, projetando-se no plano da prática hermenêutica — que constitui a província natural de atuação do Poder Judiciário —, não transgride o princípio da separação de poderes”, enfatizou.
Acusações
O inquérito relatado pelo decano do STF foi aberto depois das acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, ao pedir demissão do cargo em abril. Segundo ele, Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF para ter acesso a investigações da corporação e proteger a família e amigos.
Trechos da decisão do decano do STF: disparos dirigidos ao presidente