O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro voltou a criticar a falta de empenho do presidente Jair Bolsonaro no combate à corrupção e disse que o mandatário deixou de vetar itens do projeto anticrime para defender o senador e filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Em entrevista à revista Crusoé divulgada, nesta sexta-feira (29/5), Moro comentou que Bolsonaro sancionou a lei no fim de 2019 sem barrar alguns dispositivos que tratam sobre a limitação de prisões preventiva e de acordos de colaboração premiada. Moro sugeriu os vetos, mas o presidente não o atendeu.
"Me chamou a atenção um fato quando o projeto anticrime foi aprovado pelo Congresso. Infelizmente, houve algumas alterações no texto que acho que não favorecem a atuação da Justiça criminal. Propusemos vetos, e me chamou a atenção o presidente não ter acolhido essas propostas de veto, especialmente se levarmos em conta o discurso dele tão incisivo contra a corrupção e a impunidade. Limitar acordos e prisão preventiva bate de frente com esse discurso. Isso aconteceu em dezembro de 2019, mesmo mês em que foram feitas buscas relacionadas ao filho do presidente", comentou o ex-ministro.
Na entrevista, Moro também disse que outro sinal de que Bolsonaro não está comprometido com a agenda anticorrupção são as recentes alianças dele com políticos do Centrão "que não se destacam exatamente pela imagem de probidade" em troca de apoio do parlamento a seu governo. O ex-ministro garantiu que Bolsonaro quer se defender contra um eventual processo de impeachment.
"No que se refere às alianças políticas, o discurso do presidente era muito claro no sentido de que ele não faria alianças políticas com o Centrão e agora ele está fazendo. E a culpa por isso não pode ser posta em mim, dizendo: "Olha, foi preciso fazer aliança com o Centrão por causa da saída do Moro". Não, isso precedeu a minha saída. Começou antes, pelo receio do presidente de sofrer um impeachment. A motivação principal da aliança é essa", afirmou.
"Planalto não é soberano"
Moro ainda comentou sobre os recentes ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF). A relação entre Executivo e Judiciário começou a se estremecer no fim de abril, quando o ministro Alexandre de Moraes impediu a posse de Alexandre Ramagem para a Direção-Geral da Polícia Federal, e ficou pior devido aos inquéritos que investigam se o presidente interferiu politicamente na Polícia Federal e que apuram eventuais crimes de apoiadores do mandatário e parlamentares pró-governo por produção de notícias falsas e ofensas aos magistrados da Corte.
"Não tem nenhum motivo para o Planalto se insurgir e o Planalto sabe disso. O problema é que o Planalto não consegue entender esses limites, que ele não é um Poder soberano. É claro que, eventualmente, pode-se criticar algumas decisões judiciais, mas tem que respeitar a atuação das Cortes de Justiça", defendeu Moro.
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"Me perguntam se valia tanto a pena manter o (ex-diretor-geral da PF Maurício) Valeixo, mas não era uma questão de quem está lá. A questão era o porquê a troca e por que o presidente precisava de uma pessoa de confiança, de relacionamento direto com ele. As razões que foram externadas pelo presidente são perturbadoras. Não dá pra submeter a PF a esse tipo de vontade", ponderou.
Moro disse que se sentia "desconfortável" no governo, sobretudo pela "agressividade" e pelo "estímulo à violência" de Bolsonaro e do alto escalão. "Não posso mentir. Eu me sentia desconfortável em vários aspectos do governo: pela agressividade contra a imprensa, pelo estímulo à violência, ao ódio e, mais recentemente, pela descoordenação completa em relação ao combate ao coronavírus. Eu sempre defendi o isolamento", destacou.